Uma mulher inabalável

5 verdades da Reforma que sustentam as mulheres cristãs

Creio que a cena tenha sido mais ou menos assim: Havia uma atmosfera sombria no acampamento. Em meio às tendas de lona espalhadas pelo terreno e ao redor das fogueiras quase apagadas, os soldados estavam sentados em silêncio, abatidos e desanimados. Espadas e armaduras sujas estavam ao lado daqueles guerreiros que mal podiam levantar suas cabeças. Com seus olhares fixos no chão, alguns choravam os irmãos perdidos na batalha e, ainda mais, sentiam o peso da morte do seu capitão, o Conde. Haveria esperança? Teriam forças para continuar? 

Então, de repente, ouve-se um brado no arraial:

Soldados, vocês pranteiam, eu entendo. Mas a memória do Conde não merece mais do que essas meras e inúteis lágrimas? (…) A nossa causa deixou de ser justa e santa? Não! Deus, que já nos resgatou de incontáveis perigos, tem levantado irmãos de guerra dignos de suceder o Conde. (…) Soldados, eu vos ofereço tudo que está em meu poder e ao meu alcance – meus domínios, meus tesouros, minha vida, e aquilo que me é mais precioso do que tudo, o meu filho. Eu faço aqui um solene juramento diante de todos vós: eu juro defender, até meu último suspiro, esta santa causa que agora nos une, a causa da honra e da verdade”. (Good)

Talvez você se surpreenda, mas essa não é uma declaração de um poderoso general de guerra, mas parte do discurso de uma importante reformadora do século XVI, Jeanne D’Albret, a rainha de Navarra. Uma mulher inabalável.

Pilares eternos forjam mulheres inabaláveis

Ao ler seu pronunciamento, fiquei pensando de onde teria vindo tanta coragem. Na sua biografia, descobri a resposta: Após tornar-se rainha, perto dos 30 anos, Jeanne assumiu publicamente a fé que, particularmente, professava há mais de 10 anos e passou a defender as verdades anunciadas pela Reforma. Firmada nessas verdades, ela levou seu país a abandonar o romanismo e assumiu a frente do exército dos huguenotes (protestantes franceses) na batalha contra os católicos. 

Às vezes, temos uma imagem romantizada e caricaturizada das piedosas mulheres do passado, como se fossem bonecas de porcelana. Mas elas foram mulheres reais, como nós. O que impulsionava as reformadoras no serviço às suas famílias, ao seu país e à igreja, o que as levava à hospitalidade, a cuidar dos enfermos, a abrigar refugiados, o que as sustentavam no luto, no casamento ou na solteirice, na escassez e na perseguição, eram as Verdades eternas apregoadas pelos reformadores, posteriormente, sintetizadas nos Cinco Solas. Era nisso que Jeanne se fortalecia, nisso sua vida estava fundamentada.

Mais do que um bordão ser compartilhado nas redes sociais no dia da Reforma, os Cinco Solas são princípios vivos e práticos, aplicáveis às nossas vidas aqui e agora. Verdades que nos sustentam, nos fortalecem e nos tornam inabaláveis.

Cinco pilares somente – Os cinco solas

Sola Scriptura

Ao afirmar estar disposta a defender a causa da verdade, Jeanne se referia às Escrituras. Alicerçada no Sola Scriptura (Somente a Escritura), pilar que afirma ser a Bíblia a autoridade suprema sobre as nossas vidas, Jeanne não se rendeu aos dogmas romanos.

Assim como ela, precisamos nos firmar neste pilar. Sem a Bíblia, como a lâmpada que ilumina o nosso caminho (Salmo 119.105), corremos o risco de perder a direção e cairmos nas armadilhas da autossuficiência, do relativismo e do subjetivismo, presentes em nossa cultura. Como as reformadoras, devemos escolher conscientemente viver pela Palavra e não pelos moldes deste mundo (Romanos 12.2). Devemos abraçar a Verdade que é atemporal, imutável e útil para nos ensinar, repreender, instruir e capacitar à piedade (2 Timóteo 3.16-17). Quanto mais firmadas na Palavra estivermos, maior segurança teremos em meio às lutas e ao caos social no qual vivemos. Jeanne foi uma mulher inabalável porque estava firmada no Sola Scriptura

Solus Christus

Mesmo possuindo um reino, tesouros e sendo mãe, Jeanne não estava presa a status ou funções sociais. Como Paulo (Filipenses 3.8), ela considerava todas as coisas como refugo comparadas a Cristo. Ela era inabalável porque estava segura sobre a sua identidade, sobre quem era e a que reino verdadeiramente pertencia.

Vivemos em um tempo de “crises de identidade”. As pessoas tentam “se encontrar” e “descobrir seu propósito de vida”, mas estão cada vez mais perdidas. Fomos criadas para sermos à imagem de Deus, pertencermos a ele e sermos seu povo, para termos nossa identidade fundamentada nele. Mas, após a Queda, tentamos encontrar e firmar a nossa identidade em bens materiais, em status, na satisfação dos prazeres ou nas coisas que fazemos. Entretanto, nada disso pode sustentar a nossa identidade. Somente Cristo pode fazer isso. Cristo é o único caminho que nos conduz ao Pai (João 14.6), ele é o Mediador entre Deus e os homens (1 Timóteo 2.5). Por seu sangue, ele nos reconciliou com Deus e garantiu acesso ao trono de graça e de misericórdia (Hebreus 10.19-22). Sem ele, nada podemos fazer (João 15.5). Sem ele, estamos perdidas como ovelhas sem pastor (Mateus 9.36-38). Somente Cristo pode restaurar a imagem de Deus em nós (Colossenses 3.10).

Muitas mulheres lutam com questões ligadas à identidade, sem saber quem são e porque estão neste mundo. Mas nós já sabemos qual o nosso propósito: nos tornarmos parecidas com Cristo. Nele somos aperfeiçoadas (Colossenses 2.10). Solus Christus é o pilar que dá sentido às nossas vidas e que sustenta a nossa identidade, nada mais.

Sola Gratia

Jeanne era inabalável porque estava segura sobre a sua identidade, sobre quem era e a que reino verdadeiramente pertencia. Além disso, ela também sabia que as bênçãos, como segurança, livramentos, irmãos de batalhas e, acima de tudo, a salvação da nossa alma, são expressões da graça divina. Sola Gratia era outro pilar que tornou Jeanne uma mulher inabalável. 

Ao se igualar aos seus companheiros de batalha, essa rainha demonstrou compreender que, diante de Deus, seu título não a diferenciava daqueles homens. Podemos inferir que ela sabia que não há mérito nem cooperação humana alguma na salvação do crente, que somos salvas única e exclusivamente pela graça de Deus, não pelo que ou por quem somos, tampouco por algo que tenhamos feito. “Pela graça sois salvos, mediante a fé; e isso não vem de vós, é dom de Deus…” (Efésios 2.8-9). 

Que alívio saber disso, não é mesmo? Mas, vejam bem, a graça não é uma permissão para que vivamos de forma negligente diante do Senhor. Absolutamente! Assim como Jeanne e seus companheiros batalharam pela fé, uma vez salvas pela graça, somos impelidas a viver em gratidão e serviço a Deus e ao próximo, como resposta àquilo que já recebemos em Cristo. Em meio às lutas, a graça nos lembra que Deus nos sustenta em nossas fraquezas (2 Coríntios 12.9); somos capacitadas a viver de maneira digna do evangelho não por nossas forças, mas pelo poder de Deus que opera em nós (Efésios 3.20-21).

Irmãs, esse pilar nos torna inabaláveis porque, nas incertezas da vida, na instabilidade do mundo ao nosso redor ou mesmo nas nossas inconstâncias, temos a certeza de que a salvação da nossa alma não está alicerçada nas fragilidades e insuficiências de nossas obras, mas nos méritos de Cristo que recebemos Somente pela Graça (Sola Gratia).

Sola Fide

Mas houve um tempo em que Jeanne se viu forçada a fazer um acordo político com a França, casando seu filho com a princesa francesa católica. Essa decisão abriu uma brecha que, posteriormente, resultou na morte de muitos protestantes, no massacre de São Bartolomeu. Jeanne não era perfeita, obviamente. Mas, nem seus equívocos políticos nem os pecados que ela certamente cometia (pois todas somos pecadoras – Romanos 3.23) faziam com que Jeanne temesse a morte. “Nunca tive medo da morte”, disse alguns anos antes de morrer. Essa mulher inabalável não temia a morte porque estava segura de sua entrada no Reino de Deus, apesar de seus erros e pecados. Jeanne estava firmada no Sola Fide (Somente a Fé), o princípio reformado que afirma a justificação pela fé somente.

Em um mundo que valoriza o esforço humano, muitas vezes nos sentimos pressionadas a provar o nosso valor, tentando fazer mais e mais para sermos consideradas boas o suficiente, para nos sentirmos amadas e reconhecidas. Esse problema é ainda pior quando olhamos para a esfera espiritual, quando acreditamos que precisamos fazer algo para sermos justificadas diante de Deus, e criamos “regrinhas” que ditam o que devemos ou não fazer para sermos justificadas e aceitas no céu. Isso é legalismo.

O Sola Fide nos lembra que somos recebidas pelo Senhor não pelo que fazemos ou deixamos de fazer, mas pelo que Cristo já fez em nosso favor – “Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo” (Romanos 5.1). Colocando sua fé na obra de Cristo, autor e consumador da nossa fé (Hebreus 12.2), tudo quanto Jeanne fazia não era para ser aceita por Deus, mas fruto da sua união com ele. Isso a tornou inabalável. Viver com base na justificação pela fé nos torna inabaláveis porque nos traz segurança no que diz respeito à nossa salvação. É pela fé, e somente pela fé, que permanecemos diante de Deus, ele nos torna inabaláveis.

Soli Deo Gloria

É impressionante como o pensamento reformado moldou a vida de Jeanne, não é mesmo? Ela que, como rainha, poderia ter desfrutado de uma vida de regalias, não vivia para si, não via o seu reino como “seu”. Ela não governava para satisfazer seus próprios interesses. “Deus colocou em minhas mãos o governo desse país para que eu possa governá-lo de acordo com seu evangelho e com suas leis…” (VanDoodewaard), disse Jeanne, decidida a viver e governar para a glória de Deus.

Soli Deo Gloria (Somente à Deus a glória) é um pilar que nos convida a viver para a glória de Deus, como em uma entrega integral de nossa vida cotidiana a ele. 

Filhas, irmãs, mães, esposas, amigas, profissionais, estudantes, governantes, membros de igreja, não importa quem somos ou onde estejamos, ouçamos Paulo: “Tudo o que fizerem, façam de todo o coração, como para o Senhor, e não para os homens.” (Colossenses 3.23). Somos chamadas a enxergar nossas tarefas diárias como um serviço a Deus, pois o nosso trabalho e interações têm valores eternos quando feitos para glorificar a Deus – “Porque dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre!” (Romanos 11.36).

Sejamos inabaláveis

Os Cinco Solas não são apenas teorias distantes. Cada um desses pilares impacta profundamente a forma como trabalhamos, amamos, servimos e vivemos em meio aos desafios que enfrentamos na rotina agitada dos nossos dias. A Palavra é o guia que molda nossas decisões, nossa identidade em Cristo define nosso valor, a graça nos dá descanso e a certeza da justificação nos dá esperança em tempos de incerteza. 

Os pilares da fé reformada podem transformar a vida da mulher cristã tornando-nos inabaláveis, não por nossa própria força ou destreza, mas porque, como a rainha de Navarra, estamos firmadas em verdades eternas que nos oferecem um fundamento sólido para vivermos de maneira fiel a Deus e glorificá-lo em todas as esferas de nossa vida.

Minhas irmãs, abracemos essas verdades e vivamos de acordo com elas, para que nossas vidas reflitam o poder da graça do Senhor, firmadas e inabaláveis na fé em Cristo e direcionadas para a glória de Deus em todas as coisas. 

SDG.


Referências:

Grandes Mulheres Da Reforma – James I. Good, Knox Publicações.

Doze Mulheres da Reforma, Rebecca VanDoodewaard, Pro Nobis Editora.

Por: Laise Oliveira. © Voltemos Ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Revisor: Vinicius Lima. Editora responsável: Renata Gandolfo.