O debate sobre o sabá (sábado ou sabbath)

A questão da observância do sabá[1], historicamente, tem provocado muitos debates e controvérsias que envolvem distintos problemas. O primeiro grande debate acerca do sabá é se, como uma ordenança do Antigo Testamento particularmente enfatizada na aliança mosaica, ele ainda é obrigatório no contexto do cristianismo da nova aliança. Agostinho, por exemplo, acreditava que nove dos Dez Mandamentos (a assim chamada “lei moral” do Antigo Testamento) permaneciam intactos e recaíam como obrigação sobre a igreja cristã. Sua única exceção era o mandamento concernente ao dia do sabá. Uma vez que Paulo falara sobre guardar ou não guardar o sabá como uma questão adiáfora (indiferente), Agostinho estava convencido de que a lei do sabá do Antigo Testamento fora abrogada. Outros têm sustentado que, por não ter sido originalmente instituído na economia mosaica, mas na criação, o sabá mantém seu caráter de lei moral enquanto a criação estiver intacta.

A segunda principal controvérsia é a questão acerca do dia da semana em que o sabá deve ser observado. Alguns insistem que, uma vez que o sabá foi instituído no sétimo dia da semana, quando Deus descansou de sua obra, e uma vez que os israelitas do Antigo Testamento celebravam o sabá no sétimo dia da semana, que é o sábado, nós deveríamos seguir esse padrão. Outros têm insistido que o Novo Testamento mudou o sabá para o primeiro dia da semana, por causa da significância da ressurreição de Jesus naquele dia. Eles também apontam a prática neotestamentária dos cristãos de se reunirem no domingo, o Dia do Senhor, para cultuar. A discussão diz respeito a se o sabá é um mandamento cíclico que exige culto e descanso num dia a cada sete, ou se deve ser observado num dia da semana em particular. João Calvino sustentava que seria legítimo ter um sabá em qualquer dia, se houvesse consenso de todas as igrejas, porque o princípio em vista seria o ajuntamento regular dos santos para adoração corporativa e para a observância do descanso.

Na tradição reformada, a controvérsia mais importante que surgiu durante os séculos é a questão de como o sabá deve ser observado. Há duas posições proeminentes na tradição reformada acerca dessa questão. Para simplificar, referiremo-nos a elas como a visão continental do sabá e a visão puritana do sabá. Ambas as visões reconhecem que o sabá continua em vigor. Ambas as visões concordam que o sabá é um período para adoração corporativa. Ambas concordam que o sabá é um dia de descanso em que os crentes devem se abster de comércios desnecessários. Mas há duas áreas de disputa entre as duas escolas e a mais importante delas é a questão da recreação. Será a recreação uma forma legítima de gozar o descanso, ou será a recreação algo que arruína a santa observância do dia do sabá?

A visão puritana argumenta contra a aceitabilidade da recreação no dia do sabá. O texto mais comumente citado para sustentar essa visão é Isaías 58.13-14, que diz: “Se desviares o pé de profanar o sábado e de cuidar dos teus próprios interesses no meu santo dia; se chamares ao sábado deleitoso e santo dia do SENHOR, digno de honra, e o honrares não seguindo os teus caminhos, não pretendendo fazer a tua própria vontade, nem falando palavras vãs, então, te deleitarás no SENHOR. Eu te farei cavalgar sobre os altos da terra e te sustentarei com a herança de Jacó, teu pai, porque a boca do SENHOR o disse”.

O ponto crucial dessa passagem é a repreensão profética às pessoas que cuidavam de seus próprios interesses no dia do sabá. A presunção que muitos estabelecem nesse texto é que cuidar dos próprios interesses se refere à recreação. Se for esse o caso, o profeta Isaías está acrescentando novas dimensões à lei do Antigo Testamento concernente à guarda do sabá. Enquanto o resto do Antigo Testamento virtualmente silencia a respeito da recreação, esse texto em Isaías é citado para indicar uma revelação adicional de Deus acerca da observância do sabá – uma proibição de recreação.

Há um outro modo de entender Isaías 58, contudo, seguindo o pensamento daqueles que mantêm a visão continental do sabá. A distinção em Isaías 58 é entre fazer o que agrada a Deus e fazer o que agrada a nós mesmos em oposição àquilo que agrada a Deus. Presumivelmente, o que está em questão na repreensão do profeta é o julgamento de Deus contra os israelitas por violarem a lei mosaica com respeito ao dia do sabá, particularmente em relação ao envolvimento no comércio. Havia israelitas que desejavam poder comprar e vender sete dias por semana, não apenas seis dias por semana. Portanto, eles violavam o mandamento do sabá ao buscarem seus próprios interesses, que consistiam em fazer negócios no sabá em vez de fazer o que era agradável a Deus. De acordo com essa visão, o texto nada diz, direta ou indiretamente, acerca da recreação no dia do sabá.

Há uma antiga história, talvez apócrifa, de que quando John Knox veio a Genebra visitar João Calvino em sua casa, no sabá, ele teria se espantado ao encontrar Calvino participando de um jogo de bocha. Se for verdadeiro, o evento pode indicar que o teólogo mais devotado à guarda do sabá na história, Calvino, não considerava a recreação uma quebra do Dia do Senhor, mas uma parte do descanso ou da recreação que deve ser parte desse dia. A recreação nunca seria aceitável para Calvino se interrompesse ou suplantasse o tempo dedicado ao culto no sabá.

Um outro ponto de debate permanece entre os dois lados dessa polêmica. Ele diz respeito às obras de misericórdia realizadas no sabá. O exemplo de Jesus é citado para afirmar que, no sabá, ele se envolvia não apenas em culto e descanso, mas também em obras de misericórdia. Tais obras o puseram em conflito com os fariseus acerca da questão da guarda do sabá. Alguns têm chegado à conclusão de que, uma vez que Jesus realizou obras de misericórdia no sabá, o cristão está obrigado a fazer o mesmo. Contudo, o fato de que Jesus fez obras de misericórdia no sabá, embora claramente revele que é lícito fazê-lo, não nos obriga a fazer tais obras no sabá. Em outras palavras, o exemplo de Jesus nos ensina que nós podemos fazer obras de misericórdia no sabá, mas não que nós devemos fazer tais obras no sabá.

Todas essas questões continuam a ser examinadas e debatidas à medida que a igreja busca compreender como Deus é mais honrado nesse dia.


Notas:

[1] N.E.: Sabá é a transliteração em português do termo em hebraico. Alguns textos usam sábado ou sabbath (transliteração em inglês). Optamos por sabá por ser um termo em português e distinto do dia da semana. Contudo, não se deve confundir com a rainha de Sabá de 1 Reis 10:4.

[dt_vc_list style=”1″ dividers=”true”]Observação:

Este artigo é parte da série “Sabá: O Debate Incansável”, na qual serão publicados artigos defendendo diferentes posições para que nosso leitor tenha uma compreensão mais abrangente sobre o assunto. Sendo assim, a postagem de uma posição específica não indica o posicionamento oficial deste ministério. Veja a lista de artigos sobre o assunto:

  1. O debate sobre o sabá (sábado ou sabbath)
  2. O debate sobre o sabá: a guarda do sábado, o sétimo dia
  3. O debate sobre o sabá: o domingo puritano
  4. O debate sobre o sabá: o descanso luterano
  5. O debate sobre o sabá: o sábado cumprido em Cristo
  6. O debate sobre o sabá: descansar em Cristo é o principal

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Por: R. C. Sproul. © 2011 Ligonier Ministries. Original: Defining the Debate.

Este artigo faz parte da edição de Junho de 2011 da revista Tabletalk.

Tradução: Vinícius Silva Pimentel. © 2014 Ministério Fiel. Todos os direitos reservados. Website: MinisterioFiel.com.br. Original: Sabá: Definindo o Debate.

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