Um blog do Ministério Fiel
Mentir, nações hostis e a grande comissão
Escrito por um estrategista de missões para a Ásia Central
Podem os missionários que viajam para um país hostil ao cristianismo e à Grande Comissão mentir a respeito dos motivos por que estão indo para lá? Podem apresentar um propósito secundário para sua ida?
As Escrituras nos mostram consistentemente que Deus tem propósitos globais. Contudo, a obra missionária ainda não está concluída. Existem ainda milhares de grupos de pessoas sem testemunha do evangelho, e há inúmeros outros que foram alcançados apenas superficialmente com as boas-novas de Jesus. Em especial, no Norte e no Oeste da África, no Oriente Médio, na Ásia Central, no Sul, no Leste e no Sudeste da Ásia, a imensa quantidade de pessoas perdidas é estarrecedora. Mais da metade da população do mundo vive nessas regiões, porém, vila após vila, cidade após cidade, distrito após distrito, língua após língua, pessoa após pessoa nunca ouviu o evangelho bíblico. Nesta janela que se estende desde a costa do Atlântico no Norte da África até à costa do Pacífico na Ásia, a igreja tem fracassado amplamente em cumprir o mandamento de Jesus exposto na Grande Comissão.
De fato, a dificuldade é que essas partes do mundo menos evangelizadas são, também, as áreas mais hostis ao testemunho cristão. Nos países dessas regiões, há forte oposição religiosa contra a atividade missionária cristã. Estas regiões são o lar do islamismo, do hinduísmo e do budismo. Essas religiões estão profundamente arraigadas na culturas dessas nações. Um ataque à religião é entendido como um ataque ao povo; e abandonar a religião é considerado uma traição étnica. Geralmente, há algum nível de oposição política às missões cristãs.
A maior parte dos países dessas partes do mundo não outorgam visto de entrada para missionários ou restringe a atividade missionária, visando obstruir qualquer tentativa de converter membros da religião predominante. De fato, os governos e as sociedades humanas afirmam seu intento de vetar a Grande Comissão.
Como reagir à hostilidade
Como a igreja deve reagir a esta oposição e hostilidade? Durante grande parte da era de missões moderna, as igrejas evangélicas no Ocidente têm permitido que governos pagãos ditem os limites de sua obediência a Deus. Se o governo de determinado país não quis dar vistos de entrada para missionários, aquele país permaneceu não-evangelizado.
Essa abdicação de responsabilidade não é nada menos do que desobediência a Jesus. Ele não disse: “Ide e fazei discípulos de todas as nações que vos concederem vistos de missionários”. A igreja tem, diante de Deus, a obrigação de fazer discípulos de todos os grupos de pessoas do mundo, não importa se a atividade missionária seja bem-vinda ou não em determinado país.
Meios exteriores
É óbvio que há meios externos de levar o evangelho há regiões fechadas. Programas de rádios em ondas curtas e televisão via satélite podem ultrapassar as fronteiras. Evangelismo por meio da internet está se tornando proeminente. Literatura e Bíblias podem ser produzidas em outros lugares e, por vários meios, levadas para esses países. As igrejas podem e devem alcançar os expatriados desses países que vivem entre elas.
No entanto, há restrições séries a essas abordagens. O rádio, a TV e a internet podem ser bloqueados. Mesmo quando penetram esses países, poucas pessoas sabem a respeito dos programas ou jamais os assiste. Bíblias podem ser interceptadas e confiscadas na fronteira. Se esses forem os únicos meios usados para levar o evangelho aos povos não-alcançados, a grande maioria deles permanecerá totalmente não-alcançada.
Testemunho Pessoal
Isso nos deixa com a mais elementar de todas as abordagens missionárias: o testemunho pessoal. Desde o Dia de Pentecostes até hoje, o evangelho penetra mais freqüentemente novos solos por meio dos lábios e da vida de crentes que fixam residência entre aqueles que ainda não o ouviram, trazendo consigo a Palavra de Deus. O fato de que não pode entrar como missionários significa que devem fazê-lo de alguma outra maneira.
Os países têm diferentes categorias de vistos e de pedidos de residência. Há maneiras legítimas pelas quais cristãos evangélicos podem viver nesses países que não permitem a entrada de missionários, fazendo trabalhos que o país permite. Crentes com habilidades profissionais ou experiência em negócios são particularmente adequados para esse tipo de trabalho. Eles podem levar o evangelho, realizando seu trabalho e administrando seus negócios, a lugares que não permitem a entrada de missionários.
Isso é honesto?
Isso é honesto? Alguns evangélicos do Ocidente acham problemática essa maneira de lidar com a Grande Comissão. Acham que os profissionais cristãos que entram em um país fechado, por realizarem um trabalho secular, estão mentindo, de algum modo, se a motivação fundamental deles for o viver ali com o propósito de compartilhar o evangelho. Ora, se um profissional cristão nunca faz realmente o que o requerimento do visto diz que ele ou ela deveria fazer, então, a acusação de desonestidade será correta. Não há desculpas para a mentira. O fim não justifica os meios, e a obediência à Grande Comissão nunca pode justificar a mentira.
Entretanto, quando profissionais cristãos mostram integridade por fazerem o que disseram ao governo hospedeiro que fariam, não há qualquer desonestidade envolvida. A fim de serem considerados “honestos”, não se exige que tenhamos de explicar tudo que poderíamos dizer a respeito de nossas intenções, todas as vezes que falarmos. Além disso, todo crente deve ter a intenção de compartilhar o evangelho com os incrédulos, em todos os lugares aonde for, em tudo o que fizer. O progresso do reino de Deus deve ser a motivação primária por trás de todo trabalho ou atividade realizada por qualquer crente. Viver para a glória de Deus envolve honestidade em fazer o que dizemos que íamos fazer em determinado lugar. Envolve também compartilhar o evangelho, não importando qual seja a nossa profissão.
Um exemplo bíblico
O Antigo Testamento nos oferece um exemplo de Deus mesmo ordenando a um de seus servos que vá a um lugar e apresente um propósito secundário como razão de sua ida, em vez de explicar o propósito primário. Em 1 Samuel 16.1-5, o profeta Samuel queria ungir Davi como rei, mas sabia que Saul ficaria irado, se descobrisse; talvez quase a ponto de matá-lo. Por isso, Deus mesmo disse a Samuel que levasse um novilho consigo até Belém, para oferecer ali como sacrifício, a fim de atenuar as suspeitas de Saul (1 Sm 16.2). A razão primária por que Samuel foi a Belém não era oferecer aquele sacrifício — era ungir Davi como rei. Contudo, Samuel não estava mentindo quando disse que fora ali para oferecer o sacrifício; também não estava mentindo quando não explicou que o verdadeiro motivo de sua ida era a unção de Davi.
Sob a orientação clara de Deus, Samuel fez honestamente uma coisa, sobre a qual falara, a fim de proteger sua capacidade de fazer outra coisa, algo que Deus lhe ordenara, sobre o que ele não falara. Isso não era engano, e sim prudência piedosa.
Equilibrando as questões éticas
Levar o evangelho a outros países nos força a manter em equilíbrio diversas questões éticas. Não podemos mentir. Temos de fazer honestamente aquilo que afirmamos ser o motivo por que fomos até lá. Também não podemos negar que somos seguidores de Jesus (Mt 10.32-33). Crentes devem ser ousados quanto à sua identidade em Cristo, onde quer que estejam. Até em um ambiente restrito, os crentes não podem permitir que interesses de segurança os silencie, impedindo-os de compartilhar o evangelho. Não há qualquer razão em apenas estar ali!
No entanto, podemos fazer honestamente uma coisa e falar abertamente a respeito dela, a fim de proteger nossa capacidade de fazer outra, que realizamos discretamente. Podemos e devemos cumprir papéis seculares em países fechados, a fim de obedecermos à Grande Comissão.