Jesus, o Filho de Davi

Capítulo 2 da série "Um filho se nos deu": a importância das filiações do bebê Jesus

Nota do Editor: Em comemoração ao Natal de 2024, convidamos o Pr André Soares para nos presentear com um série a respeito de Jesus Cristo, onde ele nos mostrará a importância das quatro filiações de Jesus — filho de Davi, filho de Abraão, Filho do Homem e Filho de Deus. CLIQUE AQUI para acessar os demais artigos desta série, que serão postados durante este mês de dezembro. Este conteúdo faz parte do Especial de Natal 2024 do Voltemos ao Evangelho.


Em 2020, uma notícia inusitada apareceu nas manchetes de todos os portais de notícia: o príncipe Harry, filho da rainha Elizabeth II, havia abdicado de suas funções ligadas à monarquia britânica. Como membro da família real, todos tinham a expectativa de que ele viveria toda a sua vida cumprindo a agenda típica de um príncipe. Porém, para a surpresa de muitos, que sequer sabiam que algo assim era possível, Harry abriu mão de suas prerrogativas reais.

De fato, como vimos no artigo anterior desta série, as nossas filiações, não raramente, geram expectativas quanto ao curso de nossas vidas. O fato de termos precisamente os pais que temos ajuda a compor a nossa identidade de maneira singular, como no caso do príncipe Harry. Mesmo tendo renunciado a certas prerrogativas e responsabilidades reais, ele continua sendo príncipe e ainda faz parte da linha de sucessão ao trono britânico. A sua filiação real ainda impacta a sua identidade e papel na sociedade.

No presente artigo, trataremos do mais distinto membro da mais distinta família real que já existiu: Jesus, o herdeiro do trono da família real de Davi. Porém, ao contrário do príncipe Harry, ele não abdicou de nenhuma de suas responsabilidades e funções enquanto membro da realeza. Ele sempre fez jus às expectativas sobre-humanas que a sua filiação davídica lhe impunha.

Um descendente qualquer de Davi?

Mais uma vez, voltemo-nos para as palavras de abertura do Evangelho de Mateus, um versículo que, em poucas palavras, condensa uma mensagem teológica sublime:

Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão. (Mt 1.1)

Ao assumir a natureza humana, Jesus, o Messias, o descendente prometido de Abraão que, quando se manifestasse, abençoaria todas as nações da terra (Gn 18.18; 22.18), também se fez filho de Davi.

Porém, o que há de especial nessa designação que Mateus atribui a Jesus? Já que, na cultura hebraica, o termo “filho” tem o sentido mais amplo de “descendente”, não seria correto dizer que todos os descendentes de Davi — como o sábio Salomão, o piedoso Josias e até o ímpio Manassés — são seus filhos? Sim, cada descendente de Davi é, conforme o modo hebraico de expressão, um filho seu. De fato, mesmo José, o pai adotivo de Jesus, é chamado de “filho de Davi” (Mt 1.20), uma vez que descendia do grande rei de Israel.

Por que, então, é significativo que Jesus receba esse título, já que, antes dele, existiram milhares de filhos de Davi e, depois dele, muitos outros? Assim como diversos homens na Bíblia são chamados de ungidos (p. ex., Saul, 1Sm 24.5-6; Davi, 2Sm 22.51; Ciro, Is 45.1), mas apenas um é o Ungido (em grego, o Cristo; em hebraico, o Messias) prometido, muitos, da mesma forma, são filhos de Davi, mas apenas um é o filho de Davi prometido. De maneira simples, o Messias prometido é o filho de Davi prometido.

Por isso, no pensamento judaico padrão da época de Jesus, o título “filho de Davi” era usado quase que como um sinônimo de “Messias”. Não à toa, depois que Jesus efetuou uma cura extraordinária, “a multidão se admirava e dizia: É este, porventura, o Filho de Davi?” (Mt 12.23; cf. 9.27; 15.22; 20.30-31; 21.9, 15). Com essa pergunta, o que o povo queria saber era se Jesus realmente era o Messias previsto no Antigo Testamento, aquele que reinaria sobre todas as nações.

De fato, o Antigo Testamento previa que, um dia, um descendente específico de Davi restauraria a sua dinastia e levaria o reino de Israel ao seu apogeu. Todas as nações do mundo seriam conquistadas por esse monarca davídico e o serviriam. Um reino de proporções universais seria estabelecido por esse filho da promessa (cf., p. ex., Is 9.3-7; Am 9.11-12).

Um filho de Davi opressor?

No entanto, embora Deus tivesse prometido a Davi que a sua dinastia e o seu trono seriam eternos (2Sm 7.16), quando Jesus nasceu, já fazia séculos que um monarca davídico não reinava sobre Israel. Os judeus, desde a queda de Jerusalém em 586 a.C., foram sucessivamente dominados pelos babilônios, persas, gregos e romanos. Entre a dominação grega e a dominação romana, em uma breve experiência de independência, houve até uma dinastia judaica não davídica (a dinastia macabéia) que, por mais de 100 anos, dominou a pequena nação judaica (164–137 a.C.). Desde Zedequias (2Rs 24.17; r. 597–586 a.C.), um filho de Davi não se assentava sobre o trono de Israel.

Havia, portanto, uma grande expectativa por parte dos judeus do primeiro século de que o filho de Davi da promessa se manifestaria e estabeleceria um reino universal e eterno. Contudo, uma noção messiânica importante e popular entre os contemporâneos de Jesus era que o filho prometido de Davi, quando viesse ao mundo, humilharia as demais nações e as reduziria a uma condição meramente servil. Israel, que, por séculos a fio, vinha sendo severamente dominado e explorado pelos gentios, passaria a dominá-los e explorá-los com o mesmo rigor. Só era preciso esperar a manifestação do filho de Davi para as coisas se inverterem.

Mas era realmente isso que as profecias previam? No artigo anterior desta série, vimos que a promessa quanto à vinda do filho de Abraão resultaria em bênção para todas as nações. Por consequência, não seria possível que a promessa relativa à vinda do filho de Davi culminasse em maldição para os povos, pois o filho de Abraão e o filho de Davi são a mesma pessoa: Jesus. O filho de Abraão que viria para abençoar as nações é o filho de Davi, que viria ao mundo não para exercer um domínio opressivo sobre as nações, mas para abençoá-las por meio de sua liderança unificadora.

A concepção messiânica equivocada de muitos contemporâneos de Jesus vinha mais de uma antipatia com relação às nações dominantes do que de uma leitura embasada do texto bíblico. A profecia de Isaías quanto ao filho de Davi, por exemplo, diz:

Do tronco de Jessé [o pai de Davi] sairá um rebento, e das suas raízes, um renovo.

Não se fará mal nem dano algum em todo o meu santo monte, porque a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar.

Naquele dia, recorrerão as nações à raiz de Jessé que está posta por estandarte dos povos; a glória lhe será a morada. (Is 11.1, 9-10)

A promessa de Deus era que o rebento que proviria do tronco de Jessé, ao se manifestar, em vez de espalhar o terror pelo mundo, seria tão admirado que as nações o buscariam e afluiriam à sua cidade. A atratividade desse monarca seria sentida e provada em todos os lugares. O filho de Davi, sendo também o filho de Abraão, viria para espalhar a sua bênção pelo mundo e implementar um reino de paz para todos os povos que o aceitassem como rei.

A primeira vinda do filho de Davi

Já temos condições de retornar à questão inicial: o que há de significativo na designação “filho de Davi”, que Mateus atribui a Jesus? Mais uma vez, a intenção do escritor inspirado é se contrapor a uma noção messiânica tão equivocada quanto comum em seus dias. Mateus quer destacar que Jesus, quando assumiu a filiação davídica e veio pela primeira vez, realmente se manifestou para reinar sobre todo o mundo. Contudo, o seu domínio não consiste no rebaixamento e humilhação das nações gentílicas, mas em sua glória e felicidade supremas. A primeira manifestação do filho de Davi não leva trevas para as nações, mas a potente luz do Evangelho.

Como um rei pacificador, Jesus, o filho de Davi, tem oferecido a indivíduos de todos os povos a cidadania plena. Ele está sinceramente disposto a receber como cidadãos de seu reino todos os que, a despeito de sua nacionalidade ou etnia, o aceitem como o Rei dos reis e Senhor dos senhores. À medida que os seus emissários saem por entre os povos e anunciam o seu tratado de paz, todos os que o aceitam são admitidos em Israel, a nação da qual Jesus, na qualidade de filho de Davi, é rei (cf. Mt 22.1-14).

Entretanto, de maneira inversa, os que não o aceitam como o rei messiânico de Israel e, por consequência, de todos os povos, independentemente de sua nacionalidade ou etnia, não podem fazer parte do Israel de Deus. Até mesmo os judeus, os filhos naturais de Abraão e súditos originais de Davi, caso não aceitem a realeza do filho de Davi que é maior do que seu pai (Mt 22.41-46), perderão a sua cidadania e não terão lugar no banquete escatológico no Reino de Deus, junto com os patriarcas de Israel:

Muitos virão do Oriente e do Ocidente [os gentios] e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus. Ao passo que os filhos do reino [os judeus] serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes. (Mt 8.11-12)

O critério mais fundamental para que façamos parte do reino universal de Jesus, que está em processo de implementação, é que o reconheçamos como o rei do mundo por direito. Se, então, você alegremente confessa que o filho de Davi é o seu rei, você foi aceito como cidadão de seu reino com direitos plenos, de maneira que desfrutará, por toda a eternidade, de todos os inumeráveis e gloriosos benefícios que os seus súditos têm e ainda terão.

A segunda vinda do filho de Davi

Porém, o filho de Davi ainda se manifestará mais uma vez. Caso você o tenha rechaçado, em vez de desfrutar das bênçãos de seu reino eterno, provará, infelizmente, do rigor de sua justiça.

No momento, temos de dar ouvidos aos emissários do filho de Davi, pois o seu regresso se aproxima cada vez mais. Por ora, os termos que ele nos oferece são de paz, mas chegará o dia em que esses termos serão suspensos. Quando Jesus retornar ao mundo, levará os seus súditos de todas as nações ao seu reino eterno, mas condenará todos os que preferiram reinar sobre as suas próprias vidas. O alerta do salmista deve ressoar em nossos ouvidos:

Beijai o Filho para que se não irrite, e não pereçais no caminho;

porque dentro em pouco se lhe inflamará a ira.

Bem-aventurados todos os que nele se refugiam. (Sl 2.12)

Quando Jesus, o filho de Davi, retornar, não mais chegará como um bebê indefeso, mas como um rei acompanhado por hostes celestiais. Aproveite a época do Natal para se lembrar de que Jesus veio como um bebê, mas não permaneceu um bebê para sempre. Ele cresceu e se tornou o rei de Israel e de todas as nações. E é na qualidade de rei que ele se manifestará pela segunda vez. Ele chegou como um cordeiro, mas voltará como um leão. Aceite hoje a sua paz para que, um dia, não tenha de provar a sua ira.

Por: André Soares. © Voltemos Ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Revisor e Editor: Vinicius Lima.