Desmascarando o abuso físico

A dinâmica do abuso físico

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O SENHOR é a minha rocha,

a minha cidadela, o meu libertador;

o meu Deus, o meu rochedo em que me refugio;

o meu escudo, a força da minha salvação,

o meu baluarte e o meu refúgio. 

Ó Deus, da violência tu me salvas.

(2Sm 22.2–3)

 

Fazia dois meses que eu vira Amélia pela última vez. Hoje ela se sentou tremendo no meu gabinete de aconselhamento. Seus braços estavam machucados e suas lágrimas não cessavam. Obviamente, o que quer que lhe acontecera no fim de semana fora horrível. Era evidente que ela sentia muita dor ao se mexer, e ainda mais dor ao se lembrar.

Choramos juntas por um tempo. Enquanto Amélia chorava, sua maquiagem se desfez, revelando dois olhos roxos. Então um novo detalhe surgiu quando sua maquiagem continuou a desaparecer: pequenas manchas vermelhas ao redor de seus olhos e de suas bochechas. No mesmo instante, a ficha caiu — e precisei me controlar muito para não ofegar. Aqueles pequenos pontos vermelhos — petéquias — me diziam que Amélia havia sido estrangulada. Ela tinha sorte de estar viva.

Seis meses antes, Amélia revelara que as discussões com seu marido duravam horas e que ele não a deixava sair de casa. Os rompantes de ira dele estavam ficando cada vez mais intensos; ele agora explodia por questões triviais, como a escolha de um restaurante onde jantar ou o modo como sua cama era feita. O medo que Amélia tinha dele crescia. Ela sentia que qualquer mudança que tentasse fazer na situação deles — como pedir que seu marido procurasse aconselhamento, chamar o pastor para conversar com ele ou separar-se temporariamente dele — o enfureceria ainda mais. Eu perguntei se ele já tinha sido fisicamente violento para com ela, e ela disse que ele havia batido nela uma única vez, anos atrás. À medida que lhe fazia mais perguntas, descobri que era comum ele a seguir pela casa ou chutar coisas quando estava com raiva.

Um mês depois, Amélia me disse que Alex a levara para jantar em um restaurante no aniversário dela. Quando ela abriu seu presente, ele ficou chateado. Ele achou que a reação dela e a gratidão que ela mostrara eram insuficientes. Alex saiu do restaurante abruptamente, deixando-a sozinha para que cancelasse o pedido. Seu modo de dirigir de volta para casa foi tão errático que a deixou assustada. Amélia lhe pediu para desacelerar, e ele então freou com tanta força que ela bateu a cabeça na janela. Quando ela tentou sair do carro, ele travou as portas, dirigindo como um maníaco enquanto gritava com ela.

Depois de me contar sobre aquela noite, Amélia passou a ter dificuldade em vir ao aconselhamento. Eu expressava gentilmente minha preocupação com sua segurança e lhe perguntava se podíamos considerar algumas medidas de segurança para ela. Seu coração estava dividido. Em um intervalo de cinco minutos, ela oscilava entre dizer que estava com muito medo de fazer qualquer coisa que aborrecesse Alex e, logo em seguida, afirmar que eu estava sendo exagerada. Em um momento, ela estava tão paralisada de medo que não conseguia falar sobre um plano de segurança; no momento seguinte, era até mesmo ridículo pensar que um plano era necessário.

Com frequência, Amélia tentava me convencer de que Alex não era tão ruim assim. Embora aquilo fosse doloroso e preocupante, também era familiar, porque muitas vítimas reagem da mesma forma. Não fiquei surpresa quando ela parou de vir. Sentar-se comigo significava encarar (ou pelo menos falar sobre) o pesadelo em que ela vivia — não era fácil.

A história de Amélia ficou na minha mente — e não apenas por causa da intensidade de seu clímax: ela escapou do estrangulamento apenas porque um vizinho, enquanto passeava com o cachorro, ouviu seus gritos por socorro e chamou a polícia. O que realmente me chamou a atenção foi a rapidez com que Alex recorrera à violência letal. No período de dez semanas, ele passara de um comportamento agressivo para o uso de força mortal.

Isso é algo que todos nós — tanto conselheiros quanto vítimas — temos de reconhecer: a violência é imprevisível e pode aumentar rapidamente. Temos de levar a sério todas as suas ocorrências.

O que é abuso físico?

O abuso físico envolve o uso intencional ou imprudente da força física de uma forma que possa resultar em lesões corporais ou dor física. Também inclui ações que levem a sofrimentos físicos, como impedir alguém de dormir ou de receber cuidados médicos.

O abuso físico não precisa causar dor ou deixar um hematoma. Um cônjuge que faz qualquer coisa desde jogar objetos contra a vítima até sufocá-la ou bater nela está sendo fisicamente abusivo. O abuso físico pode ser dirigido contra o cônjuge, os filhos ou animais de estimação. A história de Amélia é um caso que envolveu um perigo de intensidade particularmente alarmante, mas todas as ocorrências de abuso físico são significativas e requerem atenção e cuidados imediatos.

Nenhuma quantidade de violência é aceitável em um casamento. Ser casado não obriga ninguém a suportar violência ou qualquer outra forma de controle coercitivo. Ser casada não significa que uma esposa deva ignorar o abuso de seu marido. Deus não quer que valorizemos o casamento mais do que valorizamos a vida e a segurança de uma esposa ou o arrependimento de um marido. Portanto, uma vítima não deve ser levada a achar que precisa esperar a violência de seu opressor se intensificar antes de reagir a ela ou pedir ajuda. Quando um marido abusa de sua esposa, ele profana a imagem de Deus nela. Este é um padrão severo de pecado, e precisamos responder claramente a tal pecado.

A dinâmica do abuso físico

Muitas pessoas com quem falo — até mesmo vítimas — são rápidas demais em descartar ou minimizar a violência quando esta ocorre em um casamento. Algumas veem o abuso físico como ocasional e ficam enganosamente aliviadas quando o episódio violento termina. Mas a violência física não é apenas um evento ou uma série de eventos; ela ocorre em casamentos nos quais as esposas também estão sendo submetidas a outras formas de abuso. É apenas uma forma de controle coercitivo.

O que está acontecendo no coração de um marido que usa de violência contra sua própria esposa? O equívoco mais comum que ouço é que um marido violento fica tão irado que perde o controle. No entanto, é exatamente o oposto: um opressor usa de violência para manter o controle.

Pense em como nós mesmos muitas vezes experimentamos a ira. Parece uma resposta automática, geralmente uma que somos rápidos em justificar. Algo irritante, inconveniente ou assustador acontece conosco, então reagimos. Talvez eu me surpreenda com minha ira e me pergunte: “De onde veio isso?”. Ela não parece conectada a mim; é algo feio demais para ser meu.

Jeremias 17.9 nos lembra de que somos maus intérpretes de nosso próprio coração. “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?” Portanto, devemos olhar para as Escrituras para entender nosso coração.

Nossa ira não é automática. Na verdade, mais do que provocada, ela é exposta. A ira é uma expressão do que está dentro do coração de uma pessoa (cf. Lc 6.43–45). Já falamos longamente sobre as atitudes de presunção que residem no coração de um opressor e sobre como o opressor pune os outros para manter o poder e o controle (cf. capítulo 3). Mas tantas pessoas têm dificuldade de entendê-lo que é preciso repetir: o autor da violência não está “fora de controle”. É justamente o oposto: um opressor usa a violência para manter o controle.

Dois exemplos de líderes opressivos na Bíblia mostram como a violência pode ser usada para manter o controle. O primeiro é Herodes. “Vendo-se iludido pelos magos, enfureceu-se Herodes grandemente e mandou matar todos os meninos de Belém e de todos os seus arredores, de dois anos para baixo, conforme o tempo do qual com precisão se informara dos magos.” (Mt 2.16). Seu desejo de manter seu poder e trono o levou a ordenar o assassinato em massa de bebês e crianças pequenas. Além dele, houve Hamã. “Vendo, pois, Hamã que Mordecai não se inclinava, nem se prostrava diante dele, encheu-se de furor. Porém teve como pouco, nos seus propósitos, o atentar apenas contra Mordecai, porque lhe haviam declarado de que povo era Mordecai; por isso, procurou Hamã destruir todos os judeus, povo de Mordecai, que havia em todo o reino de Assuero” (Et 3.5–6). Hamã também ordenou assassinato para manter sua honra e poder. Esses dois homens estavam dispostos a matar grupos inteiros de pessoas, a fim de preservar seu poder — assim como Abimeleque fez na parábola dos espinheiros. Maridos fisicamente abusivos utilizam a violência para o mesmo fim: manter seu poder e controle.

Aqui estão três maneiras pelas quais Alex usava o abuso físico para controlar Amélia e conseguir impor a sua vontade:

  • No carro, se Amélia falasse de assuntos difíceis, como finanças, Alex dirigia agressivamente e a assustava. Ela aprendeu a não “estressá-lo” enquanto dirigissem (ou em momento nenhum, na verdade).
  • Se Alex chegasse em casa e o jantar não estivesse pronto, esperando-lhe, ele saía pela casa chutando coisas, quebrando-as e bagunçando tudo. Ele condicionou Amélia a deixar o jantar pronto a tempo.
  • Depois de Amélia voltar de um passeio com amigas, Alex a seguia pela casa e exigia saber cada detalhe. Se ele não gostasse de quanto dinheiro ela havia gastado ou das companhias que ela tivera, ele obstruía a passagem e a atormentava até que ela pedisse desculpas. Amélia parou de se encontrar com as amigas; não valia a pena o estresse.

Algumas mulheres sofrem violência raramente; outras, mais rotineiramente; mas algumas poucas dentre elas sofrem abuso físico diário. Cada caso será muito diferente. Permaneça alerta para padrões que se desenvolvem ao longo do tempo. Não presuma que o fato de uma vítima não ter sofrido um incidente violento no passado recente signifique que outros abusos também não lhe estejam acontecendo. Outras formas de controle coercitivo estão provavelmente presentes em seu casamento. O abuso ocorre de muitas formas: emocional, financeira, espiritual e sexual. Como foi o caso com Amélia, o abuso físico é apenas uma maneira pela qual os opressores controlam suas vítimas. Um opressor cercará uma vítima com uma variedade de táticas diferentes.

 

O trecho abaixo foi extraído com permissão do livro Desmascarando o abuso, de Darby A. Strickland, Editora Fiel

Por: Darby A. Strickland. ©️ Voltemos Ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Fonte: Desmascarando o Abuso. Editor e revisor: Renata Gandolfo.