Guilherme Farel 1489-1565

O Apóstolo dos Alpes

Guilherme Farel é às vezes lembrado apenas como o homem que ameaçou João Calvino (1509–1564) com a desgraça de Deus se ele rejeitasse o convite para se juntar à reforma em Genebra. No entanto, o vibrante ministério evangélico de Farel e a repreensão estrondosa da idolatria desencadearam a reforma francesa, libertaram incontáveis milhares da escravidão da superstição romana e lhe renderam o apelido de “Apóstolo dos Alpes”.

Seu coração papista

Nascido cinco anos depois de Lutero e Zuínglio na pequena cidade montanhosa francesa de Gap, Farel cresceu em uma família rica e profundamente comprometida com a piedade defeituosa e consumista do catolicismo medieval tardio. Nos séculos anteriores, a tradição da igreja romana abandonou o evangelho rejeitando a justificação pela fé e substituindo-a por um sistema complicado de práticas de obtenção de mérito. A veneração de relíquias e santos, orações pelos mortos, participação em cultos religiosos e participação na Eucaristia não forneciam uma solução verdadeira para o problema do pecado. Quanto mais alguém abraçava a devoção medieval, mais ilusória parecia se tornar a garantia da salvação.

Farel, no entanto, não duvidou de nada – abraçando apaixonadamente a piedade católica, fazendo peregrinações com sua família ao santuário perto de sua casa alpina e defendendo ardentemente a autoridade papal e o sistema meritório de salvação. Em uma carta a um amigo muitos anos depois, Farel comentou:

Na verdade, o próprio papado não era, e não é, tão papista quanto meu coração era… O diabo foi para mim transformado em um anjo de luz, e não acredito que todos os demônios juntos pudessem ter enganado e encantado mais completamente qualquer pobre coração do que fizeram com o meu. (William Farel, 27)

Felizmente, esse encantamento logo seria quebrado.

Contra a tirania religiosa

Em 1509, Farel matriculou-se na Universidade de Paris para estudar filosofia, línguas antigas e teologia. Seu principal tutor, Jacques Lefévre d’Étaples (1455-1536), apresentou-o às epístolas paulinas e à doutrina da justificação pela fé. Desafiado a examinar as Escrituras pela primeira vez em sua vida, Farel começou a descobrir o engano do ensino da igreja romana. Ele ficou surpreso ao descobrir que as Escrituras em nenhum lugar mencionavam o papa, a hierarquia clerical, a transubstanciação, o purgatório, as indulgências, a adoração dos santos, o celibato sacerdotal ou quaisquer sacramentos além do batismo e da Ceia do Senhor.

Em 1521, enquanto as obras de Lutero ainda não estavam disponíveis na França, Farel havia chegado a convicções semelhantes: a salvação deveria ser encontrada somente em Cristo, somente as Escrituras eram a regra de fé e as tradições romanas eram apenas as tradições dos homens.

Farel percebeu que a piedade em que foi criado era devotada à idolatria e não à verdadeira adoração. Por meio de falsos ensinamentos, inúmeros cristãos sinceros foram enganados em uma adoração vazia que era uma afronta ao próprio Deus. Ele lamentou,

Ó Deus, que horror! Ó sol, você pode derramar seus raios em tal terra? Ó terra, você pode gerar tais homens e dar frutos a tais pessoas, que assim condenam e desprezam seu Criador? E você, Senhor Deus, é realmente tão misericordioso e lento para se vingar novamente de um ultraje tão grande feito contra ti? (Reformed Confessions of the 16th and 17th Centuries, 92)

E assim, Farel dedicou sua vida ao ministério apostólico centrado no evangelho. Ele então orou: “Devo morrer sem antes ouvir sua santa Palavra pregada abertamente?” (Early French Reform, 83). Primeiro na França e depois na confederação suíça, Farel foi de cidade em cidade proclamando o Evangelho, ensinando as Escrituras e plantando igrejas. Ele implorou aos que estavam ludibriados pela falsa adoração romana,

Retirem-se da cruel tirania daquele que impôs fardos insuportáveis em suas costas e ombros, dos quais ele não alivia ninguém com um único dedo. Venha para Aquele que tomou nosso fardo e que o colocou sobre seus ombros e o carrega! Confie nele e você terá certeza, e venha apenas a ele e a nenhum outro… Tenha fé nele e não em suas confissões auriculares; dirija-se a ele e não a esses tiranos cheios de orgulho e iniquidade. (Reformed Confessions, 84)

Um evangelista até o fim

Obstinado e criativo, Farel deu palestras, envolveu-se em disputas teológicas e até iniciou processos judiciais por calúnia contra aqueles que o insultaram para ganhar mais uma oportunidade de compartilhar o Evangelho. Enquanto amigos como João Calvino e Robert Olivetan consolidaram o pensamento da Reforma e traduziram as Escrituras para o francês, Farel permaneceu incansavelmente focado em sua tarefa missionária.

Apesar de ter sido espancado, apedrejado, envenenado e baleado, Farel continuou pregando, orando, evangelizando e pastoreando por surpreendentes 35 anos. Somente quando viu o evangelho criando raízes suficientes entre as cidades alpinas, ele finalmente considerou o casamento – casando-se de forma controversa com Mary Thorel quando ele tinha 69 anos. Farel morreu sete anos depois, tendo sobrevivido a Calvino como o último dos reformadores franceses de primeira geração.

O reformador francês de segunda geração Teodoro de Beza (1519-1605) refletiu apropriadamente,

Inquebrantável diante das dificuldades, sem se deixar abater por ameaças, insultos e até espancamentos, foi Farel quem ganhou Cristo para o povo de Montbéliard, Neuchâtel, Lausanne, Aquileia e, finalmente, Genebra. Além de sua grande piedade, erudição, inocência de vida e excepcional modéstia, ele possuía uma presença de espírito única, uma mente afiada, uma intensidade de proclamação tal que parecia trovejar, em vez de falar; e uma fervorosidade na oração que fazia com que aqueles que o ouviam se elevassem como se estivessem no céu. (History of the Christian Church, 8:213)

 

Publicado originalmente em DesiringGod.org e traduzido e distribuído em Português em parceria com o Ministério Fiel e Voltemos ao Evangelho.
Produção de audio por DBVoz Studios (voz de Duda Baguera). Revisão e edição por Vinicius Lima.