Algo mais significativo que avanços científicos

Entre congressos científicos e abraços infantis

“Deus faz que o solitário more em família; tira os cativos para a prosperidade; só os rebeldes habitam em terra estéril.” (Sl 68.6)

Viver a vida acadêmica e o dia-a-dia da pesquisa é, de diversas maneiras, testemunhar o que a mente humana é capaz de alcançar quando é estimulada a investigar a obras da criação de Deus. Diariamente ocorrem descobertas e avanços em laboratórios espalhados pelo mundo. Cada um mais surpreendente que o outro. Nesse ambiente intelectualmente estimulante não é difícil se deixar envolver pela ideia de que nada é mais importante ou impressionante do que uma descoberta científica. No entanto, essa é uma perspectiva ilusória, embora empolgante. Há algo mais duradouro, mais significativo, mais impressionante que qualquer avanço científico, e todo cientista sério deveria dedicar a mais completa atenção a isso. Explico.

Em novembro de 2007, participei de um simpósio científico, evento obrigatório, a cada dois anos, para todos que, como eu, trabalham em química quântica e modelagem molecular. Qualquer que já tenha participado de um congresso científico sério já sabe a rotina. Além das novidades da área, de reencontro de colegas queridos e das tendências para os próximos anos, há palestras, conferências, painéis, sessão de livros, sessão de pôsteres, discussão, coffee-breaks e, como é de praxe, ego, muito ego. Além do compartilhamento do saber, em certo aspecto um congresso científico é uma feira de vaidades cujos principais artigos à venda envolvem orgulho, soberba, inveja, jactância e autopromoção. Sem medo de errar, posso afirmar que, nesse ambiente, todos querem ser reconhecidos e ter sua pesquisa em destaque, bem como uma declaração de que seu trabalho foi publicado.

Classificar os tipos constantes em cada congresso é sempre uma tentação e um risco (de cometer alguma injustiça). Há aqueles que desejam, secretamente, fazer “aquela pergunta” que deixa o palestrante do momento embasbacado e mesmeriza a plateia, trazendo para si os holofotes. Em todo congresso, eles sempre são os mais assíduos às palestras, e estão sempre nas primeiras filas. Há também os pesquisadores mais badalados do momento, que somente se associam com outros tão badalados quanto, e os demais são quase invisíveis a seus olhos. Estes estão sempre nos cantos, com um pequeno e fiel séquito, e suas palavras têm o ar de sumidade. Há, claro, os menos badalados ou neófitos, que querem ser vistos, ou passar a imagem de que estão ao lado dos luminares. São os mais falantes e estão sempre chamando atenção para si. Existem também aqueles que aproveitam a oportunidade para criar novos contatos, saber as últimas novidades da área ou finalizar trabalhos em andamento – o que é muito legítimo e louvável. É a maioria silenciosa presente, e com esses vale a pena estar. Infelizmente, devido as vicissitudes deste mundo decaído, há também um grupo um tanto torpe que vai apenas para se esbaldar, fazer turismo, e buscar badalação, esquecendo seus compromissos morais e conjugais, bem como a etiqueta científica. Uma tristeza, pois há representantes de todas as classes nesse grupo e, a cada ano que passa, é perceptível um leve aumento no número. Lembro vagamente, com tristeza, do baile de gala onde um dos grandes expoentes presentes adentrou o recinto abraçado com duas garotas de programa em trajes não tão científicos e foi alegremente saudado por uma turma barulhenta. Nem um ganhador do Nobel teria sido recebido com tanto entusiasmo por amantes da ciência. Lamentável. Uma coisa é certa, como em qualquer feira de vaidades, todos querem se mostrar mais sábios, inteligentes, capazes ou sagazes que os demais. Sempre me pergunto se os ganhos científicos auferidos nesses congressos vale o esforço de se submeter a um ambiente algumas vezes menos científico quanto se quer fazer parecer.

Em meio a tantas informações e situações, senti-me solitário e com saudades de minha família. No final das contas, desvestido da aura de ciência, o que sobra é o ser humano com suas contradições e mesquinharias e nenhum cientista é capaz de ir além por seu esforço próprio.

Após cinco dias de congresso, não via a hora de voltar para casa e rever minha esposa e filhas. Cheguei em casa, após muito atraso no voo, quase duas da manhã. Ninguém me esperava acordado, como esperado. Larguei as malas na sala, bebi um gole d´água e fui ver minhas filhas dormindo no quarto, na época ainda crianças, depois de me certificar do profundo sono da esposa. Estava cheio de saudades. Ao ajeitar, cuidadosamente, o lençol de Naomi, minha caçula, com quase três anos, para minha surpresa e alegria, acordou e disparou a falar.

– Papai, papai, papai, papai… Saudade, saudade, saudade!

Depois olhou para mim como se quisesse acordar de um sonho. Piscou algumas vezes, balbuciou algo sobre eu estar viajando e, quando percebeu que era eu mesmo, disparou a falar atropelando as palavras:

– Papai, saudade, saudade, papai, papai, saudade…

Mesmo deitada, ela me agarrou pelo pescoço, deu um abraço apertado e, sem largar, continuou repetindo sem parar:

– Papai, saudade, saudade, papai, papai…

Fui abraçado, beijado, tive o cabelo cheirado e fui esganado de tanto abraço. Naomi ficou chorosa, risonha, falante. Estava tão alegre que não podia se conter. Parecia querer se certificar de que eu estava ali mesmo e não estava tendo um sonho. Fez questão de me fazer comer algo preparado com antecedência pela mãe. Senti-me amado e querido e isso me adoçou o coração e retirou muito de meu cansaço de viagem. Quando mais calma, disparou a falar sobre tudo, desde os passeios aos shoppings até meu jantar, e haja mais beijos e abraços. Eis um pai feliz e realizado. Perguntei-me como pude ficar cinco dias longe de tanta alegria e doçura.

No mesmo dia, pela manhã, após distribuir os presentes, e matar a saudade da esposa, Mitca, minha primogênita, veio cheia de alegria mostrar o lindo vestidinho azul escuro, com um detalhe de borboleta, que estava usando. Após um elegante rodopio perguntou-me:

– Papai, estou bonita?

– Sim!

– Muito bonita?

– Muito, muito bonita, uma graça.

Ela exibe um sorriso de aprovação pela resposta, todavia, claramente, ainda não está satisfeita. Ao notar isso, respondo com uma alegre piscadela, buscando alegrá-la um pouco mais.

– Aliás, por que você é tão graciosa assim?

– Ora, porque o Senhor me fez assim – respondeu rápida e faceira.

– É verdade, Ele te fez assim, muito bonita mesmo.

E quando pensava que o assunto se encerraria naquele ponto, veio a pergunta inesperada, a que tira qualquer pai do chão e o faz jurar que a lei da gravitação não é sempre obedecida.

– Papai, eu, sou a mais bonita de todas?

Aqui, engasguei e fiquei momentaneamente sem saber o que dizer. Não porque faltasse alguma beleza em seu rosto. Minha primogênita, pela graça de Deus, foi presenteada com uma encantadora e delicada beleza nipo-brasileira. Na verdade, fiquei paralisado pela singularidade da pergunta, uma vez que ela tinha apenas quatro aninhos e meio. Após uma rápida reflexão respondi:

– Há muita gente bonita nesta vida, Mimi, e algumas podem até ser mais bonitas do que você. Mas, isso não é o mais importante. O que importa é que você foi feita com todo amor por Deus e Ele se alegrou de fazê-la assim tão bonita. E, além disso, o Senhor também teve um carinho todo especial pelo papai – e dou outra piscadela.

– Por que pelo papai?

– Ora, bolotinhas, porque Ele te criou tão bonita e depois me fez ser seu pai, e isso é muito, muito bom! Um carinho do Pai Celestial. Fui abençoado.

A resposta a alegrou completamente e havia um sorriso de orelha a orelha. Com os olhinhos brilhando, me abraçou e me beijou. Ao meu ouvido, agarrada ao meu pescoço, disse baixinho:

– Você é meu papaizinho querido…

Sim, em meu coração me senti querido e realizado.

Estive em um congresso e vi o que a mente humana é capaz de conseguir quando seu intelecto é estimulado. Descobertas e avanços impressionantes. Saí de lá com algumas ideias e contatos interessantes para meu trabalho. Mas, também vi que estes avanços não mudam a disposição do coração humano para o pecado e para o culto de si mesmo no altar do ego. Um cientista sem Deus está tão perdido em si mesmo quanto uma ovelha sem pastor, largada em um campo.

Daquele congresso lembro nitidamente da minha alegria em reencontrar minhas amadas e constatar, mais uma vez, a bondade do Senhor para conosco. Não lembro mais das palestras que assisti, das perguntas que ouvi ou de todas as pessoas que interagi. E apesar do tempo (lá se vai dezessete anos) ainda consigo sentir os abraços e beijos da Naomi em meu rosto e pescoço naquela madrugada e ver o lindo sorriso da Mitca em minha mente, naquela manhã. Louvado seja o Deus Altíssimo, porque em sua misericórdia faz com que o solitário more em família. Sim, aqui temos algo que é mais significativo que descobertas científicas. Família é projeto de Deus para o ser humano, instituída antes mesmo da Queda. Nem mesmo para Adão, o homem perfeito, antes de pecar, era bom a solidão. A convivência familiar nos proporciona a graça da comunhão, o crescimento em amor, a abnegação por quem nos é mais próximo e, em escala reduzida, nos permite experimentar algo da comunhão existente na Trindade Santíssima. Nenhum projeto ou avanço científico, por mais impressionante, significativo ou crucial, pode se equiparar à beleza e significado desse desígnio de Deus.

 

 

 

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Autor: KELSON MOTA. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Revisão e Edição por Vinicius Lima.