Considerando o cérebro e o corpo no aconselhamento

Os primeiros passos para um cuidado holístico da alma

Recebi uma ligação às 22:30 certa noite, de um hospital onde trabalhava. Um homem de 52 anos havia sido internado mais cedo naquele dia para que pudesse ser preparado para um procedimento cirúrgico relativamente pequeno agendado para a manhã seguinte. E agora ele estava chorando incontrolavelmente—absolutamente incontrolavelmente, com gemidos altos que percorriam a ala do hospital.

Enquanto eu dirigia para o hospital, refletia a respeito do curto tempo em que estive com este homem apenas seis horas antes. Foi a primeira vez em que eu identifiquei alguém como um homem verdadeiramente viril. Ele era afável, bondoso, duro, musculoso por conta do trabalho dele. Certa vez ele cortou a maior parte de um dedo em uma serra de fita, concluiu o projeto, e então catou o dedo e dirigiu até o hospital, dizendo a sua esposa que ele “precisava ir na rua por uma hora mais ou menos”. Eu não esperava que ele fosse chorar só de pensar em uma cirurgia matinal.

Quando cheguei, o choro havia passado quase que por completo, mas os soluços persistiram. Quando tentei ter uma ideia do que ele estava sentindo, tudo que ele podia dizer era, “Eu não… sei porque… estou chorando”.

Porque estou chorando?

O que estava fazendo esse homem já crescido chorar? Um sedativo que foi dado às 21:30 naquela noite, que era o procedimento padrão para o hospital naquele tempo. Depois de algumas horas, ele havia retornado ao seu estado másculo normal, ainda que um pouco constrangido.

Aqui está o porquê disso ser importante para nós. O cérebro pode abalar nossas emoções e pensamentos. Nesse caso, uma medicação havia alterado temporariamente um cérebro saudável, levando-o a emoções imprevisíveis. O cérebro pode alterar nossas emoções de tal forma que as emoções que expressamos não correspondem às nossas preocupações reais ou a falta de preocupações. Podemos tentar afirmar isso de outra forma: o cérebro, quando não está muito bem, pode nos fazer sentir e pensar de maneiras que estão desligadas da condição da nossa alma.

Essa, é claro, é uma hora para colocarmos a teologia em prática. E o pedaço relevante de teologia é que nós somos almas corporificadas.

Desvendando alma e corpo

A maioria de nós concordaria que somos corpo e alma. A primeira resposta no Catecismo de Heidelberg inclui, “Eu pertenço—corpo e alma, na vida e na morte—a meu fiel Salvador Jesus Cristo”. A Confissão de Fé da Filadélfia declara, “Os corpos dos homens retornam ao pó após a morte e vêem corrupção; mas suas almas, que nem morrem nem dormem, tendo uma subsistência imortal, retornam imediatamente a Deus que as deu” (32.1). O apóstolo Paulo escreveu, “mesmo que o nosso homem exterior [nosso corpo] se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia” (2 Co 4.16). Fomos criados como duas substâncias que pertencem uma à outra, embora na morte elas sejam capazes de se separarem. O desafio é desvendar as implicações disso para nossa vida cotidiana.

Corretamente, a alma (ou coração) tem sido a ênfase em nossa teologia. Aqui a Escritura nos dá detalhes que nunca poderíamos enxergar à parte da revelação de Deus à nós. Na alma, conhecemos a Deus e nos voltamos para ele ou nos afastamos dele. Procure por obediência ou desobediência, fé ou descrença, e você verá a alma em ação.

O corpo, por outro lado, é o nosso ser material—músculos, ossos, neurônios e tudo o que se pode ver. Ele media, ao invés de produzir, os intentos da nossa alma. Em outras palavras, se houvesse uma tecnologia disponível, poderíamos ver tanto a idolatria quanto a fé expressas na atividade física do cérebro, embora não diríamos que o cérebro causou nenhuma das duas coisas. (Em termos das quatro causas de Aristóteles, o cérebro é a causa material enquanto a alma é a causa final). Não foi dada ao corpo e ao cérebro a tarefa de lidar com nossa direção moral e espiritual, embora o cérebro afete diretamente nossa capacidade de pensar, planejar e sentir. Observe o corpo em ação e verá forças e fraquezas, saúde e doença, dor que deseja alívio.

É aqui que queremos pausar por um instante. Vivemos em um tempo em que temos acesso cada vez maior a detalhes sobre nossas fraquezas e incapacidades físicas, especialmente aquelas que tem sua fonte no cérebro, e vale a pena ficar a par de algumas delas.

Fraquezas do cérebro

Seu conhecimento do cérebro já tem uma série de detalhes. Você pode ter testemunhado demência. Se sim, você já notou que adultos com demência gradualmente perdem sua habilidade de lembrar dos eventos do dia, ainda assim eles se lembram do que vestiram no seu primeiro dia de escola. À medida que a doença progride, a perda de memória parece se estender ainda mais para trás, à medida que os meses, e depois os anos, são gradualmente apagados. Quando um pai com demência não reconhece você, a princípio você pode rotular isso erroneamente como falta de amor, mas o seu entendimento intuitivo do cérebro o assegura que não há nada intencional em não lembrar.

Insights sobre o cérebro são mais importantes quando o cérebro de outra pessoa é muito diferente do nosso. Se você não conseguia ficar quieto quando criança e a matemática era sua arqui-inimiga, provavelmente você será paciente com uma criança que também é assim. Mas se foco, concentração e matemática eram intrínsecos à você, você pode presumir que também são intrínsecos a todo mundo, e responder com impaciência a uma criança cujos pontos fortes estão em outras áreas.

Paciência—a primeira descrição do apóstolo Paulo para amor (1 Co 13.4) — é crucial. Quanto mais precisamente você entender as fraquezas do cérebro, mais paciente você será.

Nosso cuidado complicado

Agora, retorne ao homem que estava chorando. O cérebro medeia dezenas de habilidades, dentre elas as habilidades de pensar e sentir, junto com seus inúmeros componentes. Na maioria das vezes, os pensamentos e sentimentos representam precisamente nossos intentos fundamentais e nossas respostas ao mundo à nossa volta. Se identificamos uma ameaça, temos nossas razões e ficamos com medo. Se não há ameaças aparentes, esperamos que nosso cérebro e corpo estejam em descanso. Mas o cérebro pode ter vida própria. Podemos estar aproveitando uma noite fora ou apenas acordando, não tendo qualquer pensamento específico, e o cérebro pode nos atacar com uma ansiedade avassaladora. De forma similar, o cérebro pode abater nossas emoções de forma contundente, que é o que pode acontecer com a depressão. O homem que estava chorando nos lembra que o cérebro possui certo controle em nossas respostas emocionais e é capaz de mutar, de exagerar ou até mesmo de fabricá-las.

Aqui está outro exemplo de como nosso cérebro pode afetar nosso comportamento. Digamos que um amigo ouve sem querer você mencionar um problema pequeno com seu carro e então ele se voluntaria para consertá-lo sem cobrar. Você fica grato—até perceber que ele acabou deixando diversas peças do seu carro soltas e desajustadas e agora você precisa levar seu veículo para um mecânico qualificado. O problema do amigo é claro: ele violou o “seja o vosso sim sim” (Tg 5.12). Contudo, você deixou passar o fato dele ter uma lesão cerebral decorrente de um acidente grave de bicicleta. Tal fraqueza do cérebro pode fazer pessoas superestimar suas habilidades. Elas podem aceitar um trabalho por pensarem ser qualificadas, mas não possuem as habilidades para realizá-lo. No caso desse amigo, ele é culpado apenas pela generosidade e vontade de ajudar.

Ou considere a pessoa que parece irremediavelmente autocentrada. O mundo, você observa, existe apenas do ponto de vista dela. Ela não tem empatia e compaixão. No entanto, empatia depende da habilidade de uma pessoa de entrar no mundo de outra e tentar entender a vida—de sentir a vida—do ponto de vista dela a fim oferecer auxílio sábio e compassivo. Mas e se essa mulher raramente sente alguma coisa e é simplesmente incapaz de entender o mundo interior de outra pessoa por ser algo tão estranho à sua própria experiência? Empatia é um processo complexo que algumas pessoas podem realizar bem e outras nem um pouco. Aqueles que são mais fracos nessa habilidade podem parecer violar os mandamentos de amar, mas o problema pode não ter relação com as questões do coração.

De forma similar, paranóia e esquizofrenia podem deixar pessoas propensas a interpretações bizarras da vida, nas quais tudo se torna uma mensagem pessoal. Seu comportamento pode parecer como egoísmo ou crença em mentiras, mas ele reflete um cérebro que está enfraquecido ou está experimentando uma tempestade temporária.

Paciência e o privilégio do conhecimento

Sua missão é aumentar seu entendimento do que o cérebro pode e não pode fazer. Ele não pode fazer você pecar e nenhum medicamento pode te encher de fé. O cérebro pode tornar a vida confusa e miserável para a pessoa afetada e para aqueles à sua volta. Você precisa estar alerta aos momentos quando o corpo e cérebro, que estão frequentemente em segundo plano quando cuidamos uns dos outros, precisam de atenção especial. Humildade que busca ajuda é necessária nesse processo de discernimento. Paciência e o privilégio de conhecer alguém com precisão é a recompensa disso.

Por: Ed Welch. ©️ Desiring God Foundation. Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: Counseling The Body: First Steps For Holistic Soul Care. Todos os direitos reservados. Tradutor: Alex Motta. Revisão e edição: Vinicius Lima.