Deus criou um universo ou um multiverso?

Refletindo científica e teologicamente sobre a possibilidade de um multiverso

“O SENHOR fez a terra pelo seu poder;

estabeleceu o mundo por sua sabedoria

e com a sua inteligência estendeu os céus.” (Jr 10:12)

Recentemente, trocando mensagens com o talentoso autor de ficção científica e físico, Eduardo Yoshikazu Nishitani, fui indagado sobre a viabilidade de existir um multiverso e como isso se encaixaria em uma cosmovisão cristã. Sua reflexão sobre o tema despertou a suspeita que outros cristãos possam ter dúvidas semelhantes, principalmente devido a quantidade crescente de filmes e séries, cuja a premissa é a existência de universos paralelos. O assunto é empolgante e intrigante, e, para alguns, a prova maior que não é necessário um Deus para que o universo exista. Comecemos por esta provocação.

Qualquer cientista honesto, munido dos instrumentos apropriados e de posse de literatura científica séria, ao examinar minuciosamente as bases físicas que constituem nosso universo, experimentará uma crescente percepção de que as coisas são excessivamente ajustadas, demasiadamente perfeitas e concatenadas ao extremo. Da interação do menor fóton com um campo magnético, passando pelo equilíbrio perfeito das forças fundamentais, a maravilhosa periodicidade dos elementos químicos até à sofisticação impressionante do ser unicelular mais simples, o ajuste é de tal monta que esgota completamente todos os recursos probabilísticos do universo para eventos deixados ao simples acaso. Nenhuma singularidade cósmica destituída de direção ou propósito poderia originar este incrível e singular cosmos em que vivemos. Não há sorte o bastante para tal, mesmo considerando a vastidão quase infinita do universo. Se matematicamente o acaso não pode ter gerado esse universo, a alternativa mais simples e racional aponta para um Deus todo poderoso que o criou. Todavia, e se houvesse uma multiplicidade infinita de outros universos, coexistindo simultaneamente, gerados ao acaso? Nesse cenário um tanto bizarro, não seríamos os sortudos que ganharam na loteria cósmica; nosso universo seria apenas um entre muitos possíveis. E é aqui que entra o conceito de mundos paralelos.

O termo “multiverso”

O termo multiverso tem recebido maior atenção na mídia nos últimos anos e refere-se à hipótese da existência de infinitos universos além deste. É um termo caro para alguns cosmólogos e ateus que o veem como uma solução definitiva para enterrar conceitos inquietantes como a existência de Deus, design inteligente e ajuste fino do universo. A linha de raciocínio é simples: se há infinitos universos, as probabilidades para que qualquer tipo de universo venha a existir são também infinitas, logo é plausível que haja vários universos que apresentem todas as condições para a existência da vida, entre eles o nosso. Deus estaria fora da jogada, pois em um multiverso as condições para geração da vida seriam apenas uma questão de probabilidades. A ideia, à primeira vista, é simples e elegante, porém, levanta algumas questões. A primeira, obviamente, é se há um multiverso com embasamento científico. A segunda que nos interessa é se Deus criou um universo ou um multiverso. Comecemos com a primeira.

A ideia de um multiverso é conhecida nos círculos acadêmicos como teoria de muitos mundos ou interpretação de muitos mundos (IMM) e advoga a existência de múltiplos universos que coexistem paralela e independentemente uns dos outros. Foi proposta, em 1957, por Hugh Everett III, em sua tese de doutorado em física, na Universidade de Princeton. O impulso inicial para essa teoria surgiu de uma característica dos sistemas quânticos denominada colapso da função de onda. Mas, exatamente o que vem a ser isso?

O multiverso e a teoria quântica

A teoria quântica, na interpretação tradicional de Copenhague, postula que as partículas quânticas, como elétrons e fótons, não têm propriedades definidas, como posição ou momento, até que sejam medidas ou observadas. Essas partículas podem ser descritas por uma função de onda que descreve o seu estado quântico e contém informações sobre a probabilidade de encontrar a partícula em diferentes estados. Antes da medição, a função de onda pode apresentar uma sobreposição de diferentes estados simultaneamente. Assim, uma partícula quântica pode apresentar diferentes estados sobrepostos, cada qual com uma função de onda particular que o descreve e, até a partícula sofrer uma observação ou uma medida, todos os estados são possíveis de ocorrer. O colapso da função de onda ocorre no momento da medição, quando a partícula é observada. Nesse momento, a superposição de estados é substituída por um único estado definido, o qual adquire uma nuance clássica e não mais quântica (na física clássica, somente um evento pode ser observado para um mesmo fenômeno em um determinado momento). É a famosa história do gato de Schröedinger, enquanto a caixa não é aberta e observado o seu interior, o gato está em uma sobreposição de estados – morto e vivo simultaneamente. Abriu-se a caixa, há o colapso da função e o gato apresentará apenas um estado: morto ou vivo. O problema que perturbava Everett era o sumiço dos demais estados, para os quais não haveria um motivo ou um operador matemático que os levassem à inexistência ou cancelamento. Na falta de uma interpretação matemática maior, Everett, então, propôs que todas as demais configurações da partícula passariam a existir em múltiplos mundos ou realidades paralelas. Se, neste universo, um fóton, ao passar por uma fenda, desviar-se para a esquerda, então, deverá existir um outro universo em que se desviará para a direita. Assim, para resolver uma tecnicalidade que sequer é um consenso em mecânica quântica, Everett aventa em sua tese a existência de infinitos universos. Em termos mais simples: quando um evento quântico admite várias possibilidades de ocorrer, a IMM defende que todas essas possibilidades realmente acontecem, mas em universos separados.

A falta de consenso

Apesar de estar na moda, especialmente em filmes de super-heróis, a interpretação de muitos mundos não é, nem de longe, um consenso na comunidade científica. Mesmo Hugh Everett abandonou sua tese após concluí-la e passou a maior parte de sua carreira fora do campo da física teórica. Morreu, em 1982, e não chegou a ver o aumento do interesse por sua teoria, especialmente por parte de expoentes da ficção científica e por seguimentos naturalistas. Sua sugestão bizarra apresenta grandes entraves a serem vencidos. Primeiro, porque é impossível testar experimentalmente a existência de outros universos, uma vez que estados quânticos diferentes não interferem entre si. Segundo, porque a ideia de que cada universo existente é fruto de uma linha divergente de um outro universo elevaria ao absurdo a multiplicidade de universos ramificados a cada fentossegundo, a partir de um único universo. No lugar de aumentar as probabilidades de haver universos com condições de gerar vida, a multiplicidade de probabilidades ínfimas, quando elevadas ao infinito, resultariam em valores infinitesimais para universos viáveis. Terceiro, no colapso da função de onda não há qualquer indicador físico de criação ou ramificação de outra realidade. Por fim, há as graves questões filosóficas que se levantariam devido a uma multirrealidade multifacetada e o desafio quase intransponível de integrar a IMM com outras teorias físicas. Resumo da ópera: a existência de um multiverso é ainda menos factível que a geração espontânea ao acaso de um único universo finamente ajustado.

Mas o que é impossível matematicamente seria possível divinamente? Será possível que Deus tenha criado um multiverso, conforme a proposta de Hugh Everett III, no lugar de um universo? Sendo justo, para um Ser capaz de criar um universo tão belo, perfeito e ajustado como o nosso, criar dois, três, quatro, infinitos outros universos, não seria problema. De fato, para um Deus onipotente e onisciente, a capacidade de criar um multiverso certamente estaria dentro do escopo das possibilidades divinas. Poder não lhe falta. A questão não é se Ele poderia criar um multiverso, mas se Ele de fato criou. A resposta é simplesmente, não! Abaixo listo três razões para tanto, uma de ordem mais científica e as outras de cunho mais teológico.

Argumentos contra um multiverso

A.    Um Deus onisciente leva necessariamente a um universo clássico

Se cada universo é originário de uma ramificação anterior, devido ao colapso de estados quânticos, necessariamente haverá um universo primordial. Se Deus é o criador, então esse universo primordial estará sob sua observação e intervenção. Como a mecânica quântica, firmemente defendida por Everett, assevera de forma categórica que o simples ato consciente de observar um estado quântico leva ao colapso da função de onda que descreve o sistema, o resultado é indiscutível: apenas um estado individual será prevalecente. Assim, esse universo primordial não se ramificaria, pois, a “caixa do gato” estaria sempre aberta para o Senhor Deus. Não teríamos um multiverso de ramificações quânticas, e, sim, um universo de escolhas clássicas. Nas palavras de Eduardo Nishitani, a realidade pode ser muitas possibilidades sobrepostas, mas apenas uma colapsa pelo olhar do Observador Onisciente, que é o Senhor Deus. Se Deus não joga dados, afirmo que Ele também não aposta em universos possíveis.

B.     A existência de um multiverso é incompatível com a santidade de Deus

A criação de um multiverso, ainda que pudesse refletir a sabedoria e a onipotência de Deus ao criar um sistema complexo e interconectado que permitisse a coexistência de diversas realidades, é incompatível com sua Santidade. Se há infinitos universos, milhões e milhões deles finamente ajustados para manter a vida, e vida moral, é plausível supor que em todos eles, ou em sua maioria, a realidade do pecado tenha se instaurado. Nesse caso multiplicaríamos por infinito o problema da realidade do mal na presença de um Deus Santo. Aquele que é tão puro de olhos que não pode ver o mal, nem contemplar a opressão (Hb 1:13), criaria uma estrutura que tornaria a presença do mal virtualmente infinita? Se em um único universo a presença do mal e do pecado tornou necessário o derramamento do precioso sangue do Filho de Deus para a redenção (1Pe 1:19-20), por lógica, redimir um multiverso implicaria em um preço além. O que pode ser maior que o ultraje infinito sofrido pelo Verbo Eterno na cruz para remir uma única raça? A impossibilidade de resposta a essa questão implica na impossibilidade de existência de um multiverso.

C.     A redenção obtida na cruz foi um evento cósmico único

A resposta anterior pode induzir alguns a pensar “sim, não há nada superior e mais precioso que a morte de Cristo Jesus na cruz. Mas Ele poderia ter se sacrificado em cada universo”. Embora seja um raciocínio interessante, entra em confronto direto com a revelação da Escrituras quando afirma que “Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos” (1 Pe 3:18) e que Ele “entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção” (Hb 9:12). Portanto, o sacrifício de Jesus foi um evento cósmico único, e não um fenômeno sujeito às ramificações de um multiverso quântico. Não há outros Cristos em universos paralelos, nem outras formas diferentes de redenção. A própria encarnação do Verbo é um evento singular, bem como a redenção obtida na cruz. A criação geme e suporta angústias pelo pecado que foi perpetrado nesse mundo (Rm 8:19-23), não em outros mundos ou outras realidades. A singularidade da redenção eterna aponta necessariamente para um universo singular.

Pensando absurdamente

Se esses argumentos não são suficientes para convencer, há ainda um último do tipo reductio ad absurdum. Consideremos, por um momento, que de fato há infinitos universos paralelos e que tudo o que é possível de ocorrer seja apenas uma questão de probabilidades, não sendo necessário Deus como um Designer Inteligente ou a Causa Primordial. Se é possível existir, por puro acaso, universos finamente ajustados à vida, contra todas as leis da química, física e biologia, então, é possível todas outras coisas. Certamente, haverá um universo em que um velhinho barbudo, que dirija um trenó com renas voadoras, carregando um saco infindável de presentes, visite todas as crianças boazinhas em uma única noite. Também haverá um universo onde super-heróis existam, ou fadas, ou dragões, ou jubisks, ou cores falantes, ou universos que jazem em trevas gravitacionais eternas. Haverá, até mesmo, um universo que foi criado por um Deus Todo-Poderoso (é possível, as chances são infinitas, lembram?), e, nesse caso, esse Deus, por sua onisciência, ao observar o multiverso, desde o seu início, levará ao colapso a função de onda primordial, resultando em um universo clássico. Por absurdo, se houver um multiverso, ele será clássico e terá um Deus como seu criador e sustentador.

Conclusão

Por mais cativante e fascinante seja a ideia de um multiverso, sua utilidade prática se limita a fornecer elementos para narrativas de ficção científica. Ao contemplar a perfeição do cosmos, somos chamados a reconhecer a sabedoria e o poder do Senhor Deus manifestos em um único, vasto e singular universo concebido com amor e propósito. Não precisamos de outros.

A Ele toda a glória!

Leia mais artigo do Dr. Kelson Mota na coluna Fé e Ciência – clique aqui.

Conheça os livros da Editora Fiel sobre Fé e Ciência – clique aqui.

Autor: KELSON MOTA. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Revisão e Edição por Vinicius Lima.