Ulrico Zuínglio 1484-1531

O Terceiro Homem da Reforma

Para citar o subtítulo de uma biografia de 1959 do grande reformador suíço, Ulrico Zuínglio foi, em grande parte, “o terceiro homem da Reforma”. Como tal, ele foi negligenciado em um grau significativo pelos estudos da Reforma. Esses estudos acharam mais fácil se concentrarem em Lutero e Calvino, ambos os quais deixaram uma tradição clara.

Além disso, a abordagem marcial de Zuínglio à reforma da igreja medieval tardia – que culminou com sua morte no campo de batalha em Kappel, em outubro de 1531 – dificilmente é um modelo a ser imitado. Enquanto os colegas reformadores suíços de Zuínglio procuravam colocar a morte violenta de Zuínglio da melhor maneira possível, outros reformadores, como Martinho Lutero, não eram tão otimistas sobre o que aconteceu em Kappel. Nas palavras de Lutero, Zuínglio havia morrido “em grande pecado e blasfêmia”. O desafio de dar sentido ao fim de Zuínglio revela que o reformador suíço é uma figura complexa cuja história desafia tanto a hagiografia quanto a demonização.

Às Escrituras e Zurique

O local de nascimento de Zuínglio ficava a cerca de sessenta quilômetros de Zurique, em um típico chalé suíço bem acima de três mil pés acima do nível do mar. Após o ensino médio em Basel, ele frequentou a Universidade de Viena por quatro anos e depois retornou a Basel para estudar na universidade de lá, um centro de estudos renascentistas. Sob a influência do estudioso Thomas Wyttenbach (1472 a 1526), Zuínglio se comprometeu com o ideal renascentista de estudar as fontes da cultura ocidental na antiguidade, o que o levou a abraçar a necessidade de afirmar o Sola Scriptura para a Reforma da igreja (embora seu próprio despertar espiritual ainda estivesse por vir).

Após o encerramento de seus estudos acadêmicos formais em 1506, ele recebeu um chamado para ser o padre na paróquia rural de Glarus, onde permaneceria até 1516. Durante esse tempo, ele começou a questionar seriamente a natureza da sociedade suíça medieval tardia e seu fracasso em refletir o cristianismo das Escrituras. Os suíços forneciam mercenários a grande parte do sul da Europa – na verdade, o Vaticano tem até hoje uma Guarda Suíça – mas com os jovens lutando por dinheiro e glória, suas comunidades estavam sendo reduzidas à pobreza. Tais questões de declínio social e político e a necessidade de renovação da comunidade colocaram Zuínglio no caminho para a Reforma.

Uma curta estadia nas proximidades de Einsiedeln, local de um santuário popular para a Virgem Maria, ocorreu de 1516 a 1518. Infelizmente, esse período terminou em meio a acusações bem fundamentadas de comportamento sexual impróprio com a filha de uma figura influente da comunidade. Um dom para a pregação, porém, levou à nomeação de Zuínglio no final de 1518 para a Grossmünster, a principal igreja no coração de Zurique, uma cidade que abrigava cerca de sete mil pessoas.

Pontos de virada na Reforma

Desde quase o início de seu ministério em Zurique, Zuínglio fez da pregação expositiva o coração de seu pastorado. Em 1519, ele também se deparou com alguns tratados de Martinho Lutero que o convenceram da justificação pela fé somente. Nessa época, Zuínglio dizia que Lutero era nada menos que um novo Elias. Mas a Reforma Zuingliana não dependia de Lutero. Nas palavras de Zuínglio, “Se Lutero bebeu onde nós bebemos, então ele tem em comum conosco a doutrina evangélica” (Ulrich Zwingli: Early Writings, 176).

Em agosto de 1519, a Peste Negra (a peste bubônica) também atingiu Zurique, matando cerca de 1.500 pessoas. O próprio Zuínglio foi contaminado e quase morreu – na verdade, rumores fora de Zurique o colocaram entre os mortos. Mas ele se recuperou. Foi um ponto de virada fundamental em sua vida, pois ele se comprometeu sem reservas com Deus e com a implementação de sua vontade na cidade suíça. Como ele escreveu sobre Deus em novembro de 1520: “Aprendi a me submeter totalmente à Sua vontade divina”.

Um segundo ponto de virada ocorreu na noite de 9 de março de 1522, durante a Quaresma, o tradicional período medieval de preparação para a Páscoa. Naquela noite, um dos amigos de Zuínglio teve uma refeição simples de salsichas com alguns outros amigos. Mas isso desafiava a lei da igreja, que proibia o consumo de carne durante a Quaresma. Zuínglio, que estava presente, não participou, mas também não se opôs. De fato, no mês seguinte, Zuínglio publicou um pequeno panfleto defendendo o consumo de salsichas naquela noite e, de forma mais geral, afirmando a liberdade que o povo de Deus tem em Cristo.

Chega de missa!

O ponto de virada chave veio, no entanto, em 1525, quando a missa foi abandonada em Zurique. A essa altura, Zuínglio, como Lutero, passou a rejeitar a doutrina medieval da transubstanciação, na qual a Igreja de Roma argumentava que o pão e o vinho deixam de ser pão e vinho pois se tornaram o próprio corpo e sangue de Cristo na Eucaristia. Mas enquanto Lutero estava convencido de que a Ceia do Senhor ainda transmitia o próprio corpo e sangue de Cristo junto com pão e vinho reais, Zuínglio acreditava que a presença de Cristo era espiritual e não corpórea. Quando os dois reformadores alemães se encontraram em Marburg em 1529, essa diferença provou ser um grande obstáculo para a união desses dois homens notáveis e suas reformas.

Dois anos após esta reunião que significou a divisão decisiva entre as alas luterana e reformada da Reforma Alemã, as tropas católicas romanas marcharam sobre Zurique na confiança de que os luteranos não viriam em auxílio dos zuriques. Embora Zuínglio tenha morrido no conflito que se seguiu, a Reforma de Zurique continuou sob o comando de seu leal colaborador, Heinrich Bullinger. E assim a paixão de Zuínglio pelas Escrituras e sua determinação de viver exclusivamente sob sua autoridade tornaram-se um componente-chave da tradição reformada.

 

Para saber mais sobre Zuínglio:

Zwingli: God’s Armed Prophet por Bruce Gordon

Zwingli the Pastor: A Life in Conflict por Stephen Brett Echer

 

Publicado originalmente em DesiringGod.org e traduzido e distribuído em Português em parceria com o Ministério Fiel e Voltemos ao Evangelho.
Produção de audio por DBVoz Studios (voz de Duda Baguera). Revisão e edição por Vinicius Lima.