Um blog do Ministério Fiel
Meu amor por David Powlison (1949–2019)
Eu amo David Powlison, que faleceu 7 de junho de 2019, em uma sexta-feira, e gostaria de honrá-lo e exultar em seu Salvador, compartilhando com você sete razões para isso.
Eu digo “amo”, não “amei”, porque é assim que o amor é. Não deixa de existir durante as separações. E isto será breve.
1. Eu o amo porque quando ele falou eu vi.
Eu não fiz segredo quando o considerei, juntamente com CS Lewis, como alguém que conseguia ver o que realmente estava lá. Não foi por acaso que uma antologia de Lewis fosse intitulada A Mind Awake, e uma antologia de David é chamada Seeing with New Eyes. Ambos estavam profundamente despertos para a sutileza das coisas – para acordar de manhã e atentar à consistência do colchão, ao peso agradável do cobertor em seus pés, ao calor dos raios de sol, ao suave murmúrio do distante tráfego, a pura essência das coisas.
Lewis e Powlison acordaram-me gentilmente do adormecer recorrente da minha mente em reconstruções teóricas e abstratas das coisas, um passo à frente da materialidade da realidade. Acorde! Essas pessoas têm narizes! (Lewis) Acorde! Essas pessoas têm histórias! (Powlison)
Convido você a assistir a alguns dos pequenos vídeos de David no YouTube. Quando você pensa que não há nada mais que possa ser dito sobre um problema pessoal inescrutável, ele o vê de um novo ângulo, depois outro ângulo e mais outro. Então percebo que minha falta de palavras diante dessa tristeza é devido ao fato de eu não estar atento para o que realmente está lá. Maravilhas. Maravilhas no ser humano alquebrado à minha frente e maravilhas na palavra de Deus. Ele me ajudou a ver, de novo e de novo.
2. Eu o amo porque ele era gentilmente maravilhado com o maravilhoso – e tudo é maravilhoso.
Deixe-me ilustrar com uma história que ele contou:
Cerca de 1.500 anos atrás, o guerreiro-chefe de uma tribo germânica primitiva questionou sem rodeios um missionário visitante: “Por que eu deveria acreditar neste Jesus que você me conta?” O homem de Deus respondeu: “Porque em Jesus Cristo você encontrará maravilha sobre maravilha – e toda verdade”.
David acreditava que Jesus Cristo – revelado nas Escrituras – é a chave para ver e experimentar corretamente todas as coisas. E tudo é maravilhoso quando visto da forma correta. E, quando experimentado da forma correta, vai curar – abrir os olhos, dar alegria. Jesus, visto e anunciado sabiamente, é a chave para tudo que é verdadeiro, bom, completo, honesto e duradouro. O Filho de Deus e a palavra de Deus não vão mendigar entre as lojas secundárias de filosofias ou psicologias seculares.
Se quisermos servir bem às pessoas, David disse:
“Precisamos conhecer a pura glória e bondade daquilo que nosso Pai nos deu em Jesus Cristo. Conhecer Jesus em verdade e amor é encontrar a única coisa que vale a pena encontrar, a felicidade duradoura, o propósito da vida”.
No momento que estamos prestes a sentar e olhar para um livro de páginas brilhantes, com fotos de montanhas, David nos pega pelo braço e nos puxa para próximo da borda das alturas do Himalaia, e diz: “Olhe para a Realidade! Isso é maravilhoso! E muito mais relevante para cada vida conturbada do que qualquer representação brilhante.
3. Eu o amo porque sua linguagem está viva com o que ele viu.
Se você só olha, e não diz nada, como você pode servir alguém? Mas se você puder olhar o que é realmente maravilhoso, mas ainda assim descrevê-lo com abstrações vagas, como as pessoas vão ver e saborear as maravilhas que você vê? David não fazia assim. Você poderia tocar suas palavras. Elas eram reais. Isto é um dom. Por exemplo, ele aconselhou,
“Nunca diga palavras no “indicativo” ou “imperativo” ou “normativo, situacional, existencial” quando estiver falando com um ser humano que ainda esteja respirando”.
Eu ri alto quando li isso! Não sobrecarregue pessoas com jargões incompreensíveis comuns na esfera de sua especialidade. Se esforce para deixar suas estimadas abreviações e utilize realidade concreta, encontre palavras que toquem a alma.
Não use termos reduzidos como – “evangelho, cruz, metanarrativa, justificação, soberania, histórico-redentor”, e assim por diante – quando você tiver a oportunidade de usar termos mais esclarecedores. A Bíblia usa termos reduzidos somente após o significado ser esclarecido e estabelecido detalhadamente no contexto. E quando utilizados, os termos bíblicos reduzidos normalmente avançam para uma nuance ou uma nova perspectiva, em vez de simplesmente falar em um jargão técnico. A maioria das pessoas obtém muito pouco de abreviações, mas obtém muito dos detalhes e histórias.
A linguagem concisa é necessária. De fato, é inspirada por Deus. Mas é o “detalhamento”, o “contexto”, o “significado cristalino”, a “nuance”, a “nova perspectiva”, as “histórias” que despertam. Em algumas bocas, esse conselho poderia ter sido ignorado por mim, mas David tem minha confiança como amante de Romanos, assim como de Rute. Então, eu escutei quando ele disse:
“Torne-se ‘Rute-niano’ como você é ‘Roman-iano’, ‘Salmos-iano’ como você é ‘Colossensses-níaco’. Nós, que somos reformados por convicção, sempre amamos a verdade e também amamos a história. Mas ainda temos dificuldade em prestar atenção em narrativas e em todas as outras coisas que são verdadeiras”.
4. Eu o amo porque ele é radiantemente sério.
Humoristas contadores de piada não colaboram para minha felicidade ou para que eu seja mais frutífero. A frivolidade, parece-me, é o que acontece com a alma quando a busca pela felicidade perde o contato com a realidade. Para fazer o bem às pessoas, não devemos perder o contato com a realidade. Nós devemos conhecer algumas coisas. Por exemplo, David escreve:
“Nós devemos conhecer a gravidade de nossa condição como seres humanos. Nós tendemos a desertar. Nós amamos falsamente. Somos traidores – compulsivos, cegos”.
O Conselheiro Cristão (que todos nós, os crentes, somos em alguma medida) é sério por causa das propensões terríveis que ele vê no espelho. Mas, junto com esses fatos terríveis, “precisamos conhecer a glória e a bondade do que nosso Pai nos deu em Jesus Cristo”. Assim, o Conselheiro Cristão é radiante de alegria.
Pelo menos David era. Na minha experiência, ele nunca foi superficial ou sombrio. Ele não escondia o peso de seus problemas na manga. Eles o tornaram sério, mas não pesado. Ele não era um desmancha prazer nem o bufão. Ele falava seriamente – o oposto de superficialmente – radiantemente sério. Ninguém me cumprimentou como David Powlison – olhos fixos nos meus, sorrindo gentilmente, observando, perguntando.
5. Eu o amo porque ele era serenamente inabalável, mas corrigível.
Ele dedicou alguns dos seus melhores pensamentos em como ele poderia se beneficiar com os críticos de seu melhor pensamento. Isso fazia parte da visão maior – a visão pacífica e feliz – de que Deus e sua palavra são infalivelmente verdadeiros mesmo quando não estamos infalivelmente certos. O lugar mais seguro para viver e ministrar não é na fortaleza da defesa, mas na sombra do Todo-Poderoso, pronto para aprender com todo testemunho sério.
David transformou cada detrator em médico para sua alma. Por que desperdiçar uma crítica por ser defensivo? Ele gostava de dizer: “Críticos, como autoridades governamentais, são ministros de Deus para o teu bem”. (Romanos 13.4). Como de costume, ele foi muito mais específico:
Ninguém gosta de ser criticado. Mas as críticas nos mantêm sãos – ou, pelas nossas reações, provam que estamos temporariamente ou permanentemente insanos. Se a maneira de um crítico é graciosa ou maliciosa, se o tempo é bom ou ruim, se a intenção é construtiva ou destrutiva, se o conteúdo é preciso, é meio verdadeiro ou totalmente falso, em qualquer caso, a própria experiência de ser criticado revela você. Para que loucuras você está propenso?
Muitas pessoas não falam assim. David Powlison fala. E eu sou mais sensato por causa disso.
6. Eu o amo porque ele sabia que o conselho de Cristo radicalmente se opõe e descobre o mundo.
Ele sabia que toda verdade é a verdade de Deus. Mas, igualmente importante, ele sabia que qualquer verdade separada de Deus como verdade é radicalmente falsa – falso para tudo o que é mais importante, mais belo, mais precioso, mais duradouro. O aconselhamento bíblico não foi uma imitação batizada das ideias do mundo. Cresceu das raízes insondáveis da Realidade em Deus.
O caminho de Deus é qualitativamente diferente de tudo o mais disponível no bazar de opções, de outros conselhos, outros esquemas, outras práticas, outros sistemas.
Não estamos perdidos quando nossas raízes crescem profunda e amplamente na vastidão da sabedoria de Deus. “Deus fala profunda e compreensivamente sobre as condições concretas da vida de cada pessoa”.
Mas o conselho de Cristo não é apenas oposto a, e melhor que, todo o mundo; Ele também abre o mundo como um tesouro da experiência humana. David não acreditava que fosse possível ou desejável passar diretamente da leitura da Bíblia para a cura da alma. Ninguém existe nesse tipo de bolha, onde há apenas uma Bíblia, um leitor e uma alma pecaminosa e ferida. Este leitor – este conselheiro – foi formado por dez mil experiências na vida, além do que ele vê na Bíblia. Alguns foram prejudiciais. Alguns úteis. Alguns ambos.
O argumento de David é o seguinte: a visão radicalmente abrangente, centrada em Deus e exaltadora de Cristo na Escritura transforma o mundo em uma escola de maravilhas sem fim – horrível e bela. Com Cristo como Criador e Mestre, o universo se torna uma universidade de descobertas. O leitor da Bíblia – o conselheiro bíblico – não é mais passivo em ser moldado pelo mundo, mas ativamente pressionando através das aparências a profundidades de discernimento na experiência humana.
Vemos isso não apenas da maneira como David ouviu perceptivamente (por nós), mas também da maneira como ele lia ficção e história. Por que ele amava Fyodor Dostoyevsky (Crime and Punishment) and Alan Paton (Cry, the Beloved Country) and Mark Helprin (A Soldier of the Great War)? Ele nos diz:
“É claro que eu os amo de um modo diferente do que amo as Escrituras. Mas, ao lado das Escrituras, eu amo romances e histórias. Por quê? Porque você aprende sobre pessoas. Você sente a experiência humana. Você vem a entender riquezas e nuances que você nunca poderia entender apenas conhecendo o círculo de pessoas que você conhece. Você vem a entender as maneiras pelas quais as pessoas diferem umas das outras e as maneiras como somos todos iguais – um componente extremamente valioso da sabedoria. Você se torna uma pessoa maior com um escopo mais amplo de percepção. Todas essas coisas que você conhece ilustram e ampliam a relevância e sabedoria de nosso Deus. Eu amo ficção e biografia pelas mesmas razões que um pastor do século 18 lia sua Bíblia e seu Shakespeare”.
David Powlison estava absolutamente confiante de que o conselho de Cristo era a palavra decisiva, indispensável e finalmente autoritativa de Deus contra todo o mundo que omite Deus. E ele sabia que o mundo era uma arca do tesouro de descobertas esperando por Cristo como a chave.
7. Eu o amo porque ele está finalmente centrado na doçura do amor de Deus em Cristo.
Quando ele aconselhou um amigo que não conseguia afastar a sensação de que Deus estava distante, sim, ele aconselhou “Ouça as Escrituras” (2Tm 4.2). Sim, “Fale de coração para coração com um amigo” (Hb 3.13). Sim, “coma e beba a ceia do Senhor” (Mt 26. 26-29). Sim, “reserve um tempo para considerar cuidadosamente a beleza de uma flor” (Mt 6. 28-29). Sim, “Lembre-se dos líderes cristãos, cujas vidas e ensinamentos, mais te influenciaram” (Hb 13.7). Sim, “Lembre-se de que Jesus viveu Lamentações 3, e a viveu por você” (Lm 3:22).
Mas seu conselho atinge um crescendo nesta nota doce:
“E lembre-se de que a frase mais repetida em toda a Bíblia é ‘Seu amor inabalável dura para sempre’. Deus achou que valeria a pena repetir que seu amor inabalável dura para sempre. E vale a pena repetir isso também. Diga em voz alta: ‘O amor inabalável do Senhor nunca cessa. Suas misericórdias não têm fim’”.
Estou escrevendo este tributo em Bideford, na Inglaterra, logo depois de ouvir a notícia da morte de David. Hoje de manhã, Noël e eu estávamos caminhando por um cemitério na vizinha Buckland Brewer, uma vila onde nasceu meu bisavô John Piper. No cemitério entre lápides centenárias havia um marcador de cimento circular com a palavra gravada “Reservado”.
Marcado, ou não, seu lugar e meu lugar estão reservados por Deus. O Senhor dá e o Senhor leva embora. Na vida, David Powlison nos ensinou como viver e ajudar os outros a viver. Na morte, ele nos ajuda a nos prepararmos para morrer. Poucos lembretes podem ser mais doces do que aquele que ele deixa conosco: “O amor inabalável do Senhor nunca cessa. Suas misericórdias não têm fim”. Nunca.