Um blog do Ministério Fiel
Fé cristã e arte: objetividade ou subjetividade?
Uma das discussões mais comuns no universo da arte é se a experiência estética é objetiva ou subjetiva. Em outras palavras, se ela é regulamentada por normas absolutas ou se constitui terreno da completa autonomia humana, sobre o qual fazemos o que bem entendemos.
A respeito dessa questão, Rookmaaker escreveu certa vez que “a vida e a arte são complexas demais para aplicarmos regras legalistas; mas isso não significa que não há normas” (ROOKMAAKER, A arte não precisa de justificativas, p.61). De acordo com essa afirmação, uma visão cristã da arte deve sustentar que nossa experiência estética possui, ao mesmo tempo, elementos de objetividade e de subjetividade. Tenho dito que a arte é menos objetiva do que gostaria nosso anseio por segurança e menos subjetiva do que gostaria nosso anseio por liberdade. O artista é livre, mas não é Deus. Ele exerce sua criatividade no mundo criado por Deus, a partir dos recursos que Deus dispõe, e, deve fazê-lo respeitando os limites estabelecidos por Ele, sob pena de produzir coisas feias ao invés de belas.
“Quais são as normas para a arte?” é uma questão complicada. Mas um ponto de partida pode ser encontrado nos quatro tópicos a seguir:
1. A arte deve se desenvolver em conexão com o mundo criado por Deus. Embora tenha valor intrínseco, a arte não existe à parte do mundo criado. Na verdade, ela existe para enriquecer a vida no mundo e isso exige que o seu significado seja experimentado na relação com o todo da vida. A implicação disso é que uma das normas da arte é aquilo que costumamos chamar de decoro: a adequação entre ela e o ambiente ou evento no qual ela é veiculada e ao qual ela visa enriquecer.
2. A arte deve se desenvolver debaixo do senhorio de Deus. O pressuposto básico deste segundo tópico é o de que, embora seja criação, a arte não é creatio ex-nihilo [criação a partir do nada], como o ato criativo de Deus. Pelo contrário, ela tem Deus como ponto de partida e referência. A primeira implicação disso é que, além de criativa, ela é sempre alusiva ou representativa. Toda arte é uma forma de expressão e, como tal, veicula uma mensagem. Como deve ser em toda a comunicação humana, essa mensagem deve estar sujeita à Revelação de Deus. A beleza existe numa relação necessária com a verdade e a justiça, e, fora dessa relação, ela simplesmente não pode existir.
3. A arte deve expressar a complexidade do mundo criado por Deus. Outra implicação de ter Deus como ponto de referência é que a arte deve expressar a complexidade da realidade criada. Isso possui implicações para os dois aspectos fundamentais da arte: a forma e o conteúdo. Com respeito ao segundo, a arte não deve ser monotemática, mas precisa expressar a variedade de temas impressos por Deus na realidade que Ele criou. Em relação ao primeiro [forma], ela precisa ser rica e fazer uso da diversidade de materiais, suportes, e outras potencialidades das quais dispõe o artista, segundo a dádiva do Criador.
4. A arte deve ser compreensível. A arte é o resultado da aplicação de talentos concedidos por Deus. Talentos também são dádivas que Deus nos concede, visando o serviço a Ele, através do serviço ao próximo. A arte possui, portanto, um sentido relacional; ela existe para enriquecer a vida de outras pessoas. Isso significa que ela não deveria ser produzida de maneira egocêntrica. Devemos compreender que, num certo sentido, a arte é produto de inquietações e reflexões de um artista, e, neste sentido, é um ato de entrega individual do artista a Deus. Mas ela não deve ser, por princípio, ensimesmada. O artista deve considerar o outro e o universo simbólico dele, evitando qualquer atitude elitista e esnobe que representa um desvio do propósito intersubjetivo da arte.
Ao mesmo tempo em que considera o aspecto normativo da arte, a visão cristã não elimina o espaço para a subjetividade, expressa nos diferentes estilos e na preferência pessoal. Como exercício de nossa criatividade, a arte é o universo de nossa liberdade relativa. Por essa razão, é natural e desejável que haja diferença de estilos entre os diferentes artistas e entre diferentes culturas no tempo e no espaço, da mesma forma que é natural e desejável que os diferentes observadores manifestem sua preferência pessoal por determinadas manifestações, estilos ou artistas.
Por uma razão contextual, é bom lembrar, porém, que estilos não são invólucros neutros. A boa arte estabelece uma relação de coerência entre forma e conteúdo, e a implicação imediata disso é que a forma de uma obra de arte nunca é neutra. Ela é o resultado de uma cultura, um ambiente, um conjunto de possibilidades, e, em última instância, da visão que um artista tem da realidade.
…os pintores pintam o que veem. Porém, uma vez que eles veem o que conhecem, podemos dizer também que eles pintam o que conhecem. Na pintura, ou na comunicação visual, podemos ver o que um artista, como membro da raça humana, colocado em certo ponto de sua história, conhece e entende sobre a realidade. Porém a visão humana da realidade não é apenas conhecimento, no sentido de conhecer o que está lá; é também criação, no sentido de que pessoas querem “realizar” sua visão da mesma realidade (ROOKMAAKER. The christian and art. p.335-336).
É bom lembrar também que, à luz de uma perspectiva cristã, a nossa preferência pessoal não valida a nossa experiência estética. A nossa preferência pelo feio não o transforma em belo, da mesma maneira que a nossa preferência pelo mal não transforma o mal em bem, nem a nossa preferência pela mentira torna a mentira verdadeira.