O que significa o homem ser criado à Imagem de Deus?

Um ensaio teológico sobre a doutrina da Imagem de Deus

Acesso a todos os E-books da Editora Fiel por R$ 9,90.

Richard D. Phillips é um renomado pastor, teólogo e escritor reformado, conhecido por sua clareza bíblica e compromisso com a exposição fiel das Escrituras. Atualmente, ele serve como pastor sênior da Second Presbyterian Church em Greenville, Carolina do Sul, e é autor de diversas obras sobre teologia, liderança e vida cristã. Sua abordagem pastoral e acadêmica tem inspirado cristãos ao redor do mundo a viverem sob a autoridade da Palavra de Deus.

Na 41ª Conferência Fiel, que acontecerá entre os dias 7 e 10 de outubro em Águas de Lindoia – SP, Richard D. Phillips será um dos palestrantes, ao lado de nomes como Augustus Nicodemus, Conrad Mbewe, Jonathan Leeman e Silas Campos. Juntos, eles nos conduzirão a uma reflexão profunda sobre o tema “Autoridade”, explorando sua importância na igreja, na família e na sociedade.

Enquanto aguardamos essa conferência transformadora, convidamos você a ler o artigo abaixo, no qual Phillips discute a doutrina bíblica da Imagem de Deus – um fundamento essencial para compreender nossa identidade, propósito e chamado como criaturas feitas à semelhança do Criador.

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Definição

A imagem de Deus é uma doutrina bíblica sobre a natureza e o propósito da humanidade. Gênesis 1.27 afirma que Deus fez o homem “à sua imagem”, o que significa que a raça humana recebeu uma semelhança especial com Deus.

Resumo

Assim como Sete carregava a “semelhança e imagem” de seu pai Adão (Gênesis 5.3), Deus fez Adão e Eva para carregarem sua imagem e semelhança. A teologia histórica sempre fundamentou a imagem de Deus na superioridade da humanidade sobre as criaturas inferiores, dada a maior racionalidade e espiritualidade do homem e, especialmente, na capacidade humana de conhecer e adorar a Deus. Uma reflexão mais aprofundada observa que, como “macho e fêmea”, a humanidade carrega a imagem de Deus em uma comunidade de amor. A ênfase em Gênesis 1.26 sobre o domínio do homem sobre as outras criaturas defende a vice-regência da humanidade na prestação de contas a Deus. A reflexão do Novo Testamento sobre a imagem divina destaca que o homem foi feito para a comunhão da aliança com Deus em justiça e santidade. Embora a Queda tenha manchado a imagem de Deus – destruindo a justiça e a santidade com as quais fomos criados – Deus enviou Seu Filho, Jesus Cristo, para redimir a humanidade e restaurar a imagem de Deus “em verdadeira justiça e santidade” (Ef 4.24).

O ponto central do ensino bíblico sobre a humanidade é a declaração de Gênesis 1.27: “Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou”. Gênesis 1.26 registrou a vontade de Deus para a raça humana: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança”. Tanto “imagem” quanto “semelhança” falam de semelhança. A palavra para “imagem” (hebraico, tselem) tem o significado de algo que é esculpido ou cortado. “Conforme a nossa semelhança” faz praticamente o mesmo sentido, definindo o homem como semelhante a Deus, embora não divino. João Calvino explica que “o homem se assemelha a Ele e que nele a glória de Deus é contemplada como em um espelho”.[1] A mesma linguagem é usada em Gênesis 5.3 quando Adão tem um filho: “Ele gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem”. Assim como Sete se assemelhava a seu pai, Adão também se assemelhava a Deus.

A imagem de Deus na natureza e nos relacionamentos do homem

Quando perguntamos como o homem carrega a imagem de Deus, uma abordagem histórica é citar a evidente superioridade do homem em relação aos seres inferiores. Alguns identificaram a imagem no fato de o homem andar ereto entre os animais. O problema é que Deus não possui um corpo, pois “Deus é espírito” (João 4.24). Com nossas faculdades internas em vista, outra maneira comum de definir a imagem de Deus é por meio de aspectos da natureza humana que nos colocam claramente acima do mundo animal. Ao longo dos anos, os escritores identificaram diferentes facetas da mente e da alma que mostram a semelhança divina. Agostinho propôs que a imagem de Deus reside na memória, no entendimento e na vontade do homem, buscando, dessa forma, espelhar a personalidade trinitária de Deus.[2] Outros falam da autoconsciência e da personalidade do homem, que são de uma ordem superior à dos animais. Além disso, o homem possui um senso de consciência e toma decisões morais. Além disso, somente o homem entre as criaturas adora a Deus com consciência espiritual, como observou Salomão: Deus “pôs a eternidade no coração do homem” (Ecl. 3.11). Com a capacidade de uma natureza que reflete a imagem divina, vem a responsabilidade de cumprir nosso principal objetivo como criaturas de Deus: “glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”.[3]

Depois de dizer que Deus fez o homem à sua própria imagem, Gênesis 1.27 faz um acréscimo significativo: “homem e mulher ele os criou”. Essa declaração fundamenta a igualdade fundamental entre homens e mulheres, que carregam igualmente a imagem de Deus. Embora a Bíblia registre as diferenças entre homens e mulheres e conceda aos homens a liderança do pacto no lar e na igreja, nunca devemos pensar que esse arranjo complementar resulta da inferioridade das mulheres perante Deus. O mais importante é que observamos que, embora Deus tenha feito as outras criaturas macho e fêmea, Gênesis 1 faz essa afirmação apenas em relação à humanidade, indicando que a imagem de Deus deve ser vista não apenas de forma individual, mas de forma comunitária. Assim como o próprio Deus existe em uma comunidade amorosa – Pai, Filho e Espírito vivenciando o amor eterno e perfeito – a humanidade carrega a imagem de Deus em relacionamentos de comunidade e amor.

O homem como vice-regente de Deus

Um resultado direto do fato de o homem carregar a imagem de Deus é o governo real para o qual a humanidade é chamada: “E dominem sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre os animais domésticos, e sobre toda a terra” (Gênesis 1.26). O domínio do homem assume a forma de uma vice-regência, o que significa que o homem exerce a autoridade de outro, a saber, Deus, o Criador.

Como servos reais de Deus, o homem deve governar a Terra de acordo com os padrões e propósitos de Deus. Vinoth Ramachandra escreve: “Todos os seres humanos são chamados a representar a realeza de Deus em toda a gama da vida humana na Terra. E o governo de Deus não é o governo de um déspota, mas a educação amorosa de um pai cuidadoso.”[4] Os propósitos de Deus para a Terra envolvem um cuidado que estende sua bênção e paz – constituindo um chamado tanto para o conservacionismo da natureza quanto para a justiça social – ao defender os princípios justos de sua lei. O homem deve tomar a bondade e a generosidade de Deus como seu exemplo. Carregando a imagem de Deus e governando em nome de Deus, o homem deve fazer o bem na Terra.

A imagem como comunhão com Deus

O mais significativo de tudo é que a imagem de Deus no homem envolve nossa criação para uma identidade em comunhão com nosso Criador. Vemos essa ênfase quando o Novo Testamento reflete sobre Gênesis 1.26-27. Colossenses 3.10 fala da grande restauração que ocorreu na salvação do cristão, pois o novo eu “está sendo renovado em conhecimento, segundo a imagem do seu Criador”. Assim, Paulo indica que conhecer Deus é intrínseco à criação do homem à imagem de Deus. Os animais não têm consciência de Deus. Eles não buscam ou adoram seu Criador. Mas a humanidade, diz Paulo, conhece a Deus porque Deus projetou a criação para se revelar aos seus portadores de imagem ( Rm 1.19). Esse aspecto fundamental de nossa humanidade explica a exclamação de Jesus de que “a vida eterna é esta: que te conheçam, o único Deus verdadeiro” (Jo 17.3).

A ideia bíblica de conhecimento envolve mais do que possuir informações, mas também comunhão e companheirismo. Vemos isso no contraste entre a maneira como Deus começou a lidar com a humanidade e a maneira como lidou com os animais. Em Gênesis 1.22, Deus pronunciou sua bênção sobre os peixes e as aves: “Deus os abençoou, dizendo: ‘Sede fecundos e multiplicai-vos’”. A mesma bênção é concedida à humanidade, mas com uma diferença crucial. Gênesis 1.28 diz: “E Deus os abençoou. E Deus lhes disse: ‘Sede fecundos e multiplicai-vos’”. A diferença é vista nas palavras acrescentadas: “E Deus lhes disse”. Deus abençoou os peixes e os pássaros, mas Deus abençoou o homem por meio de uma comunicação pessoal destinada a promover uma resposta de fé e amor.

Uma segunda passagem do Novo Testamento acrescenta à imagem de Deus as ideias de justiça e santidade. Paulo diz em Efésios 4.24 que os crentes foram “criados à semelhança de Deus em verdadeira justiça e santidade”. Portanto, além do conhecimento de Deus, a imagem de Deus envolve uma posição correta com Deus e santidade diante dele. O objetivo dessa justiça e santidade, assim como o nosso conhecimento de Deus, é a comunhão eterna em amor com o nosso Criador. Com isso em mente, a Confissão de Fé de Westminster dá sua definição da imago dei: “Deus (…) criou o homem, macho e fêmea, com alma racional e imortal, dotado de conhecimento, justiça e verdadeira santidade, segundo a Sua própria imagem.”[5]

Gênesis 2.7 nos conta como Deus fez Adão: “O Senhor Deus formou o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego da vida”. Deus fez o homem face a face para um relacionamento de aliança de companheirismo, comunhão e amor. Isso é visto no final da Bíblia, assim como no início. Como herdeiros juntamente com Jesus Cristo, os cristãos recebem uma herança que consiste na dádiva de Deus. Apocalipse 21.3 diz: “Ele habitará com eles, e eles serão o seu povo, e o próprio Deus estará com eles como o seu Deus”. Apocalipse 22.4-5 vai além, usando imagens tiradas diretamente de Gênesis 1: “Eles verão a sua face, e o seu nome estará nas suas testas… pois o Senhor Deus será a sua luz”.

Essa definição mais completa do homem à imagem de Deus tem implicações importantes para uma visão de mundo cristã. Uma das principais perguntas que qualquer pessoa pode fazer é: “Quem sou eu?” A Bíblia responde que somos criaturas vivas feitas por Deus para carregar sua própria imagem. A marca de Deus é vista em nossa natureza moral e espiritual, em nosso amor compartilhado dentro da comunidade, em nosso domínio em nome de Deus e, especialmente, em nosso chamado à comunhão com Deus em conhecimento e justiça. Não há nada que possa garantir maior dignidade, juntamente com a humildade perante Deus – e um senso mais elevado de chamado e privilégio – do que perceber que somos criaturas criadas para conhecer e ser conhecidas por Deus e para amar e ser amadas por nosso Criador.

A imagem caída e restaurada

O problema da humanidade, entretanto, é que a imagem de Deus foi estilhaçada pelo pecado. Depois que Adão e Eva quebraram a aliança com Deus, o Senhor “expulsou o homem e, ao oriente do jardim do Éden, colocou os querubins e uma espada flamejante (…) para guardar o caminho da árvore da vida” (Gênesis 3.24). O homem, criado como realeza em meio às criaturas, tornou-se um servo da terra: “O SENHOR Deus, por isso, o lançou fora do jardim do Éden, a fim de lavrar a terra de que fora tomado.” (Gênesis 3.23).

A queda do homem levanta a questão de saber se a imagem de Deus foi perdida. A resposta é não e sim. Em primeiro lugar, a Bíblia indica que o homem caído retém a imagem de Deus com relação ao nosso valor e dignidade, que é a explicação de Deus para proibir a captura injusta da vida humana: “Quem derramar o sangue do homem, pelo homem será derramado o seu sangue, porque Deus fez o homem à sua imagem” (Gênesis 9.6). Essa declaração foi feita após a queda, fundamentando a santidade até mesmo das vidas humanas pecaminosas. Por outro lado, o homem perdeu o núcleo vital da imagem de Deus na forma de retidão e santidade ao se relacionar com Ele. O resultado do pecado, portanto, não foi a perda completa da imagem divina, mas sim sua completa corrupção. Henri Blocher escreve:

Devemos afirmar que, depois de sua revolta, a humanidade continua sendo a humanidade, e também que a humanidade mudou radicalmente, que ela é apenas uma sombra horrível de si mesma. O homem continua sendo a imagem de Deus, inviolável e responsável, mas se tornou uma imagem contraditória, pode-se dizer uma caricatura, uma testemunha contra si mesmo.[6]

Uma boa ilustração da imagem de Deus no homem caído é a de um para-brisa de automóvel que se quebrou. O vidro continua lá, mas está tão danificado que não funciona mais adequadamente. Da mesma forma, quando a humanidade caiu em pecado, nos tornamos culpados, alienados do Deus que ainda conhecemos e corrompidos em nossos pensamentos e desejos. Sendo assim, as maravilhosas faculdades que Deus nos deu agora são empregadas a serviço do pecado. Não mais refletiremos o perfeito amor da Trindade em nossos relacionamentos, mas eles serão prejudicados e destruídos pelo amor a si mesmo no lugar do amor ao próximo. E, embora ainda conheçamos Deus, erguemos o punho da rebelião contra ele (Rm 8.7). Em resumo, a imagem de Deus foi distorcida pela depravação total, de modo que nossa comunhão com Ele foi perdida. Continuamos sendo criaturas criadas para conhecer Deus e responder a Ele com fé e louvor. Mas agora o homem caído, que carrega a imagem de Deus, responde ao conhecimento divino amaldiçoando seu nome e se rebelando contra sua graça.

Essa situação terrível após a Queda levanta uma questão final: a imagem de Deus pode ser restaurada? E se a imagem original e gloriosa de Deus no homem puder ser restaurada, quem será o responsável por isso?

A resposta a essa maior de todas as perguntas é o assunto principal de toda a Bíblia, as boas novas de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Há esperança para nós em nosso pecado por causa da graça de Deus, que cumpre seu plano original para a criação. Jesus veio não apenas para restaurar a nossa justiça original, que foi perdida pelo pecado, mas para nos conceder a sua própria justiça. Ele cumpriu a lei de Deus em nosso favor e, em seguida, ofereceu sua própria vida como um sacrifício à justiça de Deus para o perdão de nossos pecados. Romanos 3:23-25 explica: “pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé.”

Cristo veio não apenas para remediar nossa situação com Deus, mas também para restaurar a imagem de Deus em nós por meio da santificação. Assim, a linguagem de Gênesis 1.27 ecoa no ensinamento do Novo Testamento de que, pela fé em Jesus, estamos sendo renovados “no espírito do vosso entendimento, e vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade.” (Efésios 4.23-24). Pela graça de Cristo e pelo poder do Espírito Santo que Ele envia, nascemos de novo para uma vida que honra a Deus, restaurada à imagem da justiça e da santidade. Paulo diz que, pela graça de Deus, “todos nós, com o rosto descoberto, contemplando a glória do Senhor, estamos sendo transformados na mesma imagem, de um grau de glória para outro” (2 Coríntios 3.18). Henri Blocher assim exulta: “Em Jesus Cristo, que é tanto o Filho de Deus quanto a Imagem de Deus, somos restaurados à nossa humanidade, como verdadeiras imagens de nosso Criador, e mais do que imagens; tornamo-nos filhos de Deus em Seu Filho, pelo vínculo de uma nova aliança.”[7]


 

Recomendamos o livro Homens de Verdade, de Richard D. Phillips, autor deste artigo.

 


[1] John Calvin, Sermons on Genesis Chapters 1-11, trans. Rob Boy McGregor (Edinburgh: Banner of Truth, 2009), 93.

[2] Citado de Philip Edgcumbe Hughes, The True Image: The Origin and Destiny of Man in Christ (Grand Rapids: Eerdmans, 1989), 17.

[3] Westminster Shorter Catechism, A1.

[4] Vinoth Ramachandra, The Message of Missions (Downers Grove, IL: InterVarsity, 2003), 37.

[5] Confissão de Fé de Westminster, 4.2.

[6] Henri Blocher, In the Beginning: The Opening Chapters of Genesis (Leicester, UK: InterVarsity, 1984), 94.

[7] Ibid.

Por: Richard D. Phillips. © The Gospel Coalition. Website: thegospelcoalition.org. Traduzido com permissão. Fonte: Man as the Image of God. Revisão e edição por Vinicius Lima.