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Theodoro Beza – Fé e Justificação (Parte 1) (Reforma500)
Nós cremos no Espírito Santo; ele é o poder essencial do Todo-Poderoso e do Filho (Gênesis 1.2). Ele mora neles e é coeterno e consubstancial com eles, procede deles (João 14.16,26, 16.7-15). É único Deus com eles (Romanos 8.9-11; Atos 5.3-4; 1Coríntios 12.4-8, 3.16) e é sempre uma pessoa distinta de um e de outro (Mateus 28.19).
Isto é o que a igreja tem bem estabelecido, pela Palavra de Deus, contra Macedonius (Macedonius, século IV, que negou a divindade do Espírito Santo. Sua heresia foi condenada no Concílio de Constantinopla em 381 d.C.) e outros semelhantes hereges. Sua força e poder infinitos são demonstrados na criação e preservação de todas as criaturas, desde o início do mundo (Gênesis 1.2; Salmo 104.29-30).
Mas, neste tratado, consideraremos especialmente os efeitos que ele produz nos filhos de Deus; como, juntamente com a fé, ele opera neles as graças de Deus para torná-los sensíveis à eficácia e ao poder delas (Romanos 8.12-17; 1Coríntios 2.11-12; 1João 4.13); em resumo, como Ele os conduz cada vez mais para a finalidade e propósito que foram predestinados antes da fundação do mundo (Efésios 1.3-4).
O Espírito Santo nos faz participantes de Jesus Cristo por meio da fé somente
O Espírito Santo é, portanto, aquele através do qual o Pai coloca e mantém os seus eleitos na posse de Jesus Cristo, seu Filho; e, consequentemente, de todas as graças que são necessárias para a sua salvação.
Mas é necessário, em primeiro lugar, que o Espírito Santo nos torne adequados e prontos para receber Jesus Cristo. Isto é o que ele faz ao criar em nós, por sua pura bondade e divina misericórdia, o que chamamos de “fé” (Efésios 1.17; Filipenses 1.29; 2Tessalonicenses 3.2), o único meio pelo qual nos apossamos de Jesus Cristo quando Ele é oferecido a nós; a única forma de recebê-lo (João 3.1-13,33-36).
Os meios que o Espírito Santo usa para criar e preservar a fé em nós
Para criar em nós este instrumento da fé, e também o nutrir e fortalecer cada vez mais, o Espírito Santo usa dois meios comuns (não lhes comunica o seu poder, mas age por meio deles): a pregação da Palavra de Deus e seus sacramentos (Mateus 29.19-20; Atos 6.4; Romanos 10.17; Tiago 1.18; 1Pedro 1.23-25).
[…] Em primeiro lugar, definiremos o que é essa fé tão preciosa, e quais são seus efeitos e poderes.
Como a fé é necessária e o que a fé é
Nós somos, neste ponto, grandes inimigos da nossa própria salvação, por causa da nossa corrupção natural (Romanos 8.7; 1Coríntios 2.14), que se Deus se contentasse apenas em nos dizer que encontraríamos a nossa salvação em Jesus Cristo, nós apenas zombaríamos dele, assim como o mundo sempre tem feito e fará até o fim (1Coríntios 1.23-25; João 10.20; Atos 2.13; Lucas 23.35). Além disso, se Ele não acrescentasse nada mais do que nos dizer também que os meios pelos quais experimentamos a eficácia deste remédio contra a morte eterna é crer em Jesus Cristo, isso não nos beneficiaria em nada (João 3.5-6). Porque, em tudo isso, nós somos mais do que mudos (Salmo 51.15; Isaías 6.5; Jeremias 1.6), surdos (Salmo 40.6; João 8.47; Mateus 13.13) e cegos pela corrupção da nossa natureza (João 1.5, 3.3). Não seria mais possível que nós crêssemos do que é para um morto voar (João 12.38-39, 6.44).
É necessário, portanto, que com tudo isso, o bom Pai, que nos escolheu para a sua glória, venha multiplicar a sua misericórdia para com seus inimigos. Ao nos declarar que ele deu seu próprio Filho unigênito para que todo aquele que o abraça pela fé não pereça (João 3.16), ele também cria em nós esse instrumento da fé que requer de nós.
Ora, a fé de que falamos não consiste apenas em crer que Deus é Deus, e que o conteúdo da sua Palavra é verdade: pois, os demônios realmente têm essa fé, e ela só os faz tremer (Tiago 2.19). Mas, chamamos de “fé” um certo conhecimento que, somente por sua graça e bondade, o Espírito Santo fixa cada vez mais nos corações dos eleitos de Deus (1Coríntios 2.6-8). Com esse conhecimento, cada um deles, sendo assegurado em seu coração da sua eleição, toma para si e aplica a si mesmo a promessa da sua salvação em Jesus Cristo.
A fé, eu digo, não somente crê que Jesus Cristo morreu e ressuscitou pelos pecadores, mas também abraça a Jesus Cristo (Romanos 8.16,39; Hebreus 10.22-23; 1João 4.13, 5.19; etc.). Todo aquele que verdadeiramente crê confia somente nele e é assegurado da sua salvação até o ponto de não duvidar mais dela (Efésios 3.12). É por isso que Bernardo de Claraval disse o seguinte, conforme toda a Escritura: “Se você crê que os seus pecados não podem ser apagados, senão por aquele contra quem pecou, faz bem. Mas acrescente ainda um ponto: que você creia que os seus pecados foram perdoados por ele. Este é o testemunho que o Espírito Santo dá ao nosso coração, dizendo: ‘Seus pecados estão perdoados’”.
O objeto e o poder da verdadeira fé
Visto que Jesus Cristo é o objeto da fé, — e, de fato, Jesus Cristo, como ele nos é apresentado na Palavra de Deus — há dois pontos que devem ser bem observados.
De um lado, onde não há Palavra de Deus, mas apenas a palavra do homem, seja em quem for, não há fé ali, mas apenas um sonho ou uma opinião que não pode deixar de nos enganar (Romanos 10.2-4; Marcos 16.15-16; Romanos 1.28; Gálatas 1.8-9).
Por outro lado, a fé abraça e se apropria de Jesus Cristo e de tudo o que nele há, uma vez que ele nos foi dado na condição de crermos nele (João 17.20-21; Romanos 8.9). Ou tudo o que é necessário para nossa salvação não está em Jesus Cristo ou se tudo está realmente nele, quem tem Jesus Cristo pela fé tem tudo. Agora, dizer que tudo o que é necessário para nossa salvação não está em Jesus Cristo é uma blasfêmia muito terrível, pois isso só o tornaria um Salvador parcial (Mateus 1.21). Resta, portanto, a outra parte: tendo Jesus Cristo, pela fé, temos nele tudo o que é necessário para nossa salvação (Romanos 5.1).
É isso o que diz o apóstolo: “Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Romanos 8.1).
Como precisa ser entendida essa frase que dizemos, segundo Paulo: “Somos justificados pela fé somente”
Aqui está a explicação da nossa justificação pela fé somente: a fé é o instrumento que recebe Jesus Cristo e, consequentemente, recebe a sua justiça, ou seja, toda a perfeição. Quando, portanto, segundo Paulo (Romanos 1.17, 3.21-27, 4.3, 5.1, 9.30-33, 11.6; Gálatas 2.16-21, 3.9-10,18; Filipenses 3.9; 2Timóteo 1.9; Tito 3.5; Hebreus 11.7), dizemos que somos justificados pela fé somente, ou gratuitamente, ou pela fé sem obras (pois, todas estas maneiras de falar possuem o mesmo sentido), não dizemos que a fé é uma virtude, em nós mesmos, que nos torna justos diante de Deus, pois isso seria colocar a fé no lugar de Jesus Cristo, que é, sozinho, a nossa perfeita e completa justiça.
Mas falamos assim com o apóstolo, e dizemos que somos justificados somente pela fé, na medida em que a fé abraça aquele que nos justifica, Jesus Cristo, a quem ela nos une e liga. Somos, então, participantes dele e dos benefícios que ele possui. Estes, sendo imputados e doados para nós, são mais do que suficientes para nos absolver e nos contar como justos perante Deus.
Ter certeza da sua salvação por meio da fé em Jesus Cristo não é completa arrogância ou presunção
Está estabelecido que a certeza da salvação, por meio da fé, não é mera presunção nem arrogância, pelo contrário, é o único meio de se despojar de todo orgulho e de dar toda a glória a Deus (Romanos 8.16,38; Efésios 3.12; Hebreus 10.22-23; 1João 4.13, 5.19; Romanos 3.27, 4.20; 1Coríntios 4.4, 9.26-27). Porque somente a fé nos ensina a desprezar a nós mesmos e nos compele a reconhecer sinceramente que em nós mesmos não há nada além de causa para a completa condenação. Assim, a fé nos leva a Jesus Cristo, e nos ensina e assegura que encontraremos a salvação diante de Deus, através da justiça de Cristo somente. Verdadeiramente, tudo o que há em Jesus Cristo, ou seja, toda a justiça e perfeição (nele não havia pecado e, além disso, ele cumpriu toda a justiça da lei), é colocado em nossa conta e concedido para nós como se fosse de nós mesmos, desde que nos apeguemos a Cristo pela fé.
É por isso que Bernardo disse: “O testemunho da nossa consciência é a nossa glória; não o testemunho em que a mente enganada, enganando o seu dono, dá de si mesma ao fariseu vaidoso e orgulhoso (Lucas 18.11-12); mas o testemunho que o Espírito Santo dá ao nosso espírito é verdade”.