Sri Lanka: Liberdade religiosa para todos, menos para o cristianismo

A liberdade religiosa é a garantia da existência (e mesmo, convivência) de várias religiões. Isto é um fato autoevidente. Assim também é evidente que a liberdade religiosa não autoriza ou legitima o proselitismo (ou a apologética) com recursos de violência e da força, e, quando isto ocorre, estamos diante do problema clássico de violação a direitos e garantias fundamentais inerentes a todos os seres humanos. A morte mais de 300 pessoas e mais de 500 feridos no atentado a diversas igrejas e hotéis no Sri Lanka[1], reivindicado por um remanescente do Estado Islâmico, apenas reverbera uma oposição histórica do islamismo ao cristianismo – não é novidade. Basta caminhar pela origem da jihad islâmica, para compreender que o poder da espada faz parte do ciclo normal do proselitismo muçulmano, através dos séculos.

No segundo juramento tomado em Aqaba (621 d.C.), todos os seguidores de Muhammad concordaram em lutar, nas palavras de Ibn Hisham, “a guerra vermelha e negra” pela causa do Islã. Este incidente marcou a passagem no caminho da pregação do Islã, da persuasão e propagação pela Jihad. […] É certo que Muhammad muitas vezes deixou para trás um número de seguidores quando entrou em campo (Wáqidi, Kitb al. Maghdzi , ed. Von Kremer (Calcutá, 1856), pp. 12-3). Esta prática foi sancionada por uma injunção do Alcorão para o efeito de que “os crentes não devem marchar juntos para a guerra.[2]

Na maioria esmagadora dos estados onde há preponderância da fé maometana o poder religioso e o poder civil se confundem na mesma pessoa; em outras palavras, ambos os signos se fundem, tornando-se um só. O fenômeno religioso e o fenômeno político e social interagem de tal forma:

“[…] em que a Religião e o Estado se confundem, por isso sistema da confusão, sendo as ações governamentais vinculadas à fé e à religião do Estado. O poder é exercido por seus clérigos/ religiosos, além de seus líderes se confundirem, ou seja, o líder religioso é também o líder do Estado.”[3]

Diferente da deste modus operandi, há que se falar do modo de operação do evangelismo cristão, que em muito difere do modelo jihadista – conforme bem lembra o pastor Wayne Grudem:

É possível que os cristãos nem sempre consigam persuadir a maioria da sociedade; sem dúvida vencerão algumas discussões e perderão outras. Mas, com o passar do tempo, a visão de uma influência cristã expressiva resultará em muitas mudanças para melhor nas sociedades e nos governos. Sempre foi assim, a influência cristã resultou em mudanças extraordinárias, como a abolição da escravidão, a ênfase sobre a alfabetização universal e sobre o livre acesso ao ensino, leis que protegem crianças, leis que protegem trabalhadores de indústrias e leis que protegem mulheres de abusos.[4]

Não é à toa que o modelo atual de Estado Laico, tanto o tradicional (simpliciter), quanto o colaborativo (modelo brasileiro), em que há uma relação com a “religião com neutralidade positiva, garantindo que todas as modalidades de expressões religiosas se manifestem livremente em seu território nacional”[5], tem inspiração na luta do protestantismo pelo livre exercício da fé.

Há um abismo instransponível entre uma religião que prega a guerra e a violência como meio de disseminação – mesmo a despeito de posicionamentos discordantes, que veem nos atos de violência um abuso fanático que não refletiria a doutrina como um todo, e outra que busca a promoção da paz independente da escolha de fé. O Direito Religioso preleciona que o limite da liberdade religiosa é a dignidade da pessoa humana, senão vejamos:

Não há liberdade que, ao colidir com a dignidade da pessoa humana, resista, porque é a dignidade da pessoa humana que possui o condão de tornar um axioma em liberdade. Não se trata de pesar qual a liberdade é mais importante ou maior, se a de expressão ou religiosa. As duas liberdades, como todas as demais, existem para SERVIR. Servir o preceito fundamental da Dignidade da Pessoa Humana. Aquela que não serve, ou pior, a ofende, não está cumprindo seu propósito, em claro desvirtuamento. A dignidade da pessoa humana é base de todos os direitos, funda-se no próprio direito natural.[6]

Apesar de a dignidade da pessoa humana ser a pedra angular que regula (ou deveria regular) todas as relações humanas, promovendo, sempre, o bem comum de uma sociedade, é amplamente ignorada quando o assunto é proteção as comunidades de fé cristãs estabelecidas no globo. A dignidade é um limitador timbrado pela ciência jurídica – assunto este que, por óbvio, deveria ser o padrão ideal no quesito de profissão de fé a nível internacional, mas que é desprezado na prática quando se faz necessário aplicar na problemática da perseguição religiosa aos cristãos.

A questão piora quando percebemos que não há engajamento por parte de lideranças internacionais, e muito menos grandes coalizações para repudiar atos de perseguição religiosa contra os cristãos. A disparidade é patente, quando a mínima expressão que não favoreça os islâmicos é prontamente repudiada, sendo tal tratamento não dispensado quando se refere aos cristãos.

Uma observação política seletiva que gera privilégio para uma religião, e concomitantemente não atende igualitariamente a outra, selecionando quem será beneficiado com proteção, resulta em um problema de ordem moral e jurídica – e tal vício é preocupante para qualquer civilização. No atentado do Sri Lanka podemos listar uma relação de violações à dignidade da pessoa humana; liberdade religiosa e a liberdade de expressão:

1. Assassinato em massa no período de celebração do calendário Cristão, a páscoa;

2. O governo do Sri Lanka bloqueia as redes sociais para evitar a propagação de fake news no dia posterior ao atentado;

3. Líderes mundiais e figuras de influência não chamam os Católicos pelo nome, e sim por um pseudônimo (estranho a Igreja, inclusive) de “adoradores da páscoa” (Easter worshippers).

Há uma ameaça exposta e bem financiada ao cristianismo[7]. Percebemos pelos graus de tolerância dispensados de forma desigual, principalmente porque o cristianismo tem compromisso com a objetividade. Entretanto, a estrutura da cosmovisão cristã não apregoa a violência como meio para propagação do Evangelho, mas é desprezada por aqueles que deveriam promover o mesmo tratamento legal para todas as religiões!

Rodrigo Constantino nos alerta que isto é resultado de um processo de revolução silenciosa, que tem por fim, radicalmente, extinguir marcos antigos – mesmo que eles sejam amplamente aceitos e que façam parte da opção religiosa de um povo: “o radicalismo passa a representar tudo que há de bom no mundo e a correção de tudo que havia de ruim; os radicais tem o monopólio da verdade para fundamentalmente mudar o mundo”[8].

Este modelo faz parte da identidade de políticos que se enquadram como progressistas – ditam o melhor para todos, e buscam apagar qualquer menção que contrarie seu plano de governo. Ou seja, é mais importante manter integra uma religião que apregoa a violência, do que a cristã, simplesmente por ser contra sua agenda política.

O tratamento desigual e arbitrário prestado à religião cristã, neste caso em específico, enquadra-se como criminoso e imoral, além de representar um grave risco à democracia, ficando sob a iminência de regimes totalitários[9]. Com o aumento crescente de lideranças preocupadas em fulminar a influência da tradição cristã na civilização, é importante ter ciência dos direitos que a Igreja – como organização religiosa – conquistou, não apenas para reivindicá-los, para evitar que eles sejam revogados ao bel prazer de líderes tirânicos.

[1] Ver detalhes em: https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/mundo/estado-isl%C3%A2mico-reivindica-atentados-no-sri-lanka-1.334411
[2] KHADDURI, Majid. War and peace in the law of islam. The Lawbook Exchange, LTD. Clark, New Jersey, 2006, p. 83.
[3] VIEIRA, Thiago Rafael. Direito Religioso: questões práticas e teóricas/ Thiago Rafael Vieira; Jean Marques Regina – Porto Alegre: Concórdia, 2018, p. 105.
[4] GRUDEM, Wayne. Política segundo a Bíblia: princípios que todo cristão deve conhecer. São Paulo: Vida Nova, p. 101.
[5] VIEIRA, Thiago Rafael. Direito Religioso: questões práticas e teóricas / Thiago Rafael Vieira; Jean Marques Regina – Porto Alegre: Concórdia, 2018, p.113.
[6] VIEIRA, Thiago Rafael. Direito Religioso: questões práticas e teóricas / Thiago Rafael Vieira; Jean Marques Regina – Porto Alegre: Concórdia, 2018, p. 99.
[7] Conforme palestra “Cosmovisão Cristã e o Direito”, do professor Jeffery J. Ventrella, ver em: https://www.youtube.com/watch?v=I49gA6zE8uo
[8] CONSTANTINO, Rodrigo. Confissões de um ex libertário Rio de Janeiro: Record, 2018, p. 23.
[9] FERREIRA, Franklin. Contra a idolatria do Estado: o papel do cristão na política. São Paulo: Vida Nova, 2016, p.  215.

Por: Thiago Rafael Vieira. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Original: Sri Lanka: Liberdade religiosa para todos, menos para o cristianismo.