Um blog do Ministério Fiel
Como o excesso no discipulado pode matar cristãos
A membresia atual de nossa igreja é de aproximadamente setenta membros, com outros dez, ou um pouco mais, praticamente prontos para serem batizados. Aos domingos temos uma frequência entre setenta e cem pessoas, (suspeito que seja aproximadamente o mesmo número de mictórios encontrados em muitas megaigrejas). De qualquer forma somos uma pequena igreja, no entanto, a partir de outubro de 2015[i], teremos, em níveis variados, vinte e cinco pessoas sendo treinadas e/ou discipuladas em tempo integral em várias funções.
- Temos dois jovens rapazes sendo intensamente discipulados por um ano na “James Ramsay House” (JRH), uma casa que oferece refúgio e discipulado para novos crentes em um ambiente familiar, para pessoas necessitadas e vulneráveis. Esses rapazes estudam como parte de nosso Programa Intensivo de Discipulado (PID) desenvolvido e ministrado “em casa”. Eles servirão em nosso café e em clubes locais, na igreja e começarão a desempenhar um papel positivo em sua comunidade local.
- Teremos oito estagiários remunerados que receberão um pequeno salário para treinar e desenvolver suas habilidades, seja para um futuro ministério cristão de tempo integral ou para funções, como cristãos, em tempo integral no local de trabalho. Eles também farão treinamento teológico.
- Temos uma equipe de Ministério em tempo integral, com oito pessoas: eu como Pastor, um jovem Obreiro, um Gerente de Café e Obreiro Pastoral, um Pastor Assistente e um Obreiro e Administrador do ministério de Mulheres, entre outros. Essa equipe recebe também, durante toda a semana, uma variedade de artigos e livros.
- Nós temos um número crescente de pessoas que passam entre dois dias e três meses conosco para ter uma noção de como é o nosso trabalho e discutir ideias para o ministério em outras comunidades de moradias sociais para pessoas carentes.
Agora, muitas dessas pessoas eram verdadeiras “apostas” quando as aceitamos. Alguns nem sequer haviam concluído o ensino médio, alguns haviam sido viciados e criminosos por toda a sua vida adulta, alguns apresentavam temperamentos suspeitos e outros, nos primeiros dias, não tinham nenhuma noção de como era o funcionamento interno de uma comunidade de moradia social. Não tenho dúvidas de que a maioria deles não seria considerada, na maioria das igrejas que conheço, um patrimônio humano a ser treinado. A liderança aqui na Igreja da Comunidade de Niddrie, sem dúvida, está assumindo muitos riscos e, para ser sincero, alguns desses “riscos” se voltaram para “morder-nos”. Nós experimentamos nosso quinhão de fracassos. Na verdade, eu colocaria a taxa de fracasso em torno da marca de 50%. JRH tinha, até recentemente, quatro homens sendo treinados, mas um deles, tragicamente, decidiu retornar ao seu estilo de vida anterior. Por outro lado, vimos também sucessos espetaculares. Portanto, acreditamos que nossa política de risco vale a pena e, em última análise, colheremos benefícios duradouros para a igreja e para o testemunho do evangelho aqui em Niddrie e em nossas comunidades ao redor.
Se vamos, realmente, levantar líderes nativos nessas áreas, temos que assumir riscos gigantescos e cheios de fé, em relação aos convertidos locais. Livros didáticos e debates teóricos são todos bons e proveitosos, mas temos que começar a colocar os princípios em prática se quisermos passar o bastão para homens e mulheres fiéis. Por exemplo, em Niddrie, um dos nossos estagiários mais recentes foi salvo há menos de doze meses e ainda assim, demonstrou uma incrível capacidade teológica que acompanha seu juvenil zelo evangelístico. (Eu já posso ouvir o suspiro de algumas pessoas ao lerem isso). Como podemos explicar isso? E quanto ao caráter? E quanto à maturidade? Grandes questões, na verdade, as perguntas certas. Mas deixe-me fazer outra pergunta: Como podemos ensinar e até mesmo avaliar essas coisas em nossa área de ministério sem um contexto prático no qual o caráter e a maturidade possam se desenvolver? A próxima geração de líderes não vai “pegar” a maturidade somente do púlpito ou em um estudo bíblico no meio da semana. Eles vão fazer isso sendo, o mais cedo possível, profundamente envolvidos no serviço em sua caminhada cristã. Brilhante. Mas e então, como chegamos a este estágio em nosso ministério aqui em Niddrie? É porque eu sou um genial e maravilhoso pensador? Infelizmente não. Deixe-me dizer-lhe como chegamos a este ponto em nosso ministério.
Este ano eu me afastei por um dia, para pensar e orar, então comecei a me perguntar por que tantos de nossos novos convertidos não estavam alcançando seus amigos e familiares com o evangelho do Senhor Jesus. Eles amavam a Jesus e Deus certamente estava trabalhando em suas vidas, eles vinham a todos os estudos bíblicos, às vezes até quatro por semana. Eles participavam dos cultos de domingo, estavam entusiasmados com sua fé, estavam sendo discipulados e orientados, mas ainda assim, havia uma falta de dinamismo em assumir a responsabilidade por novas ideias ministeriais e uma falta de participação ativa na divulgação do Evangelho à comunidade. Eles pareciam estar apenas vindo “aproveitar”. Não me entenda mal, eles estavam crescendo a um ritmo notável em termos de conhecimento bíblico, mas não estávamos vendo líderes se destacarem. Era como um tráfego de sentido único. Obviamente, as razões por trás disso são longas e complexas, mas uma coisa, particularmente, começou a me incomodar: E se estivéssemos discipulando excessivamente (no mal sentido da palavra) nossos novos crentes? E se estivéssemos encorajando esse cristianismo passivo e consumista? Após mais alguma reflexão, cheguei a uma conclusão definitiva.
Nós éramos culpados por realizar um discipulado paternalista. Grande parte da cultura da igreja evangélica conservadora opera com um mantra do tipo 1Timóteo 3 que é algo assim: “Não devemos promover espiritualmente, tão cedo, os novos crentes”. É claro que há uma grande sabedoria nisso, mas essa característica particular do conservadorismo, no entanto, é ainda mais evidente se o novo crente em questão vem de um histórico de criminalidade, tem um testemunho “interessante” ou é um “troféu da graça”. A reação em muitas igrejas de classe média, em minha experiência, em relação a esses convertidos, é deixá-los à margem e empurrá-los para os estranhos eventos de testemunho. Eu não estou dizendo que esses novos convertidos não estejam sendo cuidados ou discipulados, mas na minha experiência no Reino Unido, tenho encontrado poucos desses homens que estejam efetivamente no ministério. Existem alguns, mas somos muito poucos. Agora eu sei disso, e assim, a resposta em Niddrie foi garantir que rapidamente juntássemos nossos novos crentes a um mentor, certificarmo-nos de que fossem rapidamente engajados em um estudo bíblico regular e se tornassem parte da vida da comunidade. Por causa do alto nível de desemprego aqui, não é incomum termos pessoas em dois ou três estudos bíblicos por semana fora dos cultos de domingo.
O problema era, como eu pude constatar, que tínhamos começado a “mimá-los” a tal ponto que, inadvertidamente, aprenderam a se tornar simples consumidores como muitos daqueles participantes “domingueiros” (me refiro à igreja como um todo, não apenas à Igreja aqui de nossa comunidade). Comecei a temer que estivéssemos discipulando “excessivamente” nosso novo pessoal. Nós estudamos demais com eles, nós os protegemos demais em vez de deixá-los voar; nós compramos, inocentemente, a mentira de que eles eram muito fracos, muito mal preparados ou muito jovens para serem soltos por conta própria. Pior ainda, por causa da mentalidade de vítima que existe em comunidades carentes, isso produziu, por sua vez, em seu senso de direito e incapacidade, uma dependência excessiva. Portanto, em vez de servir, evangelizando e contribuindo, eles estavam pegando seu tesouro, cavando um buraco fundo, trancando-o em uma caixa e guardando aquele belo presente para si mesmos. Mas a coisa realmente terrível sobre isso era que nós, os que estávamos nos esforçando tanto para ajudá-los, estávamos, na verdade, fornecendo a eles a pá, a caixa e guardando a chave para eles também! Decidi que precisávamos dar aos nossos novos convertidos, em espírito de oração e com sabedoria, oportunidades de voar, se quiséssemos vê-los realmente crescer, florescer e amadurecer tornando-se futuros líderes. Foi muito doloroso concluir que nossa a festejada abordagem de discipulado, planejada, missional, intencional e centralizada no evangelho estava, na realidade, contribuindo para o atraso do crescimento e o desenvolvimento de liderança em nossa comunidade. O que estava prejudicando nosso povo não era muito discipulado, mas muito do tipo errado de discipulado. Como resultado desta reflexão fizemos alguns pequenos ajustes este ano. Uma delas é “empurrar” as pessoas mais rapidamente para outros níveis de responsabilidade e serviço, por mais insignificante que possa parecer. Mais do que isso, estamos ensinando aos nossos novos crentes mais rapidamente, não apenas os fatos da fé, mas como compartilhá-la, conduzir um estudo bíblico simples e levar uma pessoa ao Senhor. Estamos, de fato tirando, mais rapidamente, as rodinhas de treinamento e confiando que Deus, por seu Espírito, os ajudará a crescer e amadurecer de um modo mais completo.
Até agora essa abordagem tem sido nada menos que desastrosa por um lado e uma suprema bênção por outro. É desastroso porque já tivemos um “acidente” onde a “vítima”, assim que recebeu alguma liberdade, se envolveu com drogas e começou a perseguir garotas. Outro, em sua primeira viagem ao “Centro de Emprego”, acabou ficando bêbado no pub local, isso o levou a se afastar de nossos cuidados, mas fazendo com que um outro se aproximasse de Cristo, estimulando-o a perceber como a comunidade e a responsabilidade são importantes na batalha contra Satanás e o ego pecaminoso. Estamos esperando mais confusão e mais baixas, mas o importante é que as pessoas são nossos convertidos, ou melhor, convertidos do Senhor. Se eles são nossos, então eles vão falhar, mas se eles são do Senhor, então eles vão finalmente perseverar, não importa quantas vezes eles caiam.
Ore por nós. Ore pelo nosso povo.
–
[i] N.T. Esseartigo foi originalmente postado em 5 de Fevereiro de2013.