O conhecimento de Jesus Cristo nas Escrituras

Capítulo 1 da série Reflexões cristológicas de Natal

Nota do Editor: Este é o primeiro de quatro artigos da série Reflexões cristológicas de Natal, por Tiago Oliveira. Esta série faz parte do Especial de Natal 2024 do Voltemos ao Evangelho, onde estaremos postando, até o dia 25 de dezembro, conteúdos selecionados sobre o nascimento, pessoa e obra de Jesus Cristo, nosso Senhor.


A Bíblia (na forma como a temos hoje) é composta por sessenta e seis livros, escritos por um grande número de autores humanos, ao longo de cerca de quinze séculos. Ao mesmo tempo, as Escrituras (a Bíblia) são a Palavra inspirada, infalível e inerrante de Deus, “porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo.” (2Pedro 1.20–21). E porque a Bíblia é a Palavra de Deus ela é necessária, tem autoridade, é clara e é suficiente.

As Escrituras são a revelação progressiva de Deus ao seu povo ao longo da história (2 Timóteo 3.16; Hebreus 1.1-3) e estão divididas em duas partes: o Velho Testamento (ou aliança) e o Novo Testamento. Antes da encarnação do Deus-Filho e depois da encarnação do Senhor Jesus. Mas esta divisão não implica uma multiplicidade de mensagens (e histórias) desconexas ou em contradição. É a mesma mensagem progressivamente revelada. Como na afirmação atribuída a Agostinho: “o Novo Testamento (ou aliança) está encoberto no Velho Testamento e o Velho Testamento é revelado no Novo Testamento.” Uma ilustração que nos ajuda a compreender a progressão da revelação de Deus (e do relacionamento entre o Velho e o Novo Testamento) é a do desenvolvimento de uma árvore, desde a semente até à maturidade. A semente de uma árvore é plantada, germina e desenvolve-se até ser uma árvore madura. A semente e a árvore madura estão em diferentes estágios de maturação, mas ainda assim são a mesma entidade. A semente já contém o DNA que determina a sua espécie e todas as características da árvore. O mesmo se passa com as Escrituras. Gênesis 3.15 é, em forma embrionária, a promessa concretizada no Novo Testamento. A mesma promessa dada e progressivamente revelada a Abraão, Isaque, Jacó, Moisés, Davi e todos os profetas do Velho Testamento.

Mas, que promessa é esta? Qual é a mensagem prometida no Velho Testamento e concretizada no Novo Testamento? Por outras palavras: qual é o assunto das Escrituras? A Bíblia é “o evangelho de Deus, o qual antes havia prometido pelos seus profetas nas santas escrituras, acerca de seu Filho, que nasceu da descendência de Davi segundo a carne” (Romanos 1.1b–3). A Bíblia é toda ela acerca do evangelho de Deus, ou seja, das boas notícias de Deus para a humanidade. O Velho Testamento é definido por Paulo como as boas notícias prometidas pelos profetas. Mas, diz mais. Estas boas notícias são “acerca de seu (Deus) Filho”. O Filho de Deus é a mensagem, as boas notícias, que os profetas do Velho Testamento receberam, anunciaram e registaram. Foi isso mesmo que o Jesus ressuscitado permitiu aos discípulos a caminho de Emaús perceber. “E, começando por Moisés e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras.” (Lucas 24.27; cf. 24.44-45).

Por isso, é apropriado dizer que toda a Escritura (incluindo o Velho Testamento) é acerca da pessoa do Senhor Jesus (Cristo-cêntrica). Na verdade, o Senhor Jesus é a Palavra viva de Deus (João 1.1, 14; Apocalipse 19.13). As Escrituras, como a Palavra de Deus escrita, testemunham acerca do Senhor Jesus (João 5.39), a Palavra encarnada. O Velho Testamento antecipa a vinda do Senhor Jesus. No Velho Testamento, as boas notícias são prometidas. Na linguagem bíblica, a velha aliança (o velho testamento) servia como uma sombra das coisas que haveriam de vir (Colossenses 2.16-17; Hebreus 8.5; 10.11). Na ilustração que demos acima, o Velho Testamento é como que o plantar de uma semente que progressivamente se desenvolve. O Novo Testamento celebra a vinda e a concretização de todas as promessas de Deus na pessoa de Jesus, o Cristo (2 Coríntios 1:20). O Novo Testamento é a mesma semente lançada e desenvolvida no Velho Testamento, agora plenamente desenvolvida e em todo o seu esplendor. A história e a mensagem são as mesmas. Toda a Escritura é, por isso, acerca do Senhor Jesus, o Filho de Deus. As Escrituras são a Palavra escrita que nos revelam a Palavra viva de Deus. E é em e através da pessoa do Senhor Jesus que todas as outras coisas nos são reveladas e interpretadas, seja no Velho como no Novo Testamento.

Como as Escrituras nos ensinam, é o Senhor Jesus Cristo (Deus-Filho) que nos revela quem é Deus (João 1.14; 14.6-11; Hebreus 1.3). Neste sentido, podemos afirmar que toda a Escritura é revelação de Deus em e através da pessoa do Senhor Jesus Cristo, primeiro prometido (VT) e depois encarnado (NT). Existe uma relação diretamente proporcional e recíproca entre conhecer o Senhor Jesus e conhecer Deus-Pai porque “Deus nunca foi visto por ninguém; o Filho unigénito, que está no seio do Pai, esse o fez conhecer” (João 1.18). Não é possível conhecer Deus-Pai sem conhecer o Senhor Jesus, porque é no Senhor Jesus que Deus é dado a conhecer.

O conhecimento da pessoa e da obra do Senhor Jesus são o centro de toda a Revelação e o fundamento da esperança da fé cristã. “E a vida eterna é esta: que conheçam a ti só por único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (João 17.3). A pessoa e obra de Jesus nos planos de Deus são centrais ao ponto de o apóstolo Paulo escrever à Igreja em Corinto que “nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado” (1 Coríntios 2.2). As palavras de Paulo não foram apenas palavras de circunstância, mas a base de toda a sua vida e ministério. Quem o testemunha é Lucas quando relata o ministério de Paulo em Roma. Em prisão domiciliar, Lucas relata-nos que “… vieram em grande número ao encontro de Paulo na sua própria residência. Então, desde a manhã até à tarde, lhes fez uma exposição em testemunho do reino de Deus, procurando persuadi-los a respeito de Jesus, tanto pela lei de Moisés como pelos profetas..” (Atos 28.23; cf. 28:30-31).

A pessoa e obra de Jesus são centrais no ensino e pregação da Igreja que se chama pelo seu nome (cristã, ou seja, de Cristo). Mas, quantas vezes a pessoa do Senhor Jesus é colocada em segundo plano no ensino e na pregação das nossas igrejas? Quantos são os pastores (e crentes) que seguem o exemplo do apóstolo Paulo e fazem da proclamação da pessoa e obra do Senhor Jesus o centro da sua mensagem, ministério e vida? Infelizmente, é mais comum ouvir discursos de auto-ajuda (auto-estima) ou lições morais com pretexto bíblico, do que pregações cristãs propriamente ditas. Por isso, é apropriada a acusação de que “a Igreja moderna está a criar pessoas apaixonadas com cabeças vazias. Pessoas que amam um Jesus que não conhecem muito bem.”[1]

O desconhecimento ou introdução de falso ensino acerca da pessoa de Jesus sempre foi um dos principais objetivos de Satanás. Como toda a fé e esperança estão centradas e dependentes da pessoa e obra do Senhor Jesus, o inimigo sempre procurou impedir que o Senhor Jesus pudesse ser conhecido ou corromper o nosso conhecimento dele. Desde cedo, a igreja procurou defender a fé e combater as heresias acerca da pessoa do Filho. A diferença de uma correta e falsa Cristologia (ou seja, conhecimento da pessoa de Jesus) não são assuntos secundários ou de pormenor. Como o apóstolo João escreveu: “nisto conhecereis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito do anticristo, do qual já ouvistes que há de vir, e eis que está já no mundo” (1 João 4.2–3; cf. 5:1; 2 João 7). Se, como João já tinha ensinado no seu evangelho, só é possível conhecer Deus através e na pessoa de Jesus e se a vida eterna depende deste conhecimento, logo, se o nosso conhecimento de Jesus é defeituoso (falso), o nosso conhecimento de Deus também o é e, consequentemente, é a nossa própria salvação que está em xeque. Por outras palavras, é necessário saber se o “Jesus” que dizemos colocar toda a nossa confiança (fé) é o Jesus que as Escrituras nos revelam.

Aproveitando o ensejo de mais um Natal, a celebração do nascimento do nosso Senhor Jesus Cristo, é sua pessoa que procuraremos conhecer melhor nesta série de quatro artigos. De forma sucinta, procuraremos conhecer e compreender que “Jesus Cristo foi completamente Deus e completamente Homem numa só pessoa, e assim o será eternamente.”[2]

Soli Deo Gloria!


[1] Se bem me recordo, o autor desta citação é Voddie Bauckam. No entanto, não consegui encontrar a origem desta citação.

[2] Wayne A. Grudem, Systematic Theology: An Introduction to Biblical Doctrine (Leicester, England; Grand Rapids, MI: Inter-Varsity Press; Zondervan Pub. House, 2004), 529.

Autor: Tiago Oliveira. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Editor e Revisor: Vinicius Lima.