Confusão sexual

Levítico 18.23 descreve a bestialidade, quer praticada por homem ou mulher, como tebel, um substantivo usado para descrever a confusão das línguas em Babel. Tebel é frequentemente traduzido como “confusão”. Isso faz sentido. A bestialidade cruza os limites criados entre animais e seres humanos. É, reconhecidamente, uma “confusão”.

A palavra é usada em Levítico 20.12, que trata da pena para quem se deitar com a sua nora. Isso também é “confusão”. Esses são os dois únicos usos da palavra na legislação sexual de Levítico 18 e 20.

Por que fazer sexo com uma nora é tebel não é tão óbvio. Devemos entender que um homem se deitar com sua nora é, de algum modo, análogo à bestialidade? Como? Isso é mais parecido com a bestialidade do que outras formas de incesto? De que maneira? O que torna um incesto com uma nora “confusão”, e dormir com sua mãe, tia ou irmã não confusão? Por que descobrir a nudez de uma nora é confusão, ao passo que o sexo entre dois homens não é? Este último é descrito como to’evah (“abominação” – Levítico 18.22; 20.13).

Podemos começar observando que os termos usados para avaliar diferentes formas de pecado sexual podem não ser exclusivos. A bestialidade é tebel e os atos homossexuais são to’evah, mas no final de Levítico 18, to’evah cobre todas as formas de sexo proibido: “nenhuma destas abominações fareis, nem o natural, nem o estrangeiro que peregrina entre vós” (Levítico 18.26; cf. vv. 27, 29, 30). Embora o incesto materno e os atos homossexuais não sejam explicitamente descritos como tebel, a palavra pode, todavia, ser aplicada.

As leis sexuais de Levítico pressupõem uma ordem da criação e uma ordem do casamento. Há uma ordem da criação porque Deus fez categorias naturais, e estabeleceu limites separando essas categorias. Animais são animais e homens são homens, e eles não devem formar uma só carne. Gênesis 2, onde Adão fracassa em encontrar uma parceira entre os animais, é o pano de fundo. Semelhantemente, a diferenciação que Deus faz do ser humano entre macho e fêmea é a raiz da proibição dos atos homossexuais. Deus construiu Eva em um procedimento “sacrificial” de divisão e reunião; a homossexualidade envolve atos de “descriação”, assim como fazem as águas das enchentes quando anulam a divisão de terra e mar.

A linguagem das leis para bestialidade tanto no capítulo 18 como no 20 lançam mais luz. Em Levítico 18.23, homens são proibidos de “deitar-se” com um animal, e mulheres são proibidas de “pôr-se perante” um animal para “ajuntar-se” com ele. “Pôr-se perante” é linguagem sacerdotal (Deuteronômio 10.18). Semelhantemente, em 20.16, a mulher “achega-se” (qarab) a um animal, um verbo que, em Levítico, normalmente traz uma conotação litúrgica (Levítico 1.1-3). “Achegar-se” a um parceiro sexual proibido é análogo, se não idêntico, ao sacrilégio, uma violação do “lugar santo”.

Essas analogias litúrgicas/sexuais sugerem a lógica dessas leis. As categorias criadas e diferenciações manifestam a diferença entre o Criador e a criatura, por trás da qual está a diferença trinitariana entre o Pai, o Filho e o Espírito, a causa última da diferenciação na ordem criada. A tebel envolvida na bestialidade não é apenas uma confusão das categorias naturais, mas a confusão última: adorar a criatura no lugar do Criador.

Os limites sociais e culturais não estão incorporados na criação. Um pai possui uma relação biológica com seu filho, mas nenhum relacionamento biológico com sua nora. Se a considerarmos como um ser natural, a nora não está fora de cogitação. Provavelmente ela é mais nova que o homem, mas não há nada na Torá que proíba Outubro de casar-se com Maio[1]. O que a deixa fora de cogitação é o fato de que existe um vínculo conjugal entre seu marido, o filho do homem, e ela. Como uma instituição, o casamento é de Deus; é uma instituição divina. Cada casamento específico também é uma criação de Deus: “O que Deus criou, não separe o homem”. Mas esse ato divino de criar um matrimônio é mediado por uma ação humana. Um ministro, não o próprio Deus, declara o casal “marido e mulher”. Violar este limite divino-humano é uma confusão de tipos e categorias tanto quanto o é a confusão de um homem ou mulher que se deita com um animal.

Aqui, mais uma vez, fica evidente a analogia da vida sexual e litúrgica. O casamento é um mecanismo sacrificial criativo, uma separação (“deixar e unir-se”) que conduz a uma transformação (Adão tornou-se um ‘ish [varão] quando ele vê a ‘ishshah [varoa]) e união (“uma só carne”). Por causa da virtude do “sacrifício” do casamento, um homem e uma mulher compartilham uma só coberta. O sacrifício original externo ao Éden culminou em “cobertas” para Adão e Eva, que encobriram a vergonha de sua nudez. Como marido e mulher, eles foram cobertos por uma única coberta. “Encobrir a nudez” de alguém que não seja a pessoa que compartilha da mesma coberta sacrificial inverte o mecanismo sacrificial do casamento. Descobrir a nudez evidencia vergonha; é um ato de não-sacrifício. Apesar de realizadas por seres humanos, as cerimônias de casamento criam novos tipos e categorias. O próprio Deus realiza o ato sacrificial de separação e união que faz o casamento, e cria novas categorias para as pessoas envolvidas. Uma mulher torna-se “nora”, ao passo que um homem se torna “genro”. E esses tipos não devem ser misturados.

A “confusão” envolvida no incesto com uma nora está relacionada com a violação de limites geracionais. A sucessão geracional é natural, mas esses limites naturais tornam-se relevantes em Levítico por causa do casamento. Um homem que toma a esposa de seu pai confunde “filho” e “marido” e, talvez, intente apoderar-se da posição do seu pai (vide Absalão com as concubinas de Davi). Um homem que descobre a nudez de sua nora cruza um limite geracional na outra direção. Ele é potencialmente pai e avô de seus filhos. Ele não se apodera da autoridade do velho, mas do futuro do jovem. Ele confunde gerações no momento em que reivindica um futuro que não é seu. Há tebel em qualquer incesto intergeracional, mas, novamente, isto não é simplesmente uma questão de idade. O que faz com que essas relações sexuais se tornem “confusão” é a instituição social e divino-humana do casamento.

Levítico visa a “humanizar” Israel, para libertá-lo das estruturas bestiais do paganismo e da sexualidade indiferenciada dos animais. E é uma humanização que é altamente relevante para a nossa atual tebel sexual. Precisamos ser lembrados de que Deus considera invioláveis tanto os limites “naturais” como certos limites “culturais”. A relação “social” do casamento é uma construção do próprio Deus.

[1] Alusão jocosa do autor possivelmente às várias superstições populares no tocante ao mês bom para se casar e/ou à compatibilidade entre os signos do Zodíaco. (Nota do Tradutor.)

Por: Peter Leithart. © Patheos. Website: patheos.com. Traduzido com permissão. Fonte: Confusion.

Original: Confusão sexual. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Tradução: Leonardo Bruno Galdino.