Uma Cartilha de Disciplina Eclesiástica (Jonathan Leeman) (1/4)

O que você pensaria de um treinador que instrui os seus jogadores, mas nunca os faz exercitarem-se? Ou de um professor de matemática que explica a lição, mas nunca corrige os erros de seus alunos? Ou de um médico que fala sobre saúde, mas ignora um câncer?

Você provavelmente diria que todos eles estão fazendo apenas metade do seu trabalho. Treinamento atlético requer instruir e exercitar. Ensino requer explicar e corrigir. Medicina requer encorajar uma vida saudável e tratar a doença. Correto?

Então, o que você pensaria de uma igreja que ensina e discipula, mas não pratica a disciplina eclesiástica? Isso faz sentido para você? Eu presumo que faça sentido para muitas igrejas, porque toda igreja ensina e discipula, mas pouquíssimas praticam a disciplina eclesiástica. O problema é que fazer discípulos sem disciplina faz tanto sentido quanto um médico que ignora tumores.

Eu compreendo a relutância em praticar a disciplina eclesiástica. É um assunto difícil por uma série de razões. Ainda assim, essa relutância em praticar a disciplina eclesiástica, uma relutância que muitos de nós provavelmente sentem, pode sugerir que nós nos achamos mais sábios e mais amorosos do que Deus. Deus, afinal, “corrige o que ama” e “açoita a qualquer que recebe por filho” (Hb 12.6, ARC). Sabemos mais do que Deus?

Deus disciplina seus filhos para o bem de sua vida, crescimento e saúde: “Deus, porém, nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade” (Hb 12.10). Sim, é doloroso, mas vale a pena: “Toda disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça” (Hb 12.11). Um fruto de justiça e paz! Essa é uma linda imagem.

A disciplina eclesiástica, em última instância, conduz ao crescimento da igreja, assim como podar uma roseira faz que ela dê mais frutos. Dizendo de outra maneira, a disciplina eclesiástica é um aspecto do discipulado cristão. Observe que as palavras “discípulo” e “disciplina” são primas etimológicas. Ambas as palavras são tomadas do campo da educação, o qual envolve ensino e correção. Não surpreendentemente, há uma prática antiga de referir-se a “disciplina formativa” e “disciplina corretiva”.

Meu alvo nesta cartilha é introduzir o leitor aos aspectos básicos da disciplina eclesiástica corretiva – o “quê”, o “quando”, o “como”, e algumas palavras a mais sobre o “porquê”.

O que é disciplina eclesiástica?

O que é disciplina eclesiástica corretiva? Disciplina eclesiástica é o processo de corrigir o pecado na vida da congregação e dos seus membros. Isso pode significar corrigir o pecado por meio de uma admoestação feita em particular. E pode significar corrigir o pecado ao remover formalmente um indivíduo da membresia. A disciplina eclesiástica pode ser feita de uma série de maneiras, mas o alvo é sempre corrigir as transgressões da lei de Deus entre o povo de Deus.

Não retributiva, mas terapêutica, profética e proléptica

Essa correção do pecado não é um ato retributivo; não é a execução da justiça de Deus, per se. Em vez disso, é terapêutica, profética e proléptica. Por terapêutica, quero dizer que a disciplina é designada para ajudar o cristão individual e a congregação a crescerem em piedade – em semelhança a Deus. Se um membro da igreja é dado a fofocas ou calúnias, outro membro deveria corrigir o pecado de modo que o fofoqueiro irá parar de fofocar e, ao invés disso, passar a falar palavras de amor. Deus não usa suas palavras para ofender sem razão, tampouco o seu povo deveria fazê-lo.

Ao dizer que a disciplina eclesiástica é profética, quero dizer que ela faz brilhar a luz da verdade de Deus sobre o erro e o pecado. Ela expõe o câncer na vida de um indivíduo ou do corpo, de modo que o câncer possa ser arrancado. O pecado é um mestre dos disfarces. A fofoca, por exemplo, gosta de usar a máscara da “preocupação piedosa”. O fofoqueiro pode pensar que suas palavras são moderadas, generosas até. Contudo, a disciplina eclesiástica expõe o pecado como ele é. Ele expõe o pecado tanto para o pecador como para os demais envolvidos, de modo que todos podem aprender e beneficiar-se.

Ao dizer que a disciplina eclesiástica é proléptica, quero dizer que ela é uma pequena figura do julgamento, no presente, que alerta sobre um julgamento muito maior por vir (p. ex. 1Co 5.5). Esse alerta não é outra coisa senão gracioso. Suponha que um professor dê notas acima da média para um aluno ao longo do semestre, embora suas provas merecessem notas abaixo da média, com medo de desencorajá-lo; então, no final do semestre, o professor reprova o aluno. Isso não seria gracioso! Do mesmo modo, a disciplina eclesiástica é uma maneira amorosa de dizer a um indivíduo pego em pecado: “Cuidado, uma penalidade muito maior sobrevirá se você continuar nesse caminho. Por favor, volte atrás agora.”. Não é surpreendente que as pessoas não gostem da disciplina. É difícil. Mas quão misericordioso é Deus em avisar o seu povo do grande julgamento por vir, de modos comparativamente menos severos!

Fundamentos bíblico-teológicos

Por trás da disciplina eclesiástica está um dos projetos primordiais da história redentiva – o projeto de restaurar o povo caído de Deus ao lugar onde eles irão, mais uma vez, refletir a imagem de Deus à medida que estendem o seu governo benevolente e vivificador por toda a criação (Gn 1.26-28; 3.1-6).

Adão e Eva deveriam refletir a imagem de Deus. Assim também o reino de Israel. Contudo, a falha de Adão e Eva em representar o governo de Deus, impelida pelo desejo de governar em seus próprios termos, resultou no seu exílio do lugar de Deus, o Jardim. A falha semelhante de Israel em guardar a lei de Deus e refletir o caráter de Deus às nações também resultou em um exílio.

Como criaturas feitas à imagem de Deus, nossas ações intrinsecamente falam sobre ele, como espelhos representando o objeto com o qual se deparam. O problema é que a humanidade caída distorce a imagem de Deus, como espelhos de superfície ondulada. Uma vez que a humanidade caída fala mentiras, por exemplo, o mundo conclui que as próprias palavras de Deus não são confiáveis. Ele, também, deve ser um mentiroso.Tal é a criatura, tal deve ser o seu criador.

Ainda bem que um filho de Adão, um filho de Israel de fato guardou a lei de Deus perfeitamente; o mesmo a quem Paulo descreveria como “a imagem do Deus invisível” (Cl 1.15). Agora, aqueles que estão unidos a esse Filho são chamados a carregarem essa mesma “imagem”, o que nós aprendemos a fazer por meio da vida da igreja, “de um degrau de glória a outro” (ver 2Co 3.18); Rm 8.29; 1Co 15;49; Cl 3;9-10).

Igrejas locais deveriam ser aqueles lugares na terra aonde as nações podem ir para encontrar humanos que crescentemente refletem a imagem de Deus de modo verdadeiro e honesto. À medida que o mundo contempla a santidade, o amor e a unidade em igrejas locais, ele irá conhecer melhor como Deus é e irá render-lhe louvor (p. ex. Mt 5.14-16; Jo 13.34-35; 1Pe 2.12). A disciplina eclesiástica, então, é a resposta da igreja quando um dos seus falha em representar a santidade, o amor e a unidade de Deus, desobedecendo a Deus. É um esforço para corrigir falsas imagens à medida que elas se levantam na vida do corpo de Cristo, quase como polir manchas de sujeira para removê-las de um espelho.

Passagens específicas

Jesus concede a congregações locais a autoridade para disciplinar os seus em Mateus 16.16-19 e 18.15-20. O poder das chaves para ligar e desligar na terra, primeiro mencionado em Mateus 16.18, é entregue à congregação local em Mateus 18.15-20, o que consideraremos mais cuidadosamente adiante. Paulo descreve o processo da disciplina eclesiástica em uma variedade de lugares, incluindo 1Coríntios 5, 2Coríntios 2.6, Gálatas 6.1, Efésios 5.11, 1Tessalonicenses 5.14, 1Timóteo 5.19-20, 2Timóteo 3.5 e Tito 3.9-11.

João se refere a um tipo de disciplina em 2João 10. Judas parece tê-la em mente em Judas 22 e 23. Mais exemplos poderiam ser mencionados. De fato, a disciplina eclesiástica é o que Jesus e os autores bíblicos têm em mente cada vez que eles dizem aos seus ouvintes que corrijam o pecado em suas vidas conjuntamente.

Extraído do site www.9marks.org. Copyright © 2013 9Marks. Usado com Permissão. Original: A Church Discipline Primer

Tradução: Vinícius Silva Pimentel – Ministério Fiel © Todos os direitos reservados. Website: www.MinisterioFiel.com.br / www.VoltemosAoEvangelho.com. Original:  Uma Cartilha de Disciplina Eclesiástica (Jonathan Leeman) (1/4)

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