Um blog do Ministério Fiel
As cartas do Novo Testamento como um trabalho em equipe
A unidade histórica e teológica nas cartas dos apóstolos, Tiago e Judas
RESUMO: Embora sejam distintas e tenham sido escritas para abordar diferentes públicos e situações, as cartas do Novo Testamento expressam uma mensagem unida e consistente sobre Deus e o evangelho de Jesus Cristo. Assim como a continuidade teológica e a harmonia de várias cartas são explícitas, os autores das cartas também se conheciam e reconheciam abertamente a validade e a utilidade dos escritos uns dos outros. Essas cartas deveriam ser lidas como um todo. Ao ler cada uma delas à luz das demais, novas riquezas e profundidades de compreensão podem ser descobertas.
Os apóstolos não deixaram um legado de artigos e tratados que explicam o ensino de Jesus; eles deixaram para trás uma coletânea de cartas. Essas cartas foram escritas por diversas pessoas e diferem umas das outras em suas configurações, público-alvo primário e ocasiões. Embora não saibamos muito sobre como e porque cada uma das cartas individuais foi escrita, o Novo Testamento não fica em silêncio sobre esse assunto. Ao observarmos as informações históricas que as próprias cartas fornecem, podemos obter alguns insights valiosos.
Este artigo se concentrará em um insight: o contexto histórico da unidade do ensino apostólico encontrado nessas cartas. Veremos como os autores se relacionavam entre si, como declaravam uma mensagem universal em todos os lugares e por que é importante lermos as cartas não apenas como escritos individuais, mas também como uma unidade completa. Embora muitos já leiam as cartas à luz umas das outras por razões canônicas e teológicas (que são válidas), o argumento histórico para a leitura das cartas em conjunto nem sempre é claramente afirmado. Este artigo pretende oferecer uma visão sobre o que o próprio Novo Testamento diz sobre como as cartas surgiram e por que elas permanecem juntas.
Permita-me fazer uma ressalva desde o início: ignoraremos quase completamente algumas questões sobre a carta aos Hebreus. Fica claro em Hebreus 13 que o autor era familiar aos primeiros leitores, e a tradição manuscrita normalmente incorpora Hebreus às cartas paulinas. No entanto, as longas discussões em torno de sua autoria não devem nos distrair por aqui.
Quem escreveu as cartas?
Cada carta tem um autor e é importante que os destinatários saibam de quem veio a carta. A maioria delas começa mencionando a identidade do autor. O apóstolo Paulo sempre se apresenta no início de suas cartas, em toda a seção que engloba de Romanos a Filemom. Às vezes ele menciona um colega de trabalho: Sóstenes em 1Coríntios; Timóteo em 2Coríntios, Filipenses e Colossenses; e Timóteo e Silvano em 1 e 2Tessalonicenses. Em cada uma dessas cartas, porém, a voz autoral volta a ser um “eu” individual, e essa voz singular é sempre a de Paulo.
O apóstolo Pedro também se apresenta nas duas cartas que levam seu nome (1Pedro 1.1; 2Pedro 1.1). É claro que o nome de Pedro era Simão antes de Jesus o chamar (Marcos 3.16), e a versão aramaica de Pedro é Cefas (João 1.42), a única designação que Paulo usa para Pedro em 1Coríntios (em Gálatas, Paulo usa tanto Pedro quanto Cefas). Além desses três nomes, Pedro se apresenta como Simão Pedro em 2Pedro, o mesmo nome mencionado por Tiago em Atos 15.14.
O terceiro apóstolo a escrever cartas é João, embora ele nunca se identifique nem no Evangelho nem em qualquer uma das três cartas que levam seu nome. Somente em Apocalipse encontramos seu nome (assumindo que seja o mesmo autor), e não apenas uma vez no início do livro, mas três vezes na abertura do livro e uma vez no final (Apocalipse 1.1, 4). , 9; 22.8). Em Apocalipse, ele não está dando o seu próprio testemunho (João 1.14; 1João 1.1-3), mas atua como um mero servo escrevendo e transmitindo as palavras diretas que lhe foram ordenadas.
Irmãos do Senhor
Isso nos deixa com dois autores finais: Tiago e Judas. Há dois apóstolos chamados Tiago: Tiago, filho de Zebedeu e irmão de João, e Tiago, filho de Alfeu (Marcos 3.16-18). O primeiro deles foi morto por Herodes Antipas em Atos 12.2. A partir de então, outro Tiago continua a desempenhar um papel proeminente em Atos. Este Tiago nunca é diferenciado pela adição de uma expressão como “filho de X”. Então, quem é ele? Gálatas 1.19 nos ensina explicitamente que Tiago, o irmão do Senhor, era um líder proeminente na igreja primitiva. Posteriormente, esse Tiago não precisou de mais apresentações.
Portanto, é razoável aceitar que a carta de Tiago foi escrita por aquele que não precisou ser apresentado com algo a mais do que simplesmente “Tiago” – ou seja, o irmão de Jesus (Tecnicamente, Tiago é meio-irmão de Jesus obviamente, mas como as Escrituras usam esse termo para designar Tiago, não há necessidade de sermos mais precisos).
Isso também nos ajuda a identificar o autor de Judas. Os dois nomes de Judas, embora distintos nas traduções inglesas (Jude e Judas), são idênticos no grego do texto original. Então, quem é esse Judas? Em Judas 1, ele se autodenomina “servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago”. Esta última designação nos ajuda a identificar o autor. Se for suficiente simplesmente dizer que alguém é irmão de Tiago, deve ser o mesmo que dispensa apresentações adicionais. Portanto, Judas se apresenta modestamente como irmão de Tiago, embora pudesse ter mencionado que é irmão de Jesus.
Dos cinco autores conhecidos das cartas do Novo Testamento, dois se apresentaram como irmãos de Jesus (veja Mateus 13.55), demonstrando como a atitude deles após a ressurreição havia se tornado notavelmente diferente. Além do papel proeminente de Tiago em Atos e em Gálatas 1.19 (e também em 2.9), os irmãos de Jesus aparecem como um grupo de forma um tanto inesperada em 1Coríntios 9.3-5:
“A minha defesa perante os que me interpelam é esta: não temos nós o direito de comer e beber? E também o de fazer-nos acompanhar de uma mulher irmã, como fazem os demais apóstolos, e os irmãos do Senhor, e Cefas?”
O fato de Paulo poder mencionar “os irmãos do Senhor” sem a necessidade de apresentá-los mostra que eles eram bem conhecidos em todas as igrejas. Esse amplo reconhecimento dos irmãos como seguidores de Jesus acrescenta algo às histórias dos Evangelhos que falam da sua anterior rejeição à ele. A incredulidade inicial deles (João 7.5) foi completamente derrubada, e os leitores deviam saber disso.
Um encontro entre Jesus e Tiago é de fato mencionado em 1Coríntios 15.7, onde Paulo menciona que o Senhor ressuscitado “foi visto por Tiago”. Por que este encontro de Jesus e seu irmão? Só podemos especular o que aconteceu e o que foi dito. Pode ter algo a ver com Tiago ser o próximo herdeiro das promessas feitas a Abraão e Davi, que repousavam sobre Jesus, que morreu, mas depois ressuscitou dos mortos (mas as Escrituras não revelam nada sobre isso).
Juntos por uma causa comum
Três desses cinco autores se referem a pelo menos um dos demais. Paulo menciona ter conhecido Tiago, Pedro e João em mais de uma ocasião. Ele também demonstra que seu público conheça os “irmãos do Senhor” (1Co 9.3-5). Pedro fala sobre as cartas de Paulo e também menciona o ensino dos apóstolos (2Pedro 3.2), assim como Judas (Judas 17). Visto que 1João e o Evangelho de João estão intimamente relacionados, as referências no Evangelho de João aos outros apóstolos também contam. Apenas Tiago não menciona outros apóstolos.
Dois dos autores são irmãos; Pedro e João já eram parceiros antes mesmo de serem chamados por Jesus; Paulo era um visitante regular de Jerusalém. Portanto, as cartas do Novo Testamento foram escritas por pessoas que se conheciam e que, apesar dos seus escritos diversos, partilhavam uma causa comum.
Testemunho de 1 Coríntios
De todas as cartas de Paulo, 1Coríntios talvez seja a mais específica ao abordar situações e questões encontradas na igreja de Corinto. Essa carta também nos fornece um vislumbre fascinante das situações históricas que cercam a escrita das cartas. Por exemplo, quando comparamos a movimentação de Paulo, Apolo, Priscila e Áquila e Timóteo, fica claro que 1 Coríntios foi escrita na época descrita em Atos 19.22. Paulo quer retornar pela Macedônia e Acaia e envia Timóteo (1 Coríntios 4.17; 16.10) e Erasto para se prepararem. Mas em vez de esperar para abordar pessoalmente os diversos problemas, Paulo decide escrever uma carta com seu ensinamento apostólico.
Propósito e origem de 1Coríntios
Então, por que Paulo não esperou? Em primeiro lugar, ele recebeu notícias perturbadoras sobre a igreja. Pessoas da casa de Cloe contaram a Paulo sobre as divisões na igreja (1 Coríntios 1.11). Paulo usa os primeiros quatro capítulos para abordar essas divisões. Em 1Coríntios 5.1, Paulo aborda outro problema do qual tinha ouvido falar, mas aqui ele não menciona quem trouxe o relatório. Pode muito bem ser que Paulo também tenha aprendido sobre as divisões em torno da Ceia do Senhor através do povo de Cloe (1Coríntios 11.18), mas o texto é omisso sobre a sua fonte exata.
Segundo, Paulo não apenas recebeu um relatório sobre a igreja, mas também recebeu uma carta da igreja (1Coríntios 7.1). Nesta carta, os coríntios perguntaram a Paulo sobre o seu ensino sobre casamento e divórcio, e possivelmente sobre outras questões que Paulo introduz com a frase “com respeito às X …” (veja 1Coríntios 7.25; 8.1). Paulo repete a frase novamente em 1Coríntios 12.1, mas a discussão que se segue sobre os dons espirituais pode não ter sido uma das questões levantadas na carta. O encerramento do capítulo anterior sugere que naquele ponto Paulo havia terminado de escrever sobre os assuntos que considerava mais necessários. “Quanto às demais, eu as ordenarei quando for ter convosco” (1Coríntios 11.34).
A carta de Corinto para Paulo deve ter sido entregue por alguém, e no momento em que a carta foi escrita, três membros da igreja de Corinto estavam com ele (1Cor 16.17). Isto sugere que Estéfanas, Fortunato e Acaico foram os que fizeram a viagem de Corinto a Éfeso para entregar a carta e possivelmente até retornar com a resposta.
Juntar tudo isso indica que a igreja primitiva mantinha contato próximo umas com a outras. Cartas foram enviadas, pessoas trouxeram relatórios sobre como as igrejas estavam indo e os cristãos visitavam uns aos outros. As igrejas não viviam isoladas; pelo contrário, mantinham contato e as pessoas viajavam.
O ensino universal de Paulo
Apesar da especificidade de 1Coríntios ao lidar com problemas determinados contextualmente, Paulo faz um grande esforço para enfatizar que não está dizendo aos coríntios algo que não ensina em outro lugar. Isto é, Paulo quer que os coríntios saibam que as suas instruções são o ensino universal.
Ele começa enfatizando esse ponto no início da carta, incluindo a frase “com todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso” (1Coríntios 1.2). A igreja de Corinto está conectada com os crentes de todos os lugares. Paulo também apresenta o envio de Timóteo sob esta luz; Timóteo deve lembrar aos coríntios os caminhos de Paulo em Cristo, “como, por toda parte, ensino em cada igreja” (1Coríntios 4.17). Então, no capítulo 7, Paulo menciona: “É assim que ordeno em todas as igrejas” (1Coríntios 7.17). Ao não ser contencioso, Paulo acrescenta: “Não temos tal costume, nem as igrejas de Deus” (1 Coríntios 11.16). Em 1Coríntios 14.33, Paulo enfatiza novamente que o que ele ensina é a prática em todos os lugares. Finalmente, Paulo explica que ele também contou às igrejas na Galácia sobre “a coleta para os santos” (1Coríntios 16.1; Gálatas 2.10).
Paulo apresenta claramente seu ensino como universal. Isto por si só fornece a justificativa para ler as cartas de Paulo à luz umas das outras. Se Paulo pensa em seu ensino como um só, então segue-se que podemos aprender sobre esse ensino em todas as suas cartas. Contudo, embora em 1Coríntios Paulo e Timóteo nos falem sobre a unidade de ensino em todas as igrejas, ainda não há sentido de que as várias cartas seriam usadas como uma unidade, e Paulo não se refere explicitamente às demais cartas que escreveu.
O primeiro incentivo para ler as cartas endereçadas a outras igrejas aparece em Colossenses 4.16, escrita cinco a dez anos depois de 1Coríntios. Nesta carta da prisão, Paulo encoraja ativamente os Colossenses a lerem a carta aos Laodicenses e vice-versa. Embora esta segunda carta não tenha sido preservada, Paulo assume a unidade do ensino e a utilidade de ler uma explicação diferente da mesma doutrina. Contudo, parte da intenção de Paulo ao encorajar a troca de cartas é promover a comunhão entre as duas igrejas. Afinal, ele poderia ter incluído uma cópia da carta de Laodicéia com a de Colossos.
Curiosamente, é em Colossenses que Paulo menciona a luta que ele trava por aqueles que não o viram face a face (Colossenses 2.1). Essa luta, somada à prisão de Paulo e à expectativa de uma possível execução, pode ter feito com que Paulo pensasse em suas cartas, e talvez até mesmo em uma coleção de cartas, como uma forma de encorajar os corações e promover uma rica compreensão de Cristo para as muitas pessoas que ele nunca visitaria (Colossenses 2.2-3).
Testemunha de 2Pedro
O que Paulo apenas sugeriu aos Colossenses se concretiza plenamente quando Pedro escreve sua segunda carta e está ciente de que morrerá em breve (2Pe 1.13-14) e, como Paulo em Colossenses, ele deseja ardentemente que os crentes tenham pleno acesso à verdade após sua morte (2Pe 1.15). E, claro, esta carta é, em si, parte do meio pelo qual Pedro atinge este objetivo.
Pedro e o ensino paulino
Perto do final da carta, Pedro faz uma observação sobre o aparente atraso do retorno de Jesus. Ele encoraja a igreja a não ver isto como um atraso, mas sim como um sinal da paciência de Deus para a salvação que, diz ele, é exatamente o que “o nosso amado irmão Paulo vos escreveu” (2 Pedro 3.15).
Vale a pena prestar muita atenção ao que Pedro diz nesta passagem.
“E tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor, como igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada, ao falar acerca destes assuntos, como, de fato, costuma fazer em todas as suas epístolas, nas quais há certas coisas difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as demais Escrituras, para a própria destruição deles” (2 Pedro 3.15-16).
Deus confiou a Pedro a tarefa de compartilhar o Evangelho do reino com os gentios (Atos 15.7). Esta área do ministério se tornaria o chamado de Paulo. A partir do relato de Paulo sobre sua visita a Jerusalém em Gálatas 2.7-9, fica claro que Pedro estendeu “a destra de comunhão” a Paulo. Em 2 Pedro 3, Pedro confirma exatamente o mesmo ponto. Ele afirma publicamente Paulo como apóstolo e mestre da igreja, como pode ser aprendido nas cartas de Paulo.
Além disso, Pedro reconhece que Paulo recebeu sabedoria específica com relação ao tempo presente, entre a primeira e a segunda vinda do Senhor. Isto é, Paulo ensina “segundo a sabedoria que lhe foi dada”, mas a mensagem não é diferente da que Pedro ensina. Pedro usa as palavras “como igualmente” (kathōs) deliberadamente.
Terceiro, observe a pequena frase “vos escreveu” no versículo 15. Pedro sabia que Paulo havia escrito para as mesmas pessoas. Mas quem são elas? A introdução de 2 Pedro não nos ajuda em termos geográficos: “Aos que conosco obtiveram fé igualmente preciosa na justiça do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo” (2 Pedro 1.1). No entanto, Pedro diz em 2 Pedro 3.1 que esta é a segunda carta que “vos” escrevo, e isso significa que os destinatários são os mesmos da primeira carta – a saber, “aos eleitos que são forasteiros da Dispersão no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia” (1 Pedro 1.1).
Paulo havia escrito para pelo menos três igrejas nesta vasta área: aos Gálatas, aos Efésios e aos Colossenses (também aos Laodicenses, mas essa carta não se tornou parte da coleção de cartas preservadas de Paulo). Entre outros tópicos, essas cartas cobrem a doutrina da justificação, o ensino da igreja como corpo de Cristo e como a vida do crente está agora escondida com Cristo em Deus. Todos esses tópicos são relevantes para compreender por que a paciência contínua do Senhor deve ser considerada como salvação.
Quarto, no versículo 16, Pedro amplia o escopo das cartas de Paulo além daquelas escritas ao seu público, dizendo: “como, de fato, costuma fazer em todas as suas epístolas”. Pedro endossa Paulo como aquele que fala sobre esses assuntos e que ensina sobre a mesma mensagem. Pedro sabia dessas cartas e claramente tinha acesso a elas. Aparentemente, elas se tornaram uma coleção que poderia ser distribuída, e Pedro as recomenda ao seu público (se o seu público já tinha ou não acesso a todas as cartas de Paulo, não está claro).
Além disso, Pedro estava plenamente consciente das controvérsias em torno dos ensinamentos de Paulo – “os ignorantes e instáveis deturpam” os seus escritos e as suas palavras. Para Pedro, isso não é motivo para evitar as cartas de Paulo. Sim, o ensino de Paulo às vezes é difícil, mas Pedro ainda o endossa porque aqueles que distorcem o ensino de Paulo também distorcem as outras Escrituras. Pedro tem o Antigo Testamento em mente com o termo “demais Escrituras” (ou “outros escritos”)? Possivelmente sim. Mas não podemos excluir o fato de que, na época em que Pedro escreveu isso, outras partes escritas do Novo Testamento já haviam surgido e eram consideradas como pertencentes à categoria de “Escrituras”. As cartas apostólicas carregam a autoridade de Jesus Cristo e são, portanto, verdadeiramente a palavra de Deus.
2Pedro entre as epístolas
Segunda Pedro é mais explícita ao referir-se a diversas fontes de ensino divino. Pedro refere-se ao Antigo Testamento, às palavras ditas anteriormente pelos santos profetas e ao mandamento de Jesus que veio por meio dos apóstolos (2Pedro 3.2). Ele menciona sua primeira carta (2Pedro 3.1) e as cartas de Paulo, tanto para seu público como para outros. Ele se refere a eventos que encontramos registrados nos quatro Evangelhos: a transfiguração (2Pedro 1.16-18; ver, por exemplo, Marcos 9.2-8) e o anúncio sobre a maneira que Pedro morreria (2Pedro 1.14; João 21.18-19).
É claro que Pedro não precisava dos relatos dos Evangelhos para se referir a estes acontecimentos, pois ele próprio estava presente naquele momento. No entanto, ele poderia referir-se a essas ocasiões esperando que seu público tivesse aprendido sobre elas. Em 2 Pedro, encontramos referências a uma grande parte do ensino do Novo Testamento e uma sensação de que este ensino está agora sendo confiado por escrito.
Há um enigma que permanece em 2 Pedro: a relação entre ela e a carta de Judas. 2 Pedro tem paralelos estreitos com Judas, citando as mesmas ilustrações na mesma ordem. Embora existam diferenças, as semelhanças sugerem algum tipo de relação entre as duas. Os estudiosos divergem quanto à direção da influência (Judas influenciou Pedro ou o contrário?). Basta dizer aqui que, mais uma vez, 2 Pedro demonstra quão estreitamente esta carta está ligada aos outros escritos apostólicos.
Lendo as cartas juntas
Os apóstolos certamente conheciam-se e sabiam das cartas uns dos outros. Em nenhum momento obtemos uma negação da unidade fundamental do seu ensino. Entre as primeiras cartas, encontramos Paulo enfatizando a unidade que ele tem com os apóstolos em Jerusalém (Gálatas 2.9) e a unidade do seu ensino em todas as igrejas, como vimos acima em 1Coríntios. Em 2 Pedro, uma das cartas finais, vemos uma escrita consciente e uma reunião do ensino dos apóstolos para que, após a sua morte, os crentes tivessem acesso às palavras apostólicas. Como então isso nos ajuda a ler as várias cartas do Novo Testamento à luz umas das outras?
Não é necessário explicar que se temos duas cartas para a mesma igreja, é bom ler a segunda à luz do que foi dito na primeira (1 e 2 Coríntios, 1 e 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo, 1 e 2 Pedro). Mas essas não são as únicas cartas “conectadas”. Por exemplo, Romanos e Gálatas cobrem assuntos semelhantes. De muitas maneiras, Romanos expande a doutrina explicada em Gálatas. Até mesmo a ordem geral dos tópicos em Gálatas 2.15–5.26 se assemelha à de Romanos 1–8. Por exemplo, o único pensamento de Gálatas 5.17: “… para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer”, recebe expressão mais completa em Romanos 7.15-25.
Uma relação semelhante existe entre outras cartas. Embora Efésios seja menos inspirada por uma situação externa do que Colossenses, ambas frequentemente usam fraseologia semelhante. Colossenses também tem uma ligação com a minúscula carta a Filemom, que ainda é reconhecida como a recomendação de um escravo fugitivo convertido de volta ao seu senhor. É esclarecedor ler a carta particular a Filemom à luz do que Paulo diz sobre escravos e senhores na carta a toda a igreja em Colossos, e vice-versa. Aprenderemos mais quando observarmos e ponderarmos as conexões.
Numa escala menor, Pedro nos ensina a vincular os temas que discutiu com o ensino de Paulo sobre o mesmo assunto. Somos encorajados a comparar Escritura com Escritura.
Fundação apostólica
As Escrituras são, em última análise, a Palavra de Deus e, por causa do autor divino por trás dos autores humanos, deveríamos esperar encontrar uma profunda unidade subjacente. Nada do que discutimos acima pretende reduzir alguma coisa disso. No entanto, como tantas vezes faz, Deus elaborou os seus planos e intenções através de situações históricas rastreáveis. A reunião da correspondência dos apóstolos no Novo Testamento é um exemplo disso. Este processo não aconteceu de forma misteriosa nos longos anos após a morte dos apóstolos. Pelo contrário, como vimos, era um tema que estava claramente na mente deles no final de seus ministérios.
Paulo usa a imagem em Efésios 2.20 da igreja sendo edificada “sobre o fundamento dos apóstolos e profetas”. Ele inclui seus colegas de trabalho no substantivo plural “apóstolos”. João ecoa esta imagem em Apocalipse 21.14, onde liga a fundação da nova Jerusalém com os “doze apóstolos do Cordeiro”. Visto que os apóstolos estavam cientes do papel e da responsabilidade que tinham e que validavam uns aos outros nos seus escritos, faríamos bem em aceitar o seu ensino combinado, lendo cada carta não apenas isoladamente, mas também à luz de todo o ensino que recebemos.