Um blog do Ministério Fiel
A piedade abrangente de João Calvino
A piedade (pietas) é um dos principais temas da teologia de João Calvino. Sua teologia é, como diz John T. McNeill, “sua piedade descrita extensamente”. Ele estava determinado a restringir a teologia nos limites da piedade. Para Calvino, a teologia lida antes de tudo com o conhecimento — conhecimento de Deus e de nós mesmos — mas não há conhecimento verdadeiro onde não há piedade verdadeira.
Para Calvino, pietas designa a atitude correta do homem em relação a Deus, que inclui verdadeiro conhecimento, adoração sincera, fé salvífica, temor filial, submissão em oração e amor reverente. Saber quem e o que Deus é (teologia) conduz a atitudes corretas para com ele e a fazer o que ele quer (piedade). Calvino escreve: “Eu chamo de ‘piedade’ aquela reverência unida ao amor a Deus que o conhecimento dos seus benefícios induz”. Esse amor e reverência por Deus é um correspondente necessário a qualquer conhecimento dele e envolve toda a vida. Calvino diz: “Toda a vida dos cristãos deve ser uma espécie de prática de piedade”.
O objetivo da piedade, assim como de toda a vida cristã, é a glória de Deus – glória que brilha nos atributos de Deus, na estrutura do mundo e na morte e ressurreição de Jesus Cristo. Glorificar a Deus supera a salvação pessoal para toda pessoa verdadeiramente piedosa. O homem piedoso, de acordo com Calvino, confessa: “Nós somos de Deus: vivamos para ele e morramos por ele. Nós somos de Deus: que a sua sabedoria e vontade, portanto, regulem todas as nossas ações. Nós somos de Deus: que todas as partes da nossa vida, conformemente, se esforcem por ele como nosso único objetivo lícito”.
Mas como glorificamos a Deus? Como Calvino escreve: “Deus nos prescreveu um modo pelo qual ele deseja ser glorificado por nós, a saber, a piedade, que consiste na obediência à sua Palavra. Aquele que excede esses limites não honrará a Deus, mas sim o desonrará”. A obediência envolve a entrega total ao próprio Deus, à sua Palavra e à sua vontade.
Para Calvino, a piedade é abrangente, tendo dimensões teológicas, eclesiológicas e práticas. Teologicamente, a piedade só pode ser concretizada através da união e comunhão com Cristo e participação nele, pois fora de Cristo até a pessoa mais religiosa vive apenas para si. Somente em Cristo os piedosos podem viver como servos voluntários do seu Senhor, soldados fiéis do seu Comandante e filhos obedientes do seu Pai.
A comunhão com Cristo é sempre o resultado da fé operada pelo Espírito, que une o crente a Cristo por meio da Palavra, permitindo ao crente receber a Cristo como ele é apresentado no evangelho e graciosamente oferecido pelo Pai. Pela fé, os crentes se apossam de Cristo e crescem nele. Eles recebem de Cristo, por meio da fé, a “graça dupla” da justificação e santificação, que juntas oferecem o lavar da pureza imputada e real.
Eclesiologicamente, para Calvino, a piedade é nutrida na igreja pela Palavra pregada, pelos santos sacramentos e pelo canto dos Salmos. Os crentes cultivam a piedade pelo Espírito através do ministério de ensino da igreja, progredindo da infância espiritual para a juventude até a plena maturidade em Cristo.
A pregação da Palavra é nosso alimento espiritual e nosso remédio para a saúde espiritual, diz Calvino. Com a bênção do Espírito, os ministros são médicos espirituais que aplicam a Palavra às nossas almas como os médicos deste mundo aplicam o remédio aos nossos corpos.
Calvino define os sacramentos como testemunhos “da graça divina para conosco, confirmados por um sinal exterior, com mútuo atestado da nossa piedade para com ele”. Sendo a Palavra visível, eles são “exercícios de piedade”. Os sacramentos fortalecem a nossa fé, nos fazem agradecidos pela abundante graça de Deus e nos ajudam a oferecermos a nós mesmos como sacrifícios vivos a Deus.
Calvino considerava os Salmos como o manual canônico da piedade. Ele escreve: “Não há outro livro no qual sejamos mais perfeitamente ensinados o modo correto de louvar a Deus, ou no qual somos mais poderosamente excitados para a realização desse exercício de piedade”. Com a direção do Espírito, o canto dos Salmos sintoniza os corações dos crentes à glória.
Praticamente, embora Calvino tenha visto a igreja como o berçário da piedade, também enfatizou a necessidade da piedade pessoal. Para Calvino, tal piedade “é o começo, o meio e o fim da vida cristã”. Ela envolve inúmeras dimensões práticas para a vida cristã diária, com ênfase particular na oração sincera, no arrependimento, na auto-negação, no carregar da cruz e na obediência.
Calvino se esforçou para que ele mesmo vivesse a vida de pietas. Tendo provado a bondade e a graça de Deus em Jesus Cristo, ele buscou a piedade procurando conhecer e fazer a vontade de Deus todos os dias. Sua teologia e eclesiologia se desenvolveram em piedade prática, sincera e cristocêntrica; piedade essa que final e profundamente afetou e transformou a igreja, a sociedade e o mundo.