Um blog do Ministério Fiel
A história do inferno: de 30 a 200 d.C.
O que os cristãos creram a respeito do inferno ao longo da história?
Após uma introdução das três principais visões sobre o inferno, apresentamos aqui grandes nomes da história e o que defendiam sobre o assunto. (acesse a introdução para ver o índice)
Textos cristãos primitivos
A Didaquê, ou Ensino dos doze apóstolos, é um texto anônimo que data do fim do primeiro século ou início do segundo, o que o torna um dos mais antigos textos cristãos não-canônicos. Um de seus temas centrais é a instrução moral, organizada em “dois caminhos”: o “caminho da vida” e o “caminho da morte”. Cada “caminho” consiste em uma lista de ações que caracterizam os que o trilham.
O mesmo tema se acha na Epístola de Barnabé, outro texto não-canônico da igreja primitiva. Esses escritos cristãos primitivos confirmam um vínculo estreito entre comportamento moral e destino eterno, mas mostram pouco interesse em detalhar a punição eterna sobre a qual advertem.
Outros textos, com o Apocalipse de Pedro, vão ainda mais longe, fornecendo descrições sensacionalistas de punições correspondentes a determinados pecados. Esta citação, por exemplo, mostra como seriam punidos os adúlteros: “E havia também mulheres, penduradas pelos cabelos acima de um lodo em ebulição; eram aquelas que se haviam ataviado para o adultério. E os homens que as acompanhavam na corrupção do adultério eram pendurados pelos pés, com a cabeça enfiada no lodo, dizendo: ‘Jamais cremos que chegaríamos a este lugar’”. Esse tema ressurgiria com frequência nas concepções medievais acerca do inferno (dentre as quais a de Dante), mas também encontrou eco surpreendente nos manuscritos de Cunrã.
Justino Mártir (c. 103-165)
Justino Mártir se converteu da filosofia pagã ao cristianismo, e sua contribuição teológica mais marcante foi a formulação de que o Logos eterno, a Palavra de Deus, estava ativa em forma “seminal” em todas as pessoas. Isso permitiu a Justino defender a crença de que os cristãos podem se apossar de tudo o que for bem expresso pelos pagãos: “Tudo o que foi bem expresso entre todos os homens pertence a nós, cristãos […] Pois todos os escritores conseguiram enxergar realidades obscuramente, por meio da palavra que tinha sido neles semeada e implantada. Pois uma coisa é a semente e a imitação compartilhada levando em conta a capacidade, mas outra bem diferente é a coisa em si, cuja participação e imitação dependem da graça que procede dele”.
Embora Justino tivesse reservas quanto às implicações desse entendimento para o destino eterno dos pagãos, suas crenças sobre o Logos inspiraram a especulação cristã em torno dos “pagãos virtuosos”, os quais poderiam obter acesso à verdade de Cristo de alguma maneira, independentemente dos meios convencionais ― o que fez de Justino o pai da tradição inclusivista dentro do cristianismo.
Clemente de Alexandria (c. 150-215)
Clemente de Alexandria foi talvez o primeiro escritor cristão a falar da apocatástase, o retorno a Deus de todos os seres criados. Foi ele também quem propôs que as chamas do juízo são de purificação e não de destruição. No entanto, não desenvolveu suas convicções de forma sistemática.
Ireneu (fim do segundo século)
Ireneu, bispo de Lião, é largamente conhecido por sua refutação do gnosticismo. Os gnósticos usavam o texto de 1Coríntios 15.50 — “Carne e sangue não podem herdar o reino de Deus” ―, fora de contexto, para assim rejeitar a ressurreição do corpo. Ireneu contra-argumentava, afirmando que Jesus assumiu a natureza humana justamente para remir todos os aspectos da humanidade, mesmo nosso corpo. Ireneu descrevia a Queda como o engano, nas mãos de Satanás, de um Adão e de uma Eva inocentes e pueris. Embora Ireneu cresse na punição eterna, ressaltava a redenção da humanidade como um todo por meio de Jesus, crendo na condenação como destino somente aos que escolhessem rejeitar a redenção.
Tertuliano (c. 160-220 d.C.)
Tertuliano, o veemente apologista cristão do norte da África, representava de modo eloquente os aspectos mais rigorosos do pensamento cristão primitivo. Cria que os pecados graves cometidos após o batismo não podiam ser perdoados, e com base nessa crença rejeitava o batismo infantil. Em seus escritos contra o paganismo, frisou que as chamas eternas avivadas pelas virgens vestais (sacerdotisas aristocráticas da religião romana tradicional) eram o símbolo perfeito do destino que as aguardava após a morte.