Como sabemos que Jesus é o Messias?

Como cristãos, acreditamos que Jesus é o ungido Messias, o rei Davídico, o Cristo. Porém, como chegamos a ter essa imensa afirmação?

Historicamente, isso ficou constatado como um debate que não é pequeno. Se Cristo é o tão esperado Messias, por que o Antigo Testamento tem tão poucos textos inequívocos que podemos apontar como prova? Na sua investigação detalhada das origens do messianismo, o acadêmico do Novo Testamento Joseph Fitzmyer vai tão longe que conclui que a esperança da figura messiânica dentro do Judaísmo foi intensificada apenas após o cânon do Antigo Testamento ter sido fechado. E mesmo quando o termo “messias” é usado no Antigo Testamento, geralmente não tem a ver com alguma imagem messiânica.

Então, como os apóstolos e primeiros cristãos chegaram a essa conexão tão clara, reivindicando com confiança que o Jesus nascido em Belém era o Rei Ungido? Para responder essa questão, e para entender melhor o que celebramos no Advento, levamos a pergunta para D.A. Carson, co-fundador e presidente da The Gospel Coalition. Ele se junta a nós para responder a questão do Advento “Que criança é esta?”

Senhor Cristo?

Eu suponho que para muitos cristãos no Ocidente que ainda não conhecem muito da Bíblia, quando ouvem Jesus Cristo, pensam que Jesus é seu primeiro nome e Cristo é seu segundo nome, ou seu sobrenome. Alguém pode ainda se referir a ele como Senhor Cristo [2]. Porém, é claro que isso nunca foi assim no primeiro século.

Cristo não era inicialmente, pelo menos em nenhum sentido, um sobrenome; era um título. É contestado hoje se isso se torna um nome completo em qualquer lugar do Novo Testamento. Minha visão particular é que isso nunca perde sua função de título, mesmo se acaba tendo uma função de nome nos últimos livros escritos do Novo Testamento.

Porém, vamos voltar um pouco. Cristo é simplesmente uma transliteração da palavra grega christos, que significa “alguém que foi ungido”. É o equivalente para messias, que é uma transliteração da palavra hebraica mashiyach, que significa “alguém que foi ungido”. Estamos na verdade usando uma transliteração. Jesus Cristo significa algo como Jesus o Ungido. Porém, isso precisa ser melhor explicado.

Reis Ungidos

No Antigo Testamento, ungir significa literalmente realizar o ato de aplicar óleo em um objeto ou pessoa. Isso pode ser feito espalhando o óleo ou aspergindo um pouco na pessoa ou objeto e então esfregando um pouco. O ponto é que o que foi ungido foi reservado para algo de alguma forma.

No Antigo Testamento, em termos de pessoas, existem apenas duas (quase três) categorias de pessoas que eram ungidas com óleo como uma forma de indicar que eles foram designados para uma certa função, como por exemplo, na fábula de Jotão em Juízes 9:7 e versículos seguintes. Essa história é focada naqueles que tinham feito Abimeleque rei de Siquém. Nessa fábula, as árvores são retratadas como querendo ungir outra árvore para ser o rei delas, ou seja, para para designar uma árvore,  para nomear uma árvore.

Mais adiante, por exemplo, quando os homens de Judá ungem Davi rei da casa de Judá, em 2Samuel 2, o mesmo tipo de coisa está acontecendo. Então, ungir com óleo é algo muito comum no Antigo Testamento em termos de designar alguém como rei.

Sacerdotes Ungidos

Segundamente, ungir também é usado para designar alguém como sacerdote. Moisés recebeu instruções para ungir Arão como sumo sacerdote (Veja Ex 29; Lv 8). Ele não deveria ungir apenas Arão, mas seus filhos também. Várias vezes, é dito que os filhos foram ungidos (Lv 28.41; 30:30).

De fato, em algum sentido, Levítico 7.36 vai tão longe que afirma que que foi Deus, o próprio Jeová, que ungiu Arão e seus filhos. Obviamente, isso não significa que ele pegou um frasco de óleo e literalmente aspergiu nas suas cabeças ou algo dessa ordem. Porém, ele fez através de agentes designados. Mas, novamente, é uma forma de falar que alguém foi reservado para uma tarefa particular.

Profeta Ungido

Portanto, mesmo que não exista uma unção geral de profetas, existe uma passagem memorável em 1Reis 19.16, onde é falado para Elias ungir Eliseu como seu sucessor como profeta. Quando o evento acontece, não nos é dito que ele aspergiu óleo nele. Ao invés disso, Eliseu, quando Elias é levado, pede por e recebe porção dobrada do espírito de Elias.

Pode ser até que a recepção do espírito é considerada como a realidade da unção. Assim como em 1João, é dito que os cristãos têm a unção, e dentro do contexto quase certamente eles têm o Espírito, mesmo que óleo não tenha sido passado neles ou algo do tipo (1Jo 1.20, 27). Você começa a entender um tipo de sentido de relacionamento entre o ato físico, o ato ritual e o que isso está designando.

Sinais do Messias

À medida que você se achega ao Novo Testamento,  não é incomum fazer perguntas sobre o messianismo, isto é, a expectativa de que um Messias que viria iria salvar seu povo, que transformaria o mundo, traria uma nova era, traria o fim dos dias e assim por diante.

A maioria dos acadêmicos hoje argumenta que não tem, estritamente falando, uso de Messias ou Cristo no Antigo Testamento que é de forma inequívoca uma predição. Ou seja, não existe um anúncio inequívoco por excelência da vinda do Messias. Isso é quase certo, mas não tanto ao meu ver.

Usualmente, a palavra ungido se refere a reis ordinários, sacerdotes e assim por diante, sem apontar para o futuro. Por exemplo, o Rei Saul, antes de Davi, que eventualmente perde seu trono, é chamado de ungido do Senhor (1Sm 12.3, 5). É por isso que Davi poupa sua vida.

Ninguém deveria levantar sua mão contra o Ungido do Senhor, nos é dito (1Sm 24.6 e outras passagens). Isso significa que não devemos levantar nossa mão contra a pessoa que o Senhor ungiu para uma tarefa particular, mesmo se essa pessoa, como Saul, tenha se corrompido. Deus vai lidar com ele.

Porém do mesmo modo, mais tarde, o amalequita que reivindica ter matado Saul por pedido dele, para lançar ele fora de sua própria miséria, é levado à morte por Deus porque ele não cumpriu a regra de não matar o ungido do Senhor (2Sm 1.14 – 16). Especificamente, o Salmo 105:15 diz : “Não toqueis nos meus ungidos, nem maltrateis os meus profetas.”

Em todos esses casos, a pessoa ou pessoas ungidas são reis, sacerdotes ou profetas, como na última passagem. Eles não são por si só inequivocamente messiânicos, no sentido profético. Ou seja, eles não estão se referindo ao Messias, o Cristo.

O Rei Que Está Vindo

Porém, existem algumas passagens, como Salmos 2 e um punhado de outras, onde o contexto imediato realmente sugerem um rei Davídico na esfera histórica. Ainda assim o mesmo contexto também aponta além da esfera histórica imediata para um Davi definitivo.

Existe uma tipologia Davídica que foi construída diretamente no tratamento. Salmos 2 está especialmente falando a esse respeito. Porém, é messiânico através de uma tipologia. Já lidamos brevemente com isso quando consideramos a linguagem de filiação [3]. Você pode se recordar de como isso começa:

Por que se enfurecem os gentios e os povos imaginam coisas vãs? Os reis da terra se levantam, e os príncipes conspiram contra o SENHOR e contra o seu Ungido [contra o Messias, seu Messias, seu Cristo], dizendo: “Rompamos os seus laços e sacudamos de nós as suas algemas.” (Sl 2.1 – 3)

Em um certo sentido, é claro, isso pode ser lido contra seu pano de fundo de reis pequenos locais e regionais que tentam se rebelar contra Davi ou Salomão no período da monarquia unificada. Contudo, quando você avança, descobre que a linguagem se torna tão extravagante que está apontando para o Messias definitivo contra quem as pessoas se rebelariam.

Esse texto é citado pela igreja Cristã em Atos 4, por exemplo, quando a perseguição está aumentando. Os cristãos estão pensando sobre isso através da luz da Escritura. Eles citam precisamente essas palavras: “Por que se enfureceram os gentios, e os povos imaginaram coisas vãs?” (veja At 4.25 – 26).

Em todos esses contextos, o uso de Messias em Salmos 2 e na passagem relacionada está se referindo claramente ao rei Davídico, seja num nível histórico, o rei Davídico imediato, ou num nível tipológico de longa escala, o rei Davídico definitivo.

O Rei Está Aqui

Considere a maravilhosa confissão de Pedro em Mateus 16.18 e passagens paralelas. Jesus pergunta , “Quem diz o povo ser o Filho do Homem?” (veja Mt 16.13). Pedro responde, “Tu és o Cristo [você é o Messias] , o Filho do Deus vivo” (Mt 16.16). Como Messias é entendido dentro dentro daquele contexto? Como o Filho do Deus vivo. Provavelmente não é, dentro do contexto, entendido como a segunda pessoa da Trindade ou algo dessa ordem, apesar de isso não ser negado. Simplesmente não é o foco.

Entretanto, a linguagem de Filho de Deus, como nós vimos antes quando consideramos a linguagem de filiação [4] e os temas de realeza [5], é regularmente utilizado quando um descendente de Davi chega ao trono.

No dia que ele chega ao trono, Deus diz para ele, “eu, hoje, te gerei” (Sl 2.7). Ele é assumido como filho de Deus, como rei de Deus. Deus é o Rei supremo, e enquanto que o descendente de Davi reine conforme Deus, com a preocupação de Deus com a justiça, integridade, preservação do pacto e mais tudo aquilo, então ele está agindo como Deus. Ele é o filho de Deus. Portanto, filho de Deus em um de seus usos é usado regularmente para se referir a um rei Davídico.

Minha sugestão, então, é que quando Pedro  confessa que Jesus é o Cristo, o filho do Deus vivo (muitas pessoas concordariam com isso, eu acho), ele realmente está falando que Jesus é o rei Davídico prometido, ele é o rei messiânico, ele é o rei ungido.

Quem é esse Messias?

Existia uma expectativa de que quando o Messias viesse, ele traria a era vindoura. Isso cresce com o tempo. Muitas das conexões com o Antigo Testamento, entretanto, são através dessas linhas tipológicas de filiação, realeza Davídica e assim por diante.

No Novo Testamento então, Jesus é regularmente referido como o Cristo. Na maioria dos casos, isso significa o rei Davídico. É uma forma de aludir ao começo ou amanhecer do reino. Em algumas passagens, o título é desfocado ao longo de uma mais abrangente expectativa do Redentor prometido por Deus, da prometida revelação do próprio Deus.

Existem pistas disso no Antigo Testamento, por exemplo, onde é dito sobre aquele que está vindo: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu…” (Is 9.6). Então, em Isaías 9.7, lemos “sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e o firmar”. Ele deve reinar no trono do seu pai Davi. Esse é o sinal Davídico.

Porém, ele ainda será chamado “Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz” (Is 9.6). Mesmo que Messias não seja usado aqui, porque Messias geralmente é usado para se referir ao rei Davídico, essa se torna uma passagem que está abraçando um messianismo que é uma expectativa de um redentor que está por vir, que está na descendência de Davi, mesmo que o termo Messias não seja utilizado ali.

Isso é um título tão importante que o evangelho de João, por exemplo, articula seu propósito em João 20.30 – 31:

Na verdade, fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.

Segredo Messiânico

Essa linguagem messiânica é atrelada a um diversos temas bíblico-teológicos que não temos tempo de explorar aqui. Porém, vou mencionar um deles. As pessoas que estudam o evangelho de Marcos muitas vezes detectam o que é chamado como “o segredo messiânico”. O que eles querem dizer com isso é que às vezes a identidade de Jesus como Messias é escondida ou é um título que na verdade não deve ser divulgado imediatamente.

Por qualquer razão, Jesus diz aos seus discípulos ou a pessoa que foi curada, por exemplo, para não anunciar quem ele é. Então, em certo sentido, isso é um segredo messiânico.

Essa linguagem pode ir longe demais e se tornar enganosa. Parte da razão de por que Jesus esconde sua identidade em certos aspectos é porque as expectativas locais de um redentor que está por vir, de um rei que está por vir, eram geralmente muito políticas. Se Jesus simplesmente dissesse, “Eu sou o Messias,” ele estaria sendo ouvido por estar falando algo que não quis dar a entender: “Eu estou aqui para estabelecer um reino político, retirar os Romanos e estabelecer um trono exatamente como era nos dias de Davi há mil anos atrás. E dessa vez nós vamos ganhar.”

Enquanto que o reino que Jesus tinha em mente é muito mais transcendente que aquilo, muito mais abrangente, ele trabalha, porém, com princípios bem diferentes. Jesus está no estranho lugar onde as vezes ele admite que é o Messias e as vezes ele rodeia a questão, precisamente porque não quer que falsas expectativas surjam.

Contudo, décadas após o evento, João pode falar de forma bem mais categórica, “Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.”

Parte do problema, então, está na incapacidade dos discípulos, deixando de lado as multidões maiores,  de ver quão rica e biblicamente fiel e Davídica é essa noção do Cristo, do Messias, do filho de Deus, realmente é aplicada a Jesus. Isso não pode ser reduzido meramente a uma descida linear e um reino terreno que não tem todo poder abrangente do reino exibido no Novo Testamento.

É assim que o termo Messias funciona. Quando dizemos Jesus Cristo, deveríamos pensar na nossa mente Jesus o Messias; Jesus o prometido Sacerdote, Rei, Profeta; Jesus aquele que foi ungido por Deus para promover nossa redenção. Ele é Jesus, que foi reservado por Deus, ungido por Deus. O Redentor definitivo, o Ungido definitivo, o Cristo definitivo.

Por: D.A. Carson. © Desiring God Foundation. Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: How Do We Know Jesus Is the Messiah?

Original: Como sabemos que Jesus é o Messias? © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Tradução: Marcelo Rigo dos Santos. Revisão: Filipe Castelo Branco.