Um blog do Ministério Fiel
“De onde você é?” – A necessidade da encarnação do Filho de Deus (1/2)
“De onde você é?” (Jo 19.9)
Essa foi a pergunta que Pilatos, governador da província romana da Judéia, fez a Jesus quando ele estava em interrogatório. Jesus tinha dito a Pilatos que seu reino não era desse mundo e que o propósito da sua vinda era testemunhar da verdade. O governador, com um tom de ceticismo, pergunta: “Que é a verdade?” (18.37-38).
A razão do questionamento de Pilatos acerca da origem de Jesus é porque a acusação da liderança judaica era que ele afirmava ser o Filho de Deus. Isso requeria pena de morte na lei deles (19.7). Portanto, a pergunta de Pilatos segue uma lógica: se esse homem tem uma natureza diferente (como ele mesmo afirma), necessariamente ele deve ter uma origem diferente. É por isso que ele pergunta: “de onde você é?”
Aprendemos com Pilatos que compreendermos acerca da origem de Jesus se faz necessário uma vez que ele tenha uma natureza diferente. Se sua natureza é divina, ele precisa ter uma origem diferente de todos os demais homens. Por outro lado, se mal compreendermos acerca da sua origem, ou não acreditarmos nela, comprometeremos sua Pessoa e obra.
Essa questão “de onde ele é?” sempre esteve presente nos evangelhos. Certa ocasião, logo após Jesus afirmar que “desceu do céu”, os judeus incrédulos replicaram: “Este não é Jesus, o filho de José? Por acaso não conhecemos o pai e a mãe dele? Como é que ele agora diz: ‘Desci do céu’?” (Jo 6.38-42). A discussão sobre a origem de Jesus sempre foi importante!
O evangelista Marcos narra uma outra história quando Jesus estava ensinando em uma sinagoga e chocou a todos com a autoridade do seu ensino. A pergunta dos religiosos foi: “De onde lhe vem tudo isso? Não é este o carpinteiro, o filho de Maria e irmão de Tiago, José, Judas e Simão? As suas irmãs não vivem aqui entre nós?” (Mc 6.2-3). Veja a lógica novamente aqui. Se Jesus faz coisas de um modo diferente, sua origem deveria ser outra.
Um outro exemplo é aquela cura do cego de nascença (até então isso nunca tinha acontecido em Israel). Após o cego testemunhar acerca da sua cura aos líderes judeus, eles questionaram: “Sabemos que Deus falou a Moisés, mas este nem sabemos de onde é” (Jo 9.29). Para eles, era necessário saber da origem para então crerem nesses milagres!
Os quatro evangelhos se preocupam com a origem de Jesus. O apóstolo João, logo no primeiro verso diz: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus” (Jo 1.1-2). No início de todas as coisas, Jesus já estava lá, sempre existindo como Filho de Deus.
Marcos abre seu evangelho de forma semelhante: “Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. Como está escrito na profecia de Isaías…” (Mc 1.1-2). Ao falarem do “princípio” (ἀρχή), os autores dos evangelhos nos lembram de Gênesis. Há uma nova criação em jogo aqui, uma nova humanidade acontecendo agora no Filho de Deus. Ele é o novo Adão!
Lucas coloca a genealogia de Jesus no capítulo três e diz que ele era “…filho de Sete, filho de Adão, filho de Deus” (verso 38).
Em resumo, ele sempre existiu como Filho de Deus, sendo Deus.
Mateus não faz diferente, também está preocupado com a origem de Jesus. Começa seu evangelho da seguinte forma: “Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão” (1.1). O rei Jesus é apresentado logo no primeiro verso do livro, o verdadeiro “filho de Davi”, aquele que cumpriria a promessa de 2 Samuel 7 que diz que o herdeiro de Davi reinaria para sempre. É por isso que Mateus encerra seu evangelho com uma citação do Rei Jesus dizendo: “Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra” (Mt 28.18). Ele é rei no início e no final do livro. Ele é também o “filho de Abraão” (única menção na Bíblia). Como verdadeiro descendente de Abraão (Gl 3.16), sua obra deve alcançar todas as nações. Por essa razão Mateus cita a fala de Jesus: “vão e façam discípulos de todas as nações” (28:19). Mateus abre e fecha o seu evangelho com “chave de ouro”.
O que mais chama a atenção na genealogia em Mateus é como ele termina ela. Veja em Mateus 1.15-16:
15 Eliúde gerou Eleazar; Eleazar gerou Matã; Matã gerou Jacó.
16 E Jacó gerou José, marido de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama o Cristo.
Você percebeu algo diferente no verso 16? Mateus interrompeu o padrão que vinha seguindo na genealogia quando Jesus entra em cena. O esperado é que ele dissesse “Jacó gerou José, marido de Maria, José gerou Jesus”. Mas ele não diz isso, ele não pode afirmar isso, pois isso não aconteceu! Todo o universo criado depende desse verso 16 de Mateus. Se ele afirmasse que José gerou Jesus, teríamos um grande problema com a natureza e obra de Cristo, mas o Espírito Santo nos ensina algo diferente acerca de sua origem – ele não foi gerado por José!
Mateus, portanto, nos deve uma resposta: “De onde ele é?”. Se Jesus não foi gerado por José, quem o gerou? Por que ele não foi gerado por pai e mãe? O que há de diferente e especial nisso?
Diferente do que pensamos, Mateus não encerra sua genealogia no verso 16. Ele precisa nos dizer mais acerca desse Jesus com uma origem diferente. É exatamente isso que ele fará na próxima narrativa, descrevendo o maior milagre da história – a encarnação do Filho de Deus.
Mas isso é assunto para o próximo artigo…
[1] Sou devedor à ideia do título e parte da introdução desse artigo a Joseph Ratzinger (Bento XVI) em seu maravilhoso livro “A infância de Jesus”.