Qual a origem e significado do batismo de João?

O elo entre a antiga e a Nova Aliança

Quando João Batista aparece no deserto, batizando e “pregando batismo de arrependimento para remissão de pecados” (Mc 1.4), o que ele está fazendo? De onde veio o batismo de João (Mt 21.25)? E o que sua origem significa para os cristãos hoje?

A tese deste artigo é que o significado do batismo de João se relaciona à sua novidade inspirada: ou seja, o batismo de João prepara o povo da Nova Aliança de Deus para um novo êxodo e conquista — embora com alvos intensificados e espiritualizados. Por meio do batismo de João, um povo da Nova Aliança é preparado para seguir um novo Josué, ou Ieshua, no outro lado do rio Jordão — o que é muito semelhante ao povo de Israel quando entrou na terra prometida, como cidadãos de um novo reino, sob a autoridade de um novo Rei, um Filho de Davi. Além disso, visto que Jesus, o Cristo, recebe o batismo de João no início de seu ministério e dá continuidade à prática durante seu ministério terreno e posteriormente (Jo 3.22; Mt 28.19), o significado do batismo de João tem implicações para o batismo cristão.

Exploraremos três aspectos do batismo de João empregando estes três títulos: a mensagem, o lugar de reunião e o significado. Após sondarmos o significado do batismo de João, estaremos prontos para comentar o significado do batismo no Novo Testamento.

A mensagem do batismo de João

Nos três evangelhos sinóticos, o ministério de batismo de João está claramente vinculado à sua proclamação de arrependimento e proximidade do reino de Deus. Mateus cita diretamente a mensagem de João Batista em Mateus 3.12, ao dizer: “² Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus”. Mateus liga essa mensagem diretamente à profecia de Isaías sobre a Nova Aliança, ao fazer a citação de Isaías 40.3 — João é a “voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor” (Mt 3.3). Mateus, um estudante das Escrituras, conhece o papel redentor de João. Isaías 40 é um marco que define uma mudança das coisas anteriores, sob a velha aliança, para as coisas novas sob a Nova Aliança. Ao estabelecer uma hiperligação, por assim dizer, do ministério de João com a mensagem de Isaías 40, Mateus anuncia para seus leitores que as novas coisas se iniciaram com a chegada de João.

Em vez de citar a mensagem de João, Marcos a resume em Marcos 1.4: “Apareceu João Batista no deserto, pregando batismo de arrependimento para remissão de pecados”. Arrependimento é essencial à mensagem de João — uma mensagem que, conforme veremos, é essencial à literatura profética acerca do “retorno” ou “volta” do exílio que inicia a Nova Aliança. De maneira significativa, o próprio Jesus emprega essa mensagem de arrependimento em seu ministério de pregação em Marcos 1.15: “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho”.

Arrependimento e “retornar” e “voltar” são conceitos relacionados no Antigo e no Novo Testamento. Por exemplo, a palavra traduzida por “arrependei-vos” na mensagem de João e de Jesus é metanoeō, que é usada na Septuaginta em Isaías 46.8 para traduzir a palavra hebraica shuv ou “voltar” — uma palavra que, conforme veremos, é extremamente significativa.

No Evangelho de Lucas, temos mais detalhes de contexto quanto ao ministério de João de Batista, uma vez que Lucas começa seu evangelho com detalhes a respeito da concepção e nascimento de João. Um anjo é enviado ao pai de João, Zacarias, com uma mensagem sobre o ministério de seu filho ainda por nascer, em Lucas 1.16: “E converterá [epistrephō] muitos dos filhos de Israel ao Senhor, seu Deus”. A palavra traduzida por “converterá” é usada 298 vezes pela Septuaginta para traduzir a palavra shuv, “voltar” ou retornar”.

O batismo de João é também confirmado como uma mensagem de conversão e “arrependimento”, quando Lucas resume o batismo de João como um “batismo de arrependimento” em Lucas 3.3 e, de novo, em Atos 19.4. Lucas prossegue e conecta o ministério de João a Isaías, com uma citação de Isaías 40 (Lc 3.4-6), como o fazem os evangelhos de Mateus, Marcos e João.

Mensagem de retorno em Deuteronômio 30

Dessas passagens, é claro que “arrependimento” ou “voltar” é um elemento significativo na mensagem de João e em seu ministério de batismo. O que podemos concluir disso? Significativamente, a mesma linguagem de “voltar” e “retornar” é usada numa passagem proeminente no livro de Deuteronômio, no texto que talvez seja o mais claro sobre a Nova Aliança na Torá. De fato, as palavras do anjo faladas a Zacarias, em Lucas 1.16, quase certamente ecoam Deuteronômio 30.2:

Lucas 1.16: “E converterá [epistrepho + epi] muitos dos filhos de Israel ao Senhor, seu Deus”.

Deuteronômio 30.2: “E tornares [epistrepho + epi] ao Senhor, teu Deus, tu e teus filhos”.

Em Deuteronômio 30.1-10, a palavra hebraica shuv — que o léxico de Brown, Driver e Briggs interpreta como “voltar, retornar” — ocorre sete vezes.[i] No contexto, Deuteronômio 30 é um registro das palavras de Moisés proferidas para uma nova geração que substituiu a geração infiel do deserto. O livro de Deuteronômio é uma renovação da aliança. No entanto, Moisés prediz o futuro horrível dessa aliança em Deuteronômio 28 e 29: o povo entrará na terra, desobedecerá à aliança e será exilado.

Deuteronômio 28 e 29 se torna programático para a história de Israel na terra. Tudo que Moisés diz que acontecerá nesses capítulos se torna verdadeiro à medida que a história de Israel se desenvolve. Moisés, porém, não os deixa sem esperança. Em Deuteronômio 30, Moisés diz que, “quando, pois, todas estas coisas vierem sobre ti”, e o povo se “recordar” (shuv) dessas palavras (v. 1), e o povo e seus filhos “tornarem” ao Senhor (v. 2), então o Senhor os restaurará (“mudará” – shuv) e os “ajuntará, de novo”, do exílio (v. 30). E o povo obedecerá (shuv) novamente ao Senhor e cumprirá os seus mandamentos (v. 8), e o Senhor tornará [shuv] a exultar neles (v. 9), quando se converterem (shuv) ao Senhor de todo o coração e alma (v. 10).

Notoriamente, é em Deuteronômio 30.6, o âmago dessa passagem, que achamos o tema de renovação do coração ou circuncisão do coração, que é um elemento importante da Nova Aliança: “O Senhor, teu Deus, circuncidará o teu coração e o coração de tua descendência, para amares o Senhor, teu Deus, de todo o coração e de toda a tua alma, para que vivas”. O profeta Jeremias retoma este assunto de renovação do coração em sua profecia da Nova Aliança, em Jeremias 31.33, que se fundamenta na profecia de Moisés em Deuteronômio 30.

Mensagem de retorno nos profetas

Conforme argumento em meu livro In Your Mouth and In Your Heart (Em sua boca e em seu coração),[ii] Deuteronômio 30 é uma fonte à qual autores bíblicos posteriores retornam, repetidas vezes, em sua exposição e desenvolvimento, inspirados pelo Espírito, das promessas da Nova Aliança e da esperança messiânica. Poucos exemplos disso serão suficientes.

Em Isaías 1, o profeta anuncia julgamento vindouro contra Israel por causa da sua desobediência contínua à aliança. Mas, como em Deuteronômio, essa nota de julgamento está acompanhada de uma promessa de redenção. Ainda que Deus virará sua mão contra eles, “Sião será redimida pelo direito, e os que se arrependem [shuv], pela justiça” (Is 1.27). Quem anunciará essa justiça vindoura? Aquele que, de acordo com Isaías 40.3, clama “no deserto” ou talvez, de acordo com algumas interpretações, “prepara um caminho no deserto” — para o Senhor. E o Senhor vem com uma promessa: “Desfaço as tuas transgressões como a névoa e os teus pecados, como a nuvem; torna-te [shuv] para mim, porque eu te remi” (Is 44.22).

O tema de “converter” e “retornar” é uma linha de pensamento importante nos Profetas Menores ou no Livro dos Doze (veja Oséias 6.1-2, como exemplo), que incluem as seguintes palavras de esperança do profeta Malaquias, antes que a revelação especial de Deus silencie por séculos, até que o mundo veja uma grande Luz:

Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível Dia do Senhor; ele converterá [shuv] o coração dos pais aos filhos e o coração dos filhos a seus pais, para que eu não venha e fira a terra com maldição (Ml 4.5-6).

Não é coincidência, então, que a primeira palavra da mensagem de João Batista seja “Arrependei-vos”. “Convertei-vos!” E seu batismo é um batismo de arrependimento. Por quê? Porque a Nova Aliança chegou. O reino do céu está próximo. O Rei está aqui.

O lugar de reunião de João Batista

Quase tão significativo quanto a mensagem de João Batista é o lugar de reunião que ele escolheu. Onde João escolhe proclamar a mensagem de arrependimento para perdão dos pecados e o anúncio da vinda do reino e do Rei? Ele poderia ter ido a muitos lugares para achar água. Poderia ter ficado na terra de Israel, talvez no mar da Galileia. Mas, em vez disso, João atravessa o Jordão e vai para além das fronteiras históricas da terra prometida, para o deserto, bem à semelhança do que alguns dos falsos messiânicos faziam em seus dias.[iii]

Por que João está no deserto, batizando no rio Jordão? Os profetas estão repletos de explicações possíveis. Considerados juntos, creio que esses textos constituem uma formidável base racional e explicação teológica para o ministério de batismo de João. Como veremos, eles têm, igualmente, implicações para o batismo cristão.

O contexto mais óbvio para o ministério de batismo de João vem de Isaías 40, que, como já vimos, cada escritor dos evangelhos destaca. Mas o livro de Isaías contém várias outras bases textuais para o ministério de batismo de João no deserto.

Exatamente antes de Jesus pregar a sua mensagem de arrependimento em Mateus 4.17, o evangelista cita Isaías 9.1-2, dizendo: “Terra de Zebulom, terra de Naftali, caminho do mar, além do Jordão, Galileia dos gentios! O povo que jazia em trevas viu grande luz, e aos que viviam na região e sombra da morte resplandeceu-lhes a luz” (Mt 4.15-16). Esta expressão em Isaías 9.1: “Terra… além do Jordão”, é citada em relação à terra de Israel e significa a terra oposta à terra prometida, no deserto, que Deus tornou “gloriosa”. Significativamente, João 1.28 usa a mesma linguagem para descrever onde João estava batizando, além “do Jordão”, no deserto.

Do deserto para o Jordão

De fato, o programa inteiro da Nova Aliança exposto por Isaías parece estar afirmado ao redor de uma viajem pelo deserto. Retomaremos esse fio de pensamento em Isaías 43. Muitos eruditos já notaram a mudança para o tema de Nova Aliança que Isaías 40 e os capítulos seguintes assumem — ao que Brevard Childs se refere como as “coisas novas”, em contraste com as “coisas velhas” dos capítulos 1 a 39. E o capítulo 43 não é uma exceção.[iv]

Todo o capítulo merece citação, mas temos de ser seletivos. Isaías 43 começa com uma promessa da redenção de Deus, no versículo 1, seguida de uma promessa da proteção de Deus, no versículo 2: “Quando passares pelas águas, eu serei contigo; quando, pelos rios, eles não te submergirão”. Aqui, temos latente a linguagem de batismo (veja 1Pe 3.21):  Deus promete estar com seu povo quando passarem pelas águas e vê-los seguros no outro lado. Isaías está evocando claramente as cenas do êxodo, o que é, em si mesmo, um eco das águas de salvação através do julgamento no dilúvio de Noé.[v] Deus promete estar com seu povo, como esteve quando passaram pelo meio do mar Vermelho (Êxodo 14). Entretanto, a menção de rios em Isaías 43.2 sugere também Israel atravessando o rio Jordão (Js 3), uma referência que Isaías amplia alguns versículos depois.

Em Isaías 43.5-7, Deus promete trazer seu povo desde o Oriente, do Ocidente, do Norte e das extremidades da terra — “todos os que são chamados pelo meu nome”. Nesses versículos, Isaías descreve a redenção de Israel como um retorno do exílio, um ajuntamento de entre as nações, usando os pontos cardeais como o faz o Salmo 107, que inicia o Livro 5 do saltério — chamado, às vezes, o “Livro da Redenção”. A Nova Aliança envolve um novo retorno.

Isaías 43.16-17 retoma a cena do êxodo e desenvolve o tema de passar pelas águas no caminho de redenção ou retorno. Em seguida, vem a menção explícita da “coisa nova” que Deus promete fazer:

Não vos lembreis das coisas passadas, nem considereis as antigas. Eis que faço coisa nova, que está saindo à luz; porventura, não o percebeis? Eis que porei um caminho no deserto e rios, no ermo. Os animais do campo me glorificarão, os chacais e os filhotes de avestruzes; porque porei águas no deserto e rios, no ermo, para dar de beber ao meu povo, ao meu escolhido, ao povo que formei para mim, para celebrar o meu louvor (Is 43.18-21).

O tema de deserto é invocado em parte devido às imagens de exílio e viagem de retorno do povo de Deus, por meio de desertos, a caminho da terra prometida. Mas a viagem reflete intencionalmente o caminho que o povo de Deus tomou em sua saída do Egito — uma viagem que os levou pelo meio do mar Vermelho ao deserto, a fim de acamparem no “outro lado do Jordão” e esperarem por outra travessia, outro passar pelo meio de águas, a caminho de herdarem a terra prometida.

Relevantemente, a Lei e os Profetas são negativos em sua apreciação da primeira viagem e posse da herança: o povo se tornou indigno, e a terra os vomitou (cf. Lv 18.28; Dt 28.15-68; Jr 25.11-12). Mas os Profetas também falam de um dia em que o povo herdará novamente a terra — um novo reino — depois de um exílio no deserto (Jr 29.10-14; Is 40.1-11; Dn 9.24-27).

Não é razoável, então, esperarmos que esse novo “retorno” venha com outro atravessar do rio Jordão, a partir do deserto?

Novo êxodo, novo retorno

Essa nova viagem procedente do deserto como parte do começo de um “retorno” à terra prometida é enfatizada em harmonia polifônica, quando consideramos outros testemunhos proféticos. Em Ezequiel 20, o profeta fala do “retorno” ou “restauração” de Israel prometido por Deus, apesar de seu julgamento exílico. Nos versículos 33 a 35, Ezequiel diz que esse programa incluirá serem retirados dos lugares em que habitam, um ajuntamento no deserto e uma coroação com Deus como Rei:

Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, com mão poderosa, com braço estendido e derramado furor, hei de reinar sobre vós; tirar-vos-ei dentre os povos e vos congregarei das terras nas quais andais espalhados, com mão forte, com braço estendido e derramado furor. Levar-vos-ei ao deserto dos povos e ali entrarei em juízo convosco, face a face.

No versículo 36, esse ajuntamento no deserto é comparado ao ajuntamento no deserto da geração do êxodo. E precede uma promessa de uma Nova Aliança: “Far-vos-ei passar debaixo do meu cajado e vos sujeitarei à disciplina da aliança” (v. 37) e de uma nova entrada na terra: “Sabereis que eu sou o Senhor, quando eu vos der entrada na terra de Israel, na terra que, levantando a mão, jurei dar a vossos pais” (v. 42).

Historicamente falando, as Escrituras não registram uma renovação da aliança ou um estabelecimento de aliança “no deserto” nas gerações que retornaram à terra durante os ministérios de Esdras, Neemias e posteriormente. Em vez disso, os autores do Novo Testamento parecem admitir que o fundamento dessa promessa de aliança é inaugurada com o ministério de Nova Aliança de Jesus, cujo caminho é preparado pelo batismo de João “no deserto”.

Um testemunho profético final provê mais uma razão para prestarmos atenção ao lugar de reunião do batismo de João, a fim de assimilarmos seu significado teológico. Oséias fala da compaixão do Senhor para com seu povo infiel em Oséias 2.14: “Portanto, eis que eu a atrairei, e a levarei para o deserto, e lhe falarei ao coração” (Os 2.14). Mais à frente no livro, em Oséias 6.1-2, o profeta transmite um chamado claro ao povo de Deus para “tornar” ao Senhor para serem curados em meio à sua pecaminosidade.

O lugar de reunião de batismo no rio Jordão se torna especialmente intrigante ao considerarmos o testemunho do Novo Testamento de que João Batista é o Elias que viria, conforme prometido pelo profeta Malaquias (Ml 4.5-6). Onde nas Escrituras vemos Elias no rio Jordão? Em 2 Reis 2.6-8, Elias “prepara o caminho” para Eliseu por dividir as águas do Jordão para atravessarem para o outro lado — algo que o próprio Eliseu faz ao retornar, entrando na terra prometida passando por entre as águas do Jordão (2Rs 2.13-14).

Parece, então, que o ministério de batismo e a mensagem de “arrependimento” ou “retorno” de João não são apenas um chamado individual — embora muito certamente o sejam — mas também um chamado programático que inicia um novo êxodo e novo retorno sob a liderança de um novo Josué, que é Rei de um novo reino.

O significado do batismo de João

Se os vários fios de pensamentos canônicos quanto à mensagem de João e ao lugar de reunião do batismo de João foram suficientemente estabelecidos, estamos prontos para explorar algumas possibilidades bíblicas para o significado do batismo de João, o que têm implicações para o batismo cristão.

O apóstolo Paulo conecta claramente o batismo à passagem pelo mar Vermelho no êxodo:

Ora, irmãos, não quero que ignoreis que nossos pais estiveram todos sob a nuvem, e todos passaram pelo mar, tendo sido todos batizados, assim na nuvem como no mar, com respeito a Moisés. Todos eles comeram de um só manjar espiritual e beberam da mesma fonte espiritual; porque bebiam de uma pedra espiritual que os seguia. E a pedra era Cristo (1Co 10.1-4).

Mas João vem para batizar não no mar Vermelho e sim no rio Jordão, proclamando sua mensagem preparatória e profética de arrependimento para o povo de Deus, a mesma mensagem dada a Oséias e aos outros profetas: “Convertei-vos ao Senhor”. Como o povo deveria responder à mensagem de João? Por deixarem a terra prometida e unir-se a ele no deserto, agiram confessando sua desobediência à aliança e sua indignidade de estarem na terra — Ezequiel disse que Deus entraria em aliança com eles no deserto — para que o povo de Deus pudesse retornar novamente à terra como cidadãos do reino de Deus sob o governo de um novo rei legítimo.

Isso é o que João está fazendo, batizando além do Jordão, no deserto. Está preparando um povo para um novo êxodo, ou retorno, à terra prometida sob a autoridade de um novo Josué, clamando no Espírito de Elias: “Arrependei-vos! (Retornai! Convertei-vos!) Porque o reino de Deus está próximo!” Onde está este reino? Quem é este rei? Ele é aquele chamado Ieshua, Salvação, que carrega o nome de outro que dividiu as águas do Jordão, adiante do povo que entrou na terra prometida.

Como tudo isso se relaciona ao batismo cristão, especialmente ao ensino explícito em Romanos 6 de que o batismo simboliza a união do crente com Cristo? Romanos 6.3-11 deixa claro que o batismo cristão se centraliza em nossa união bendita com Cristo, pela fé em sua morte, sepultamento e ressurreição. O próprio ato de imersão na água significa um sepultamento nas águas do julgamento de Deus, morrendo para o pecado e matando o velho homem em Cristo. Essas águas são tipificadas pelo grande dilúvio, pelo mar Vermelho e até pelo rio Jordão. E, quando a pessoa batizada emerge dessas águas, isso significa sua ressureição para uma nova vida — vida como um novo homem, uma nova criação, em Cristo, pela fé (2Co 5.17).

Mas, quando Jesus recebeu o batismo de João no rio Jordão, o batismo se tornou batismo cristão, e Jesus e seus discípulos continuaram a prática durante o ministério terreno de Jesus e posteriormente (Jo 3.22; 4.2; Mt 28.19; At 2.38). Aqueles que não receberam esse batismo como batismo cristão, mas apenas como batismo de João, tiveram de receber o verdadeiro sinal do qual o Espírito Santo é o selo (At 19.1-7).

De fato, quando Paulo encontra alguns discípulos que não sabiam a respeito do Espírito Santo, parece que ele os censura por não entenderem o batismo de João, que haviam recebido. Paulo lhes pergunta: “Em que, pois, fostes batizados?” Eles respondem: “No batismo de João” (At 19.3). A resposta de Paulo é instrutiva: “João realizou batismo de arrependimento, dizendo ao povo que cresse naquele que vinha depois dele, a saber, em Jesus” (At 19.4). Em outras palavras, se o batismo de João é recebido como batismo cristão — batismo em Cristo — então, é o batismo verdadeiro.

Dessa maneira, parece apropriado entendermos o batismo do Novo Testamento como uma continuação do que João começou e Jesus recebeu no deserto, além do rio Jordão. Não penso, então, que seja coincidência o fato de que João 1.28 diz: “Estas coisas se passaram em Betânia, do outro lado do Jordão, onde João estava batizando”. Talvez João escolheu esse local intencionalmente, como o lugar em que Israel teria se acampado e atravessado para a terra de Canaã, quando se preparavam para entrar na terra, vindo primeiramente à cidade de Jericó, não muito além do caminho de onde João começou seu ministério de batismo.

Com João no Jordão

Tem sido tradição de muitas igrejas ter um mural do rio Jordão pintado acima de sua piscina batismal. Se os textos e as implicações nesta exploração se unem, essas imagens oferecem corretamente pelo menos um entendimento parcial do significado e origem tanto do batismo de João quanto do batismo cristão.

Nós também atravessamos o rio Jordão, colocados sob as águas do julgamento, seguindo um novo Josué, em um novo êxodo, em uma Nova Aliança, e pela fé nele temos, pelo menos, começado a entrar na terra prometida, como cidadãos de um novo reino e um novo Rei. Deus nos fez retornar, arrepender, porque o reino de Deus está próximo — de fato, está aqui — e, embora sejamos viajantes, não estamos mais no deserto. Somos cidadãos do reino do céu.

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Leia mais artigos do nosso blog sobre o assunto batismo – clique aqui.


[i] Francis Brown, S.R. Driver, and Charles A. Briggs, The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English Lexicon (1906; repr., Peabody, MA: Hendrickson, 2015), s.v. shuv.

[ii] Colin J. Smothers, In Your Mouth and in Your Heart: A Study of Deuteronomy 30:12-14 in Paul’s Letter to the Romans in Canonical Context (Eugene, OR: Pickwick, 2022).

[iii] No livro The Zealots (trad. David Smith [Edinburgh: T&T Clark, 2000]), de Martin Hengel, ele escreve sobre o mesmo Teudas mencionado por Gamaliel in Atos 5.36:

Um segundo falso Messias apareceu no tempo de Cúspio Fado (que governou de 44 em diante) — um Teudas, “que afirmava ser um profeta”, mas que era, na opinião de Josefo, não mais do que um enganador ordinário. Ele foi seguido por muitas pessoas — de acordo com Atos 5.36, quatrocentos homens — que foram com ele, levando tudo que possuíam, ao Jordão, as águas que ele tencionou dividir por sua palavra, para que todos pudessem atravessar com ele. (229-30)

A expectativa desse líder messiânico de dividir as águas do Jordão, para que seus seguidores passassem, é especialmente digna de nota para a tese deste artigo. Hengel escreve sobre outro pretendente messiânico:

Ao mesmo tempo, um “egípcio” — provavelmente um judeu egípcio — apareceu, também afirmando ser um profeta. Há discrepâncias entre a descrição de José sobre o evento e as afirmações que ele faz sobre o número dos seguidores desse egípcio, em As guerras judaicas, por um lado, e em Antiguidades, por outro lado. O egípcio possivelmente levou seus seguidores para o deserto e de lá para o monte das Oliveiras. Ali, ele pretendia fazer as muralhas de Jerusalém caírem — como as muralhas de Jericó haviam caído sob a liderança de Josué — e dessa maneira ganhar o controle da cidade. (231)

Outra vez, os detalhes específicos concernentes a essa expectativa messiânica são importantes à nossa atenção: esse movimento esperava que seu messias levasse seus seguidores do deserto às muralhas de Jerusalém, que seria, então, “conquistada”, como Josué levou os israelitas a conquistarem Jericó. Qual a origem dessas expectativas messiânicas? Há fundamento para essas expectativas no Antigo Testamento? Podemos pensar em outro movimento messiânico que reuniu seguidores no deserto e que tinha a expectativa da vinda de outro profeta chamado verdadeiramente por Deus a fim de “preparar o caminho” do Messias verdadeiro, por reunir seguidores e batizá-los no rio Jordão. Poderia haver uma tradição comum em ambas as expectativas, uma com fundamentos bíblicos, e outras mal orientadas? É aqui que o ministério de João Batista se sobressai, um elo humano entre o Antigo e o Novo Testamento, entre a velha e a Nova Aliança.

[iv] Brevard Childs, Isaiah (Louisville: Westminster John Knox Press, 2001), 296.

[v] Veja Jim Hamilton, God’s Glory in Salvation through Judgment (Wheaton, IL: Crossway, 2010).

Por: Colin Smothers. © Desiring God Foundation. Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: River of Return: The New-Covenant Theology of John’s Baptism. Tradução por Francisco Wellington Ferreira. Revisão e Edição por Vinicius Lima.