Um blog do Ministério Fiel
Ele matou seu pecado com amor (John Owen)
Alguns de nós estamos sobre os ombros de homens que ficaram sobre os ombros de John Owen. J.I. Packer, Roger Nicole e Sinclair Ferguson, por exemplo, são três pilares contemporâneos no edifício do meu pensamento, e cada um deles testemunhou publicamente que John Owen é o escritor cristão mais influente em suas vidas. Isso é surpreendente para um homem que faleceu há mais de trezentos anos, e que escreveu em um estilo tão difícil de ler que até ele viu seu trabalho como imensamente exigente para sua própria geração.
No prefácio de seu livro The Death of Death in the Death of Christ, Owen faz o que nenhum bom agente de marketing permitiria hoje. Ele começa assim: “LEITOR, . . . Se tu és, como muitos nesta era de aparências, um crítico ou admirador de títulos, e entras nos livros como Cato no teatro, para somente sair de novo – tu tens tido teu entretenimento; adeus”!
No entanto, J.I. Packer, Roger Nicole e Sinclair Ferguson não se despediram de Owen. Eles permaneceram com ele. E eles aprenderam. E hoje os três dizem que nenhum escritor cristão teve um impacto maior sobre eles do que John Owen.
Realizações de um Puritano
Owen nasceu na Inglaterra em 1616, no mesmo ano em que Shakespeare morreu e quatro anos antes de os peregrinos partirem para a Nova Inglaterra. Isso está virtualmente no meio do grande século puritano (aproximadamente de 1560 a 1660). Owen nasceu no meio desse movimento e tornou-se seu maior pastor-teólogo, quando o movimento terminou quase simultaneamente com sua morte em 1683.
Em 1642, começou a guerra civil entre o Parlamento e o rei Charles. Owen, um capelão na época, era simpático ao Parlamento contra o rei e o bispo Laud, e por isso ele foi expulso de sua capelania e mudou-se para Londres, onde vários eventos importantes aconteceram nos quatro anos seguintes, que marcaram o resto de sua vida.
1. Conversão
O primeiro é a sua conversão – ou possivelmente o despertar da certeza da salvação e o aprofundamento da sua comunhão pessoal com Deus. Owen era um calvinista convicto com grande conhecimento doutrinário, mas lhe faltava o sentido da realidade de sua própria salvação.
Quando Owen tinha 26 anos, ele foi com seu primo ouvir o famoso presbiteriano Edmund Calamy na Igreja de Santa Maria em Aldermanbury. Mas acabou que Calamy não pôde pregar, e um pregador do país tomou o seu lugar. A prima de Owen queria ir embora. Mas algo segurou Owen em seu lugar. O pregador tomou como texto base Mateus 8:26: “Por que sois tímidos, homens de pequena fé”? Foi a palavra e a hora designada por Deus para o despertar de Owen.
Suas dúvidas, medos e preocupações sobre se ele realmente havia nascido de novo pelo Espírito Santo se foram. Ele se sentiu libertado e adotado como um Filho de Deus. Quando você lê os trabalhos práticos e penetrantes de Owen sobre a obra do Espírito e a natureza da verdadeira comunhão com Deus, é difícil duvidar da realidade do que Deus fez naquele domingo de 1642.
2. Casamento e Morte dos Filhos
O segundo evento crucial naqueles primeiros anos em Londres foi o casamento de Owen com uma jovem chamada Mary Rooke. Ele foi casado com ela por 31 anos, de 1644 a 1675. Não conhecemos praticamente nada dela. Mas sabemos de um fato absolutamente impressionante que deve ter influenciado todo o ministério de Owen pelo resto de sua vida. Sabemos que ela lhe deu onze filhos, e todos, menos um, morreram quando criança, e a única filha que sobreviveu à infância morreu quando jovem. Ou seja, uma média de um filho nascido e perdido a cada três anos da vida adulta de Owen.
Nós não temos, em todos os seus livros, uma referência sequer a Mary, às crianças ou à sua dor. Mas saber que esse homem andou no vale da sombra da morte a maior parte de sua vida me dá uma pista em relação a profundidade de seu relacionamento com Deus que encontramos em suas obras. Deus tem seus modos estranhos e dolorosos de fazer de seus ministros o tipo de pastores e teólogos que ele quer que eles sejam.
3. Começo Político
O terceiro evento destes primeiros anos em Londres foi o convite em 1646 para falar ao Parlamento. Naquela época, havia dias de jejum durante o ano em que o governo pedia a certos pastores que pregassem na Câmara dos Comuns. Foi uma grande honra. Essa mensagem catapultou Owen para assuntos políticos pelos próximos quatorze anos.
Não só isso, Cromwell, em 1651, nomeou Owen como reitor do Christ Church College, em Oxford, e no ano seguinte também o tornou vice-chanceler. Ele esteve envolvido com Oxford por nove anos até 1660, quando Charles II retornou e as coisas começaram a ir muito mal para os puritanos.
Sempre estudando, sempre escrevendo
Apesar de toda essa pressão administrativa e até hostilidade por causa de seu compromisso com a piedade e com a causa puritana, ele estava constantemente estudando e escrevendo, provavelmente até tarde da noite em vez de dormir. Isso mostra como ele estava preocupado com a fidelidade doutrinária às Escrituras.
Durante esses anos administrativos, ele escreveu vinte e dois trabalhos publicados, incluindo Of the Mortification of Sin in Believers (1656), Of Communion with God (1657), e Of Temptation: The Nature and Power of It (1658)O que é tão notável sobre esses livros é que eles são o que eu chamaria de intensamente pessoal e, em muitos lugares, muito amável. Então ele não estava apenas lutando batalhas doutrinárias – ele estava lutando contra o pecado e a tentação. E ele não estava apenas lutando – ele estava promovendo uma comunhão sincera com Deus.
Pastor fugitivo até o fim
Owen foi dispensado de seus deveres de reitor em 1660 (tendo deixado a vice chancelaria em 1657). Cromwell morreu em 1658. A monarquia com Carlos II estava de volta. O Ato de Uniformidade, que colocou dois mil puritanos fora de seus púlpitos, estava às portas (1662). Os dias que se seguiram para Owen agora não eram os grandes dias acadêmicos e políticos dos últimos quatorze anos. Ele era agora, (de 1660 até sua morte em 1683), uma espécie de pastor fugitivo em Londres.
Por causa da situação política, ele nem sempre foi capaz de permanecer muito tempo em um só lugar e estar com seu povo, mas ele parecia carregá-los em seu coração, mesmo quando ele estava se movendo. Perto do fim de sua vida, ele escreveu ao seu rebanho: “Embora eu esteja ausente de vocês no corpo, estou presente em mente, carinho e espírito com vocês e em suas reuniões; pois espero que sejam achados minha coroa e alegria no dia do Senhor”.
Seu objetivo: Santidade
Vamos nos afastar agora e tentar nos aproximar do âmago do que fez este homem vibrar e do que o tornou grande. Acho que as palavras que mais se aproximam de nos revelar o âmago e objetivo de sua vida são encontradas no prefácio do livrinho Of the Mortification of Sin in Believers:
“Espero sinceramente ter o desejo do meu coração para com Deus e com o principal desígnio da minha vida. . . que a mortificação e a santidade universal possam ser promovidas em meu próprio coração e nos caminhos dos outros, para a glória de Deus, para que assim o evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo possa ser adornado em todas as coisas”.
Mortificação significa guerra ao nosso próprio pecado com o objetivo de matá-lo. Ele parafraseou essa verdade na memorável frase: “Mate o pecado ou ele matará você”.
A santidade pessoal e a vida pública frutífera de Owen não simplesmente “aconteceram” com ele. Ele os perseguiu. Havia estratégias de disciplina pessoal e legitimidade pública que Deus usava para fazer dele o que ele era. Em toda a nossa vida e ministério, à medida que nos preocupamos com as pessoas e defesa da fé, podemos aprender muito com a busca de santidade de Owen em particular e em público.
Ele se comunicava com Deus
É incrível que Owen tenha conseguido, mesmo sob as pressões de sua vida, continuar escrevendo livros que eram tão profundos quanto edificantes. Andrew Thomson, um de seus biógrafos, escreveu:
“É interessante encontrar as amplas evidências que [seu trabalho na Mortificação] proporcionam, que mesmo em meio ao ruído da controvérsia teológica, as atividades envolventes e complexas de uma alta repartição pública e os temerosos desconfortos da universidade, ele ainda estava vivendo perto de Deus, e como Jacó entre as pedras do deserto, mantendo comunhão particular com o eterno e invisível. (Works of John Owen, I:lxiv–lxv)”.
Escrevendo uma carta durante uma doença em 1674, Owen disse a um amigo: “Cristo é nosso melhor amigo, e logo será nosso único amigo. Eu oro a Deus com todo o meu coração para que eu possa estar cansado de todo o resto, exceto de minhas conversas e comunhão com Ele” (God’s Statesman, 153). Deus estava usando a doença e todas as outras pressões da vida de Owen para levá-lo à comunhão com Deus e não para longe dele.
Ele acreditava, e só então falava
Um grande obstáculo para a santidade no ministério da palavra é que estamos propensos a pregar e escrever sem insistir nas coisas que dizemos e tornando-as reais para as nossas próprias almas. Com o passar dos anos, as palavras começam a ser fáceis, e descobrimos que podemos falar de mistérios sem o temor necessário; podemos falar de pureza sem nos sentirmos puros; podemos falar de zelo sem paixão espiritual; podemos falar da santidade de Deus sem tremer; podemos falar do pecado sem tristeza; podemos falar do céu sem anseio. E o resultado é um crescente endurecimento da vida espiritual.
A convicção sustentava Owen nessas coisas era a seguinte:
“Um homem pode pregar um sermão aos outros apenas o quão bem ele o prega para a sua própria alma. E aquele que não se alimenta e prospera na digestão do alimento que ele provê aos outros, dificilmente os tornará saboroso; sim, ele não sabe, mas o alimento que ele proveu pode ser veneno, a menos que ele mesmo tenha provado dele. Se a palavra não habita com poder em nós, não poderá sair de nós com poder. (Works of John Owen, XVI: 76)”.
Foi essa convicção que sustentou Owen em sua vida pública imensamente ocupada de controvérsias e conflitos. Sempre que se comprometia a defender uma verdade, ele procurava, antes de mais nada, levar essa verdade profundamente ao seu coração e obter uma verdadeira experiência espiritual dela, de modo que não houvesse artificialidade no debate e nenhuma mera postura ou capacidade de “blefe”.
Ele se preparou para encontrar com Cristo
A última coisa que Owen estava fazendo, quando o fim de sua vida se aproximava, era a comunhão com Cristo em uma obra que mais tarde foi publicada como Meditações sobre a Glória de Cristo. Seu amigo William Payne estava ajudando-o a editar o trabalho. Perto do final, Owen disse: “Ó, irmão Payne, o tão desejado dia chegou finalmente, no qual verei a glória de uma maneira diferente da que jamais vi ou poderia ver neste mundo” (God’s Statesman. 171).
John Owen defendeu a plenitude da fé bíblica porque queria que gerações depois dele desfrutassem do mesmo “dia esperado há muito tempo”, quando veríamos a glória de Cristo “de outra forma” da qual jamais vimos aqui. Ele nunca fez de controvérsias, nem de suas vitórias, um fim em si mesmo. O fim era ver Jesus Cristo, estar satisfeito com ele e ser transformado à sua semelhança.