A vida no mundo e separada do mundo

Capítulo 6 da série 'Entre dois mundos'

Acesso a todos os E-books da Editora Fiel por R$ 9,90.

Este é o sexto de 11 capítulos da série da revista TabletalkEntre dois mundos.


Estou pronto para fugir da Califórnia. Era o maior estado da união, mas as coisas mudaram. Califórnia foi classificada em último lugar em qualidade de vida. As rodovias estão superlotadas, as pessoas estão excessivamente tributadas e o custo de vida está em alta. Quero me mudar para Idaho, comprar uma fazenda e viver em alguns hectares longe das pessoas e dos problemas.

Estou usando de hipérbole para estabelecer um ponto. A atitude que descrevi acima é como muitos cristãos pensam em relação ao mundo. Tudo o que eu teria que fazer seria substituir “mundo” por “Califórnia” e a aplicação seria a mesma. Os cristãos hoje estão muito desencorajados pelo que estão vendo ao seu redor. Está se tornando muito difícil ser cristão e viver junto com incrédulos no mundo. Os cristãos estão pensando muito sobre separação, e uma fazenda para fugir de tudo isso não parece uma má ideia.

Certamente, existem razões legítimas para se mudar para outro lugar. O problema é que muitos cristãos justificam uma mudança com o argumento de que querem fugir dos problemas que enfrentam no mundo. Afinal, o Senhor não chamou os crentes para serem separados do mundo (2 Co 6:14-18)? O que isso significa? Somos chamados a nos retirar do mundo e não ter contato com não cristãos?

Poucos cristãos pensariam que esse chamado significa que devemos viver uma vida monástica, mas fugir do mundo e de seus problemas pode ser seu próprio tipo de monasticismo. A ironia é que esse tipo de separação pode ser uma busca muito mundana, isso supõe que se pode alcançar nesta vida as glórias do que é prometido apenas nos novos céus e na nova terra. E essa separação, feita assim, envia uma mensagem ruim ao mundo, a de que não nos importamos com eles e só queremos fugir. O que acontece com a Grande Comissão com esse tipo de separação? É por isso que precisamos de uma consideração saudável do que significa estar separado do mundo.

Sair e separar-se

Os cristãos sempre lutaram para entender o chamado para ser um povo separado no mundo. Sempre houve aqueles que, através das categorias clássicas de Richard Niebuhr, colocam Cristo contra a cultura ou assimilam Cristo na cultura. Podemos voltar ao mundo com a mesma facilidade com que desejamos nos separar do mundo. Então, para que tipo de separação Deus insta ao cristão neste mundo?

Uma breve reflexão da instrução de Paulo aos cristãos coríntios nos fornece a resposta. Estavam permitindo que o mundanismo não fosse controlado na igreja. Alguns dos sintomas incluíam divisões pecaminosas, métodos mundanos de ministério, práticas pagãs na adoração, abuso de dons espirituais, imoralidade sexual e tolerância a falsas doutrinas.

O objetivo de Paulo ao abordar esses problemas era chamar a igreja para a separação adequada do mundo como povo de Deus. Em 1 Coríntios 5:1, Paulo aborda um relato de que a imoralidade sexual grosseira era tolerada na igreja. Por ter se recusado a abordar a questão exercendo a disciplina, a igreja estava comprometendo seu status como comunidade santa de Deus.

Ao chamar a igreja para ser separada, Paulo fez uma conexão surpreendente com o Antigo Testamento: “Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois, de fato, sem fermento. Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado” (1 Co 5:7). Paulo fundamentou seu chamado à separação na história da libertação de Israel do Egito. A Páscoa, juntamente com a Festa dos Pães Asmos, celebrava a libertação de Israel da morte e sua separação da terra do Egito. Qualquer coisa trazida de volta entre eles de seu antigo modo de vida era uma ameaça ao seu status como povo de Deus separado. A igreja, como Israel, foi chamada para retirar-se do meio deles e separar-se deles (2 Co 6:17). Deveriam sair do Egito e nunca mais deixar o Egito voltar para eles.

Paulo reconheceu que a igreja em Corinto estava confusa sobre a questão da separação. Eles parecem ter considerado seu chamado para ser separado como irracional. Suas perguntas provavelmente foram as seguintes: “O que devemos fazer, criar nosso próprio pequeno grupo sectário com nossa própria moral?” E quanto às nossas diferenças com outros cristãos? Muitos cristãos hoje compartilham essa confusão.

A resposta de Paulo é muito instrutiva para nós. Ele explicou que o chamado para se separar não significa que não deveriam ter contato com os pecadores do mundo. Não foram chamados a deixar o mundo como os monges tentaram deixar. A separação não é alcançada evitando os pecadores no mundo, o crente é chamado a separar-se por meio da comunhão. Há uma participação no corpo de Cristo que é única apenas para os crentes. Paulo estava chamando a igreja de Corinto para pensar sobre o mundo de forma diferente de como o mundo pensava em relação à igreja de Cristo.

O mundo sempre será o que é. Opera em seu próprio sistema de valores, atrações e sabedoria que muitas vezes se opõem à justiça de Deus. Ao nos tornarmos cristãos, deixamos a comunhão com o mundo e nos unimos a outra. Nosso antigo amor pelo mundo foi substituído pelo amor por Cristo, mas nenhuma dessas verdades implica um afastamento ou recusa de se misturar entre as pessoas do mundo. É por isso que Paulo explicou aos coríntios que, porque vivemos no mundo, não há como evitar a mistura com os incrédulos na vida diária. Os cristãos têm também uma cidadania terrena, desde que permaneçam nesta terra.

No entanto, os cristãos também estão separados do mundo, na medida em que se recusam a aderir a esse modo de vida que se opõe à nossa cidadania celestial. Somos chamados a nos separar do mundo recusando-nos a ter comunhão com aqueles que praticam um modo de vida do qual fomos libertos. Somos separados em nosso status celestial como corpo de Cristo e na maneira como nos comportamos diante do mundo.

Foi aí que os coríntios falharam. Permitiram em sua comunhão alguém que alegava ser um crente e ainda vivia em imoralidade sexual. A recusa da igreja em se separar de seu antigo modo de vida teve como consequência a união entre a igreja e o mundo. É por isso que Paulo os chamou para se separarem de “alguém que, dizendo-se irmão” (1 Co 5:11), vive de maneira inconsistente com sua nova identidade como povo redimido de Deus. O Senhor nos chama para nos separarmos daqueles que afirmam ser crentes mas ainda vivem de uma maneira que contradiz a fé e a vida cristã por meio da prática do pecado sem arrependimento. Nos separamos rompendo a comunhão com eles. A intimidade, cuidado e participação que há entre os crentes não é compartilhada com aqueles que se recusam a se arrepender e crer no evangelho.

A igreja de Corinto deveria realizar essa separação por meio da disciplina eclesiástica. Ao lançar o homem de volta ao mundo, estavam preservando seu status de separação como povo de Cristo. Eles ainda cruzariam com esse homem? Certamente. Mas agora não tinham mais comunhão cristã com ele, e sua disposição de manter a pureza da igreja de Cristo como crentes no mundo é o que significa a separação bíblica.

Como então devemos nos separar?

Com esses princípios estabelecidos diante de nós, existem alguns caminhos a seguir, caminhos que os cristãos devem considerar quando se trata da questão da separação bíblica.

Primeiro, a Igreja precisa se arrepender, hoje, de não levar a sério o chamado para se separar. Em Cristianismo e liberalismo, J. Gresham Machen lamenta que ela tenha sido infiel a Cristo, ao permitir em sua membresia dezenas de incrédulos, muitos dos quais são nomeados para cargos de ensino. Machen escreveu:

A maior ameaça à Igreja cristã de hoje não vem dos inimigos de fora, mas dos inimigos de dentro; vem da presença, dentro da Igreja, de um tipo de fé e prática que é anticristã em sua essência […] Uma separação entre essas duas partes na Igreja é a necessidade urgente do momento.

Uma separação, conforme descrita por Paulo aos coríntios, é, no momento, uma necessidade urgente para nós também. Por não ter levado a sério o chamado para ser separada, a igreja atual perdeu sua identidade no mundo. Ela deve parecer muito diferente do mundo em convicção e prática. Muitas igrejas poderiam começar a resolver esse problema com a expulsão dos “Acãs” de seu meio (veja Js 7).

Segundo, os cristãos precisam estabelecer as prioridades corretas em sua busca pela separação. Muitas vezes eles se separam uns dos outros e do mundo em todas as questões erradas. Os cristãos precisam se unir no que é mais importante e evitar serem desagradáveis em suas convicções, uma vez que diferenças são permitidas, sem separação, nas questões de liberdade de consciência. A grande necessidade do momento é de cristãos convictos que estejam dispostos a permanecer juntos pela verdade do evangelho, que estejam comprometidos em serem moldados pela Palavra de Deus e que sejam capazes de distinguir as questões que têm significado duradouro em sua posição pela verdade.

Por último, os cristãos precisam considerar seu testemunho ao mundo. Em Sua Oração Sacerdotal, Jesus orou especificamente ao seu Pai para que os crentes não fossem tirados do mundo (Jo 17:15). O Senhor nos deixou no mundo para sermos Suas testemunhas. Os incrédulos precisam do evangelho, e é por isso que estamos aqui. O mundo percebe isso sobre nós? Eles veem que nos importamos o suficiente para ajudá-los a conhecer a bem-aventurança que temos em Cristo? Levamos a resposta na mensagem da cruz, mas se a impressão que os incrédulos têm de nós é que estamos fugindo deles, por que pensaríamos que eles se voltariam para Jesus e desejariam entrar em nossa comunhão? Em nossa separação apropriada, vamos a eles com o evangelho e lembramos que nosso testemunho é a razão pela qual o Senhor nos preserva no mundo.

Um dia eu posso me mudar da Califórnia, mas pode não ser tudo o que eu esperava. Então acho que, por enquanto, vou tentar praticar a separação aqui onde estou. Onde quer que os cristãos estejam verdadeiramente separados como o corpo de Cristo, nesse mesmo lugar, um pedacinho do céu pode ser desfrutado na terra, e isso agora é exatamente o que todo lugar precisa.

Por: Christopher J. Gordon. © Ligonier Ministries. Website: ligonier.org. Traduzido com permissão. Fonte: Separatismo.Traduzido por João Costa. Revisão por Renata Gandolfo. Editor: Vinicius Lima.