A anatomia de um milagre

O testemunho de um homem da fé e da ciência sobre o poder de Deus em sua saúde

 “De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei.” (Hb13.5c)

Como acontece um milagre? Qual a mecânica de um milagre? Que condições são necessárias para que ocorra um milagre? São perguntas interessantes sobre as quais já discorri em outro artigo (Milagres podem ser explicados cientificamente?). Como por definição um milagre é um evento que se desvia do padrão regular esperado da natureza, mas não é contrário a ela, e cuja ocorrência se dá em um determinado momento sob circunstâncias notoriamente desfavoráveis ou insolúveis. É impossível saber quando e como ocorrerá. Assim, não sendo possível prever ou induzir um milagre, do ponto de vista estritamente científico tende-se a estudar o tema com um quê de ceticismo. Mesmo diante de inúmeros relatos autênticos de milagres registrados, o cientista questiona internamente até que ponto houve, de fato, a intervenção divina, se foi apenas um evento probabilístico ou se os relatos sofreram exageros ou foram influenciados pela ignorância dos narradores sobre as circunstâncias. E se consola com estas elucubrações confiando na premissa que, se houve um milagre, só Deus o saberá. Tudo muito neutro, acadêmico e até um tanto piedoso, até que um belo dia ele é alvo de um milagre de Deus. Aconteceu comigo nessas últimas semanas.

Nos últimos dois anos sofri algumas perdas muito dolorosas no âmbito familiar. Em poucos meses me vi abandonado, só, com a saúde debilitada e cuidando em tempo integral de uma forte mocinha em estudos pré-vestibulares e, de longe, preocupado com outra filha em carreira universitária. Em meio ao furacão dos eventos, tendo que administrar sozinho casa, filha, carreira, compromissos universitários atrasados, compromissos assumidos, contas, saúde precária, depressão e isolamento, em setembro do ano passado, acrescentou-se uma notícia um tanto mais dolorosa: em um exame de rotina fui diagnosticado com um tumor estromal gastrointestinal (GIST) de dimensões razoáveis, um tipo de câncer do trato digestivo, com potencial de crescimento e disseminação para o fígado. O pouco que ainda restava de paz e confiança em meio às muitas tribulações e incertezas reduziu-se a quase zero. Sozinho, chorei em silêncio algumas noites e demorei alguns dias para dar a notícia à minha filha caçula, temendo pelo seu futuro. Não sabia o que falar e nem como falar, pois tinha medo de comprometer o seu pesado ritmo de estudos, focado em ingressar em uma concorrida faculdade de medicina. Nos entristecemos, oramos e choramos, cada um a seu modo, e entregamos a Deus o rumo que as coisas tomariam. O fardo diminuiu um pouco ao reparti-lo, e isso trouxe algum alívio, mas por dentro me senti um tanto abandonado pelo Senhor. Em meu coração vinha sempre da parte dEle a promessa “de maneira nenhuma te deixarei, nunca jamais te abandonarei”, mas a concretude dos fatos tristes que se avolumavam há quase dez meses teimava em pintar um quadro de abandono de Deus em minha mente.

Os primeiros três diagnósticos em Manaus não foram favoráveis: o tumor estava alojado dentro das camadas internas da parede estomacal, colada ao fígado, havendo a necessidade de retirada total do estômago. Um quarto diagnóstico, em São Paulo, em janeiro, revelou que era possível preservar 40% do estômago, mas que parte do fígado deveria ser retirado durante um procedimento cirúrgico aberto. Ouvindo indicações de alguns amados irmãos, também fiz exames e consultas no A. C. Camargo Câncer Center, em São Paulo capital, e o diagnóstico foi um pouco menos desolador: talvez fosse possível preservar 70% a 80% do estômago e apenas uma pequena parte do fígado seria comprometida; a cirurgia poderia ser feita por vídeo-laparoscopia e, dependendo da análise do tecido, uma quimioterapia adjuvante após a retirada poderia ser necessária. Naturalmente que uma cirurgia dessa ordem envolveria algumas sequelas nos meses subsequentes, mas não havia outra opção melhor. Como o que não tem solução solucionado está, optei por esta última. Em todos os casos havia um agravante, estaria sem uma rede de apoio familiar para estar cuidando de minha pessoa no pós-operatório em São Paulo. Minhas jovens filhas, com estudos em andamento, e sem qualquer experiência em cuidar de alguém que ficaria com dieta restrita e talvez movimentação comprometida após a cirurgia (e longe da terrinha), estava longe de ser a melhor opção. Não havia uma solução adequada. E é assim, quando os recursos naturais se esgotam, que começa um milagre.

Ainda no ano passado, quando alguns amigos queridos souberam do meu quadro de saúde, passaram a orar por mim e me animar, quando eu mesmo perdera a vontade de orar. Um silencioso desânimo se instalou em meu coração e havia dias em que a sensação de estar só e sem amparo se intensificava. Aos poucos, outras pessoas se juntaram em oração, ligando, escrevendo mensagens, perguntando, se importando. Amigos próximos mostraram compaixão e outros mais distantes se aproximaram pela oração. Minha igreja em Manaus (Batista de Constantinópolis) e minha outra em São Carlos (Batista Raízes) e alguns preciosos e amados pastores presbiterianos, especialmente os do presbitério de Roraima, por semanas intercederam ao Senhor rogando pelo bom andamento da cirurgia. Com a decisão pela cirurgia em São Paulo, um casal querido, amigos de longa data, oriundo de um grupo de discipulado que liderei por quatro anos durante meu doutorado, – à época dois jovens famintos pela Palavra de Deus, hoje ele, Reginaldo Cresêncio, um pastor cheio de temor e autoridade nas Escrituras e sua esposa, Kelly, uma competente nutricionista e cozinheira espetacular -, prontamente se dispuseram (inúmeras vezes) a me acompanhar e cuidar de mim nos dias que antecedessem e sucedessem a cirurgia, e assim o fizeram. Outros amigos queridos em Manaus se comprometeram a cuidar de quaisquer eventualidades que minha filha, sozinha em casa, viesse a necessitar. Em São Paulo, antevéspera da cirurgia, tive a alegria de participar do culto, após tantos anos, em uma igreja Holiness, berço no qual vim a conhecer a Cristo, e rever irmãos de longa data e conhecer outros novos. Mais irmãos se juntaram em oração. E assim fui submetido à cirurgia no dia 18 de março. O resultado foi muito além do que podia pensar, pedir ou imaginar.

Após consultar cinco médicos diferentes, fazer três ultrassonografias, três endoscopias (uma delas associada a ecografia interna e punção), três tomografias, uma ressonância, e outros exames menores, em cinco clínicas e laboratórios diferentes, o resultado foi sempre o mesmo: GIST de grande proporção alojado dentro da parede estomacal e colado à parede hepática, sendo necessária a extração cirúrgica do tumor e dos tecidos adjacentes. Esse era o cenário humano (mas o Senhor, com é do feitio dEle, dispunha de outros meios). Durante a cirurgia, para a surpresa de todos, o tumor se mostrou pedicular, pois crescia a partir de uma base estreita (um pedículo, como se fosse um cogumelo, com uma cabeça grande e uma haste estreita que ligava o tumor ao tecido estomacal). A área da base era talvez menor que 1 cm de diâmetro, e a área maior, inerte, estava pendurada dentro do estômago. Nenhum exame anterior, mesmo os de imagens e até a punção endoscópica para retirada de amostra de tecido, mostrou que era pedicular, e sim interno às paredes do estômago. O próprio cirurgião mostrou-se alegremente surpreso com o pedículo e com os excelentes resultados. Totalmente atípico e inesperado.

Meus caros, podemos dar qualquer explicação para essa diferença de resultados, desde diferença de interpretação até o uso de diferentes metodologias, mas o resultado é nada menos que milagroso. Sim, afirmo que o Senhor realizou um milagre em todos os sentidos! Como homem de fé e homem de ciência, a única explicação que me traz algum sentido é que o Senhor remodelou completamente o tumor, de algo interno em pedicular. Da estimativa inicial de remoção de 100% do estômago e parte do fígado, a área retirada foi de apenas 1% do estômago e nada do fígado! Um desfecho muito além das melhores expectativas. Um pós-operatório que poderia durar até três meses, com dieta muito restrita e grande perda de peso, e sequelas pelo resto da vida, se reduziu a uma semana de cuidados atenciosos de uma super-nutricionista em tempo integral e um pastor, amigo mais chegado que um irmão.

Decorrido alguns dias da cirurgia, em meu coração pulsa forte a promessa que Ele sussurrou tantas vezes ao meu espírito, “de maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei“. O que antes parecia incerto, sem direção, um futuro sombrio e solitário, cheio de incertezas, foi transformado, ganhando um novo ânimo, uma nova cor. Tudo está aberto para o que virá, pois o Senhor não abandonou seu filho e ouviu as orações de sua Igreja e cuidou de todos os detalhes, como está escrito “E o meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir, em Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades” (Fp 4:19). E é aqui, nesse precioso verso de Fp 4:19, que se mostra o que caracteriza a ação portentosa de Deus: esse cuidado, esse suprir, a ação completa nos mínimos detalhes, e superando os maiores entraves, é o milagre que experimentamos do Senhor todos os dias. Ele há de suprir cada das uma das necessidades de seus filhos, mas às vezes, por desatenção ou distração (e vivemos em um século sobrecarregado de distrações), não percebemos a Sua poderosa mão operando nas muitas áreas de nossas vidas. Às vezes é necessário um tremor na alma, uma angústia mais penetrante, uma perda dolorosa, ou mesmo um tumor canceroso, para percebermos novamente o agir diário do Senhor e renovarmos nossa confiança nEle.

Não sei o que virá, se solidão, saúde, quimioterapia, doenças ou mais tribulações, mas estou confiante que o Senhor levará a bom termo em todos os casos até Aquele Dia, onde veremos a face do nosso amado Redentor, o Senhor Jesus Cristo. A Ele meu louvor, amor e toda adoração.

Solus Christus, Soli Deo Glória!

ps: antes que esqueça, em meio a tudo isso minha filha passou no vestibular em medicina, em 1º lugar!! Deus é bom em todo o tempo, sim, em todo o tempo Deus é bom!

 

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Autor: KELSON MOTA. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Revisão e Edição por Vinicius Lima.