Descobrindo a sua depravação

O trecho abaixo foi extraído com permissão do livro Graça Extravagante, de Barbara Duguid, Editora Fiel.

Certa manhã, Deus me ensinou poderosamente essa lição, em um momento de inquietação, pouco antes do amanhecer. Eu estava debaixo do chuveiro, mais uma vez, às três horas da manhã. A enxaqueca havia durado por várias horas e não mostrava sinais de melhora. O tempo que passei vomitando tinha me deixado exausta e impediu que eu digerisse todos os analgésicos que havia tomado. Em um esforço desesperado para escapar daquela dor latejante e enlouquecedora, arrastei-me até o chuveiro para sentir a água caindo em minha cabeça. Isso não serviu para tirar a dor, mas trouxe alguns momentos de distração e alívio. O problema é que, cada vez que eu saía do chuveiro e voltava para cama, a dor retornava. Essa já era minha terceira ida ao chuveiro, e senti uma tensão crescente em minha cabeça e em meu corpo, ao perceber que a dor estava piorando e as náuseas, recomeçando. Estava no meu limite, e, ao voltar para o chuveiro, o mundo desabou em mim. Uma raiva poderosa contra Deus brotou dentro de mim, e acusações jorravam, enquanto as lágrimas começavam a cair. “Deus, já implorei repetidas vezes que você dê um fim nestas dores de cabeça, NESTA dor de cabeça, mas você não a tirou de mim. Por quê? O que eu tenho que fazer? Por que você não me ouve e por que não se importa?” A grande teologia que aprendi ao longo dos anos apenas alimentou meu desdém. Eu sabia que Deus tinha o poder de realizar toda a sua santa vontade. Ele poderia remover facilmente todas as minhas dores de cabeça, e fui levada a lutar com o fato de que ele não iria fazê-lo, apesar de quanto eu implorasse, suplicasse ou ameaçasse.

De repente, um pensamento invadiu a minha mente, e eu sabia que não vinha de mim. Se Deus faz todas as coisas para sua própria glória e para o bem dos eleitos, então, de algum modo, essa dor de cabeça deve cumprir esses dois objetivos. Ela tem que glorificar a Deus e, de algum modo misterioso, ser boa para mim. Um pensamento levou ao outro, quando o Espírito Santo invadiu a minha mente, resgatando a minha alma: Se Deus me ama — e sei que ele me ama, pois provou isso na cruz — então, é o amor que o compele a não fazer a minha vontade neste momento. Por que um Pai amável e celestial planejaria isto para mim hoje?

Eu sabia que esses pensamentos não eram meus, pois eram atípicos e alheios a mim. Meu padrão habitual de respostas às dores de cabeça se resumia a queixas e acusações amargas, mas esses pensamentos eram algo completamente diferente: eram verdades sobre verdades que me levariam a uma forma totalmente nova de pensar. Comecei a orar e a confessar a minha raiva grosseira a Deus. Essa experiência no deserto de dor constante levou-me a me levantar diante de Deus e a erguer o punho com raiva infantil. Por que ele toleraria um comportamento tão irreverente, orgulhoso e pecaminoso? Eu estava fazendo isso há anos e, ainda assim, sobrevivi! Ele não havia me destruído por causa da minha audácia ou me castigado pelo meu desaforo. Meus olhos foram repentinamente abertos para a enxurrada de pecados que jorrava de meu coração contra Deus pelo fato de ele não fazer a minha vontade ou me deixar fazer as coisas como eu quisesse; então, fui quebrantada. Meus pensamentos mudaram de acusação amarga para contemplação e adoração, à medida que eu me maravilhava com a incrível paciência de Deus para comigo. Deus nunca havia me prometido uma vida sem dores, mas eu achava que ele me devia exatamente isso e o odiava quando ele não cumpria a minha vontade ou não agia como meu empregado.

Desliguei o chuveiro, e, enquanto a água escoava pelo ralo, algo imenso e escuro começou a sair de minha alma. Deus utilizou o deserto desta enxaqueca e de muitas outras antes dela para abrir meus olhos para algo que eu não enxergava havia muitos anos. Minha postura diante de Deus havia sido a de uma pessoa que se julgava merecedora e cheia de exigências sem fim. Essa informação era nova para mim, mas não era nova para Deus. Ele sempre viu meu coração e sabia o que havia dentro dele, mas esperou amorosamente até esse dia para abrir meus olhos e me mostrar a profundidade de meu pecado. Mais uma vez, eu não fora apenas deixada a sentir-me miserável e péssima. A imensidão de meu pecado tinha que revelar algo maravilhoso sobre meu Salvador. Jesus foi crucificado exatamente por esse fardo de iniquidade, e ele me amou ao fazer isso. Ele escolheu sofrer a ira, literalmente, de tirar o fôlego, de seu amado Pai celestial em meu lugar, para que eu não tivesse que morrer pelo meu pecado.

Uma imagem se formou em minha mente ao me visualizar diante da cruz do meu Salvador, agonizando, enquanto eu o afrontava por não ter parado a minha dor de cabeça. As implicações absurdas dessa visualização derreteram meu coração com um doce arrependimento e uma profunda gratidão. Percebi que eu certamente era capaz de atos tão maliciosos, egoístas e imaturos, e, no entanto, nada do que eu pudesse fazer jamais me afastaria do amor de Jesus Cristo. Além disso, Cristo não somente morreu a minha morte, como também viveu de modo perfeito por mim, sofrendo com as doenças e dores de um ser humano, existindo em um corpo limitado, sem murmurar contra Deus ou acusá-lo e sem pecar de qualquer outra forma. Então, ele apagou meu histórico de ressentimento e ira e me deu a sua justiça.

Certa vez, Jesus também pediu algo a Deus, mas a sua vontade não prevaleceu. No jardim do Getsêmani, ele pediu a Deus que afastasse dele o cálice de sua ira, que o removesse. Porém, Deus não respondeu àquela oração (Mateus 26.39). Jesus, no entanto, não reagiu com acusações amargas e ameaçadoras. Em vez disso, ele orou: “Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu queres” e levantou-se para dar início a uma caminhada de dor que eu nunca conhecerei ou poderia suportar. Sem ira ou acusações, ele escolheu sofrer grande agonia, para que a minha ira direcionada constantemente a Deus não me destruísse. Agora, a retidão de Jesus era minha, embora eu ainda lutasse com pecados como ira e amargura. Que amor maravilhoso Cristo demonstrou por mim ao sofrer voluntariamente! Que amor incrível o Pai demonstrou ao permitir que Jesus sofresse em meu lugar! Que alegre surpresa descobrir como ele continua me sustentando, conduzindo-me através dos desertos que planejou para mim e sofrendo pacientemente a injustiça das minhas reações pecaminosas, a fim de revelar-me o meu coração e ensinar-me sobre o seu amor.

O que aprendi

Gostaria de poder lhe dizer que as minhas dores de cabeça acabaram naquele dia. Seria ainda mais maravilhoso poder dizer que nunca mais fiquei com raiva de Deus! Contudo, nenhuma dessas coisas aconteceu. Em vez de minha raiva para com Deus ter desaparecido completamente, comecei a ver que dentro de mim havia muito mais dessa raiva do que pude observar naquela noite. Deus é bondoso e misericordioso e não nos mostra a verdade sobre nós mesmos de uma só vez. Em vez disso, ele determina épocas e momentos em que abre nossos olhos pouco a pouco, para que possamos suportá-la. A maravilha de contemplar a medida da minha raiva é que, uma vez conhecida, eu poderia confessá-la a Deus e suplicar pelo dom do arrependimento. Quando vivemos negando o pecado e não nos vemos com exatidão, não podemos crescer verdadeiramente. Estamos paralisados até que o Espírito Santo nos dê visão e nos conceda o arrependimento em seu tempo.

Naquela noite, uma benção mais surpreendente chegou com o dom daquela minha dor de cabeça. As dores de cabeça não terminaram naquele dia, mas mudaram drasticamente. Enxaquecas somadas à raiva são mais severas e dolorosas do que enxaquecas sem ela! Descobri que minhas emoções fortes e negativas alimentavam meu coração pulsante e minha cabeça latejante, tornando as dores muito piores. Quando a atitude de meu coração para com Deus e sua vontade mudou, as dores de cabeça se tornaram menos severas e mais suportáveis.

O Espírito Santo também começou a me mostrar muitas maneiras pelas quais as enxaquecas eram, na verdade, boas para minha alma. As enxaquecas me tornaram mais humilde e me lembraram que sou apenas carne e osso. Elas me mostraram, repetidas vezes, que Deus não precisa da minha ajuda para governar o universo. Ele pode fazê-lo muito bem comigo deitada em minha cama. Em alguns dias, eu achava que meus afazeres eram de suma importância, porém Deus me mostrou o contrário. Eu pensava comigo mesma que Deus queria que eu fizesse, em determinado dia, isso, aquilo e aquilo outro — somente coisas boas, como servir meus filhos e trabalhar no ministério. Então, descobri que o que Deus havia realmente decidido ser melhor para aquele dia era que eu tivesse uma enxaqueca.

Comecei a refletir com mais frequência que, se uma enxaqueca era a boa vontade de Deus para mim, também era a sua boa vontade para meus cinco filhos e meu marido. Por meio de minhas dores de cabeça, Deus estava ensinando a meus filhos a serem mais compassivos com pessoas que sofrem e estava treinando meu marido a servir sua família fielmente, mesmo quando o trabalho exigia muito dele e era muito mais gratificante do que cuidar da esposa e dos filhos. A minha luta ainda revelou as idolatrias de outras pessoas em nossa casa. Essa revelação levou à confissão e ao arrependimento delas. Em outras palavras, minhas enxaquecas não diziam respeito somente a mim! Deus as usou para cumprir seu bom propósito em muitas vidas e de muitas maneiras. Esse sofrimento nunca me pareceu uma boa ideia, mas a perfeita vontade de Deus havia mostrado o contrário. Ele me concedeu gradualmente mais graça para que me submetesse à sua vontade e cresse que ele é mais bondoso e sábio do que eu jamais poderia ser. Comecei a aprender e a crer que essa era sua vontade amorosa para mim, não sua vontade má e vingativa.

Se diminuir o número total de pecados que cometerei fosse o principal objetivo de Deus, ele teria me mantido longe do deserto. No entanto, Deus me levou ao deserto para me revelar meus pecados, porque enxerga-los é bom para mim e glorifica a ele. Ver nosso próprio pecado é algo bom para nós, pois, quando fazemos isso, nosso Salvador torna-se mais estimado por nós. Quando estamos firmes e fortes, não costumamos olhar para Cristo — não precisamos dele. Porém, quando caímos, derrotados pelo pecado e pela fraqueza, não há para quem olharmos a não ser para aquele que morreu a nossa morte e viveu a vida que deveríamos ter vivido. Deus ama corações quebrados e contritos; e não os adquirimos por meio de uma vida cristã vitoriosa. É justamente no contexto de toda essa fraqueza e pecado que o nosso Deus nos convida a nos apoiarmos em seu poderoso braço e promete guiar-nos com olhos que não dormem e um coração amoroso. Ele nos diz: “Não temas, porque eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou o teu Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a minha destra fiel.” (Isaías 41.10). Todavia, esse fortalecimento não é sempre força para a obediência; algumas vezes, é também aquele poder extraordinário para sobrevivermos à nossa fraqueza e para adorarmos a Cristo com mais alegria por causa disso. Nosso Deus vai à nossa frente, e, por meio de sua poderosa Palavra, o torto se faz reto, e a luz brilha na escuridão. Em meio a todo o nosso fracasso e pecado, as promessas de Deus para seus filhos permanecem firmes e verdadeiras: ele será o nosso sol, nosso escudo e nossa grande recompensa (Salmos 84.11).

O fato de sermos totalmente depravados é uma verdade que ninguém jamais aprendeu apenas por ouvir falar. — John Newton

Graça Extravagante

A Glória de Deus revelada em nossa fraqueza

Por que os cristãos ainda pecam com tanta frequência?

Nesse livro, Barbara Duguid nos ensina, a partir dos escritos de John Newton, sobre o propósito de Deus para as nossas falhas e culpa. Sua abordagem franca e cheia de empatia, com ilustrações de suas próprias lutas, eleva o nosso foco, de nossos próprios esforços, para um Deus que é maior que as nossas falhas e que as usa para a sua glória.

Confira

Por: Barbara Duguid. © Editora Fiel. Website: voltemosaoevangelho.com. Trecho extraído com permissão do livro: Graça Extravagante.

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