Um blog do Ministério Fiel
“Um Lugar Silencioso” e o medo da paternidade
Pergunte a pais qual é o maior medo deles e provavelmente responderão que é causar algum mal aos seus filhos.
Preocupamo-nos em proteger nossos filhos da pornografia. Preocupamo-nos em protegê-los de abusadores sexuais. Preocupamo-nos em protegê-los da violência. Como devemos preservar sua inocência, asseguramos sua paz e os protegemos da dor? Como pais, somos moldados, ao menos em parte, pela forma como respondemos a essas perguntas. E somos julgados, principalmente pela nossa consciência, pela forma como reagimos quando falhamos em protegê-los.
Esse temor universal dos pais está no centro de A Quiet Place [Um Lugar Silencioso], um novo filme no qual uma mãe faz a pergunta mais profundamente existencial já considerada abertamente em um filme de terror: “Quem nós somos se não podemos proteger nossos filhos?”.
Embora Um Lugar Silencioso seja um dos filmes mais instigantes de 2018, você pode ser tentado a evitá-lo devido a um desprezo pelo gênero de terror. Isso é compreensível, pois há poucos gêneros cinematográficos que evidenciam pouca qualidade quanto o terror. Ainda assim, há uma razão, como Mike Duran ressaltou recentemente em um artigo, pela qual o gênero continua popular. “Como cristãos, devemos certamente ter cautela e discernimento ao nos aproximarmos do gênero do terror”, disse Duran, “Mas talvez possamos também considerar como a sua contínua popularidade reflete um senso de moralidade, de mortalidade e de nossa necessidade de ‘chutar a escuridão até que sangre o amanhecer’”, os quais são intuitivos e dados por Deus.
Uma breve defesa do terror
O que torna o terror singular é que é um gênero baseado em uma emoção. No nível mais fundamental, um filme atende às qualificações para o gênero, se provocar uma sensação de horror — um sentimento intenso de medo, susto ou desprazer. A maioria dos filmes de terror deseja despertar essa emoção, e é por isso que tantos filmes de terror são instantaneamente esquecidos. Como eles não têm uma intenção mais elevada do que excitar uma resposta fisiológica temporária, a maioria dos filmes de terror é esquecida assim que o medo desaparece e nossa pressão arterial volta ao normal.
Em contraste, os filmes de terror mais eficazes e memoráveis são quase sempre alegorias espirituais. Como Dwight Longenecker afirma: o gênero de terror responde à pergunta: “Como a literatura e o cinema podem lidar de modo muito eficaz com as realidades espirituais?”
Os filmes de terror nos envolvem no drama psicológico e espiritual do confronto com o mal. Nos filmes de terror, o mal não é simplesmente a fragilidade humana ou a busca de vencer um vilão comum. Antes, o herói deve enfrentar uma força que é mortal, irracional, imprevisível e puramente maligna. Este mal usa muitas máscaras. Pode ser uma pessoa deformada pelos experimentos de um cientista maluco, pode ser um monstro inimaginável de outro planeta, pode ser um criminoso psicopata ou um louco que assassina a muitos usando motosserras. Seja qual for a máscara que ele usa, o vilão representa o que é demoníaco. Ele é aquele que torna as trevas visíveis, e quando o herói se envolve na grande batalha, nós o seguimos na jornada e assim enfrentamos o terror interior.
O que torna o filme Um Lugar Silencioso tão atraente é que nos força a enfrentar o terror primitivo da paternidade: Como podemos manter nossos filhos a salvo das forças demoníacas que tentam roubar a sua inocência?
Mantendo em segurança ao manter as crianças em silêncio
Um Lugar Silencioso apresenta uma característica singular na categoria filme de monstros. A história começa in media res, sem uma explicação do que os monstros são ou do que aconteceu com o restante da humanidade. Nós sabemos que outras pessoas ainda existem, mas com uma breve exceção, as únicas pessoas mostradas no filme são os membros da família Abbott: Lee, o pai (interpretado pelo diretor John Krasinski); sua esposa, Evelyn (interpretada pela esposa de Krasinski, Emily Blunt); sua jovem filha surda, Regan (Millicent Simmonds); e seus dois filhos mais novos, Marcus (Noah Jupe) e Beau (Cade Woodward).
A família Abbott vive em um celeiro em uma fazenda afastada e tenta viver o mais silenciosamente possível. Os membros da família quase nunca falam em um tom acima de um sussurro e fazem grande esforço para evitar até mesmo o menor ruído. A razão, nós somos avisados, é porque os monstros caçam atraídos pelo som. Cada som acima de alguns decibéis coloca toda a família em risco de morte pelos predadores que estão sempre ouvindo.
Como o cinema é um meio visual, os filmes de terror frequentemente lidam como nosso medo do escuro e o desejo de nos escondermos do perigo. Mas o cinema também é um meio auditivo, e Um Lugar Silencioso transmite de modo brilhante a ressonância emocional do silêncio. Esconder-se em um lugar livre de ruído — literalmente, um lugar silencioso — é extremamente mais difícil do que esconder-se da vista. O retrato do filme dessa realidade, especialmente em um mundo com filhos, aumenta a tensão psicológica a um nível quase insuportável.
Por exemplo, quando é revelado que Evelyn está nas etapas finais da gravidez, fiquei inicialmente admirado com a coragem e a esperança que é preciso para dar à luz a uma criança em um mundo tão perigoso. Mas depois fiquei literalmente aterrorizado quando percebi a magnitude da tarefa quase impossível de manter um bebê em silêncio (Uma solução parcial que Evelyn apresenta é engenhosa e claustrofóbica).
Um Lugar Silencioso recebeu boas e merecidas resenhas. A atuação e direção são excelentes, e o design de som é extraordinariamente eficaz. Contudo, é esse tema alegórico simples e sempre presente de proteger as crianças do mal que provavelmente ressoará com o público.
Trata-se de um filme cristão?
A maioria das críticas reconhece que o filme é sobre paternidade, mas poucos fizeram a conexão com as realidades espirituais cristãs no filme. “É um dos filmes mais implicitamente cristãos que já vi, embora nenhum crítico pareça ter percebido”, afirma o economista e polímata Tyler Cowen. “Pense em monasticismo, demônios, o bebê Moisés, a relutância em considerar o aborto como uma opção, silos de grãos e o (subestimado) filme Sinais de Shyamalan”.
Um Lugar Silencioso, como Cowen defende, é um filme implicitamente cristão?
Antes de responder, devo confessar que discordo da abordagem popular à crítica de cinema cristã em busca de “temas redentores”. Muitas vezes, o tema “redentor” presente em obras seculares nada mais é do que o uso de uma metáfora particular (ou seja, um tema comum ou usado em demasia) como “morte e ressurreição” (ou seja, o herói chega perto da morte mas se ergue para a batalha) ou uma “figura de Cristo” (onde um personagem é dita ser semelhante a Jesus em um modo, geralmente, incomum). Qualquer diretor moderadamente competente pode transformar Satanás em uma “figura de Cristo”, porém isso em si não dá ao filme uma temática “redentora”.
Então, o que é preciso para um filme ser “cristão”, seja implícita ou explicitamente?
Como Gene Veith explica: “Toda arte distintamente cristã deve tratar, em certo sentido, da luta agonizante entre o pecado e a graça”. Para ser “cristão”, uma obra precisa ser, direta ou indiretamente, sobre o pecado e a graça e sobre a relação de Cristo com estes.
Com base nesses critérios, Um Lugar Silencioso não é “cristão”, mesmo que haja indícios no filme de que a família Abbott é cristã. Porém, o filme representa aspectos da graça e da moralidade comuns que só podem fazer sentido em um mundo criado por Jesus. Os Abbott resistem em oração e esperança, nunca deixando o medo controlar as suas vidas. Eles confiam no amor e no perdão para ajudá-los nos tempos de tragédia. Eles dependem do amor e da dedicação uns aos outros para lutar contra o mal. E, por fim, eles encontram que é a graça e o auto-sacrifício que podem salvá-los. Nesse sentido, Um Lugar Silencioso é um dos filmes de terror mais cristão que você pode assistir.
Alerta ao espectador: Embora eu o recomende muito, Um Lugar Silencioso tem a intenção de evocar sentimentos intensos de medo, susto ou desprazer (como todos os filmes de terror). O derramamento de sangue é mínimo. Na verdade, a cena mais horrível e sangrenta — e a única vez que precisei desviar o olhar — foi quando uma personagem pisa em um prego (felizmente, há um aviso antes que aconteça). Os monstros são assustadores e equivalentes ao filme “Alien”. Logo, se você tem uma constituição frágil, esse pode não ser o filme para você. O filme é classificado como “Pais fortemente advertidos” para violência (principalmente) não-gráfica. Não há palavrões ou nudez. Em geral, eu diria que é adequado para adolescentes mais velhos e para adultos, embora certamente não seja recomendado para crianças mais novas.