Uma elegia transatlântica de um caipira americano

Eu recebi um tweet de um amigo americano há um tempo. “Dê uma chance a este livro”, escreveu ele. “É um best-seller do New York Times e todo mundo está falando sobre isso. Eu estou curioso em ouvir você comparar e contrastar a experiência do autor na pobre América branca com a realidade nas comunidades carentes da Escócia”. Ele é um bom irmão, então eu comprei o livro.

‘Hillbilly Elegy’ (Era uma vez um sonho), por JD Vance, chegou á minha porta algumas semanas depois. Eu tive que buscar no Google a palavra elegia. Aparentemente, é derivada da obra grega “elegus”, que significa uma canção de luto. Pode ser acompanhado por uma flauta também (se você se importa com esse tipo de coisa).

Eu nunca tinha ouvido falar disso. E por que eu iria? Eu moro em Niddrie, uma pequena comunidade habitacional para pessoas carentes à leste de Edimburgo, na Escócia. A um milhão de quilômetros de distância de Nova York e ainda mais distante, social e culturalmente, dos antecedentes apalaches da herança do autor. Um livro com pelo menos uma palavra no título que eu precisei buscar no Google e uma pessoa com quem não tenho conexão verdadeira não parecia muito uma boa leitura. Além disso, um amigo visitante, ele próprio um produtivo leitor e revisor, viu o livro e disse que se sentia indiferente a respeito. Então, ficou na mesa da cozinha, e resolvi que continuaria a leitura se eu conseguisse um par de horas livres.

Depois de ler o livro, não sei se esta é uma resenha de livro ou uma sessão de aconselhamento on-line de autoconhecimento. Você vê, pelo menos para mim, que isso não é apenas um livro. Não é nem mesmo um poema de luto. É muito mais do que isso. É um lamento sombrio. Um lamento de tamanha profundidade (e, às vezes, palavrões) que muitas vezes me deixou viajando de volta através das névoas do tempo para cavar em torno de memórias que eu achava que haviam morrido com o menino que eu costumava ser.

‘Era uma vez um sonho’ é a história de JD Vance, um confesso caipira escocês-irlandês que, ele próprio nos lembra, é abençoado com

“Muitas boas características – um intenso senso de lealdade, uma feroz dedicação à família e ao país – mas também muitas más. Não gostamos de pessoas de fora ou pessoas que são diferentes de nós, seja a diferença em como elas se parecem, como agem ou, o mais importante, como elas falam”. (p. 3).

Desde o início, senti uma conexão profunda com o livro, que se intensificou à medida que sua história progredia. Uma e outra vez eu lia linhas ocasionais que ressoavam em todos os níveis. Ele fala de seus primeiros dias de trabalho:

“Muitos jovens resistentes ao trabalho duro”. Juntamente com, “Um sentimento de que você tem pouco controle sobre sua vida e uma disposição para culpar a todos, menos a você mesmo.” (p. 7)

Isso poderia ser escrito sobre a maioria dos esquemas habitacionais e residências sociais do conselho no Reino Unido. A questão em nossa terra não é que não haja empregos suficientes. há muitos. Mas muitos (não todos) os jovens ao nosso redor simplesmente não os querem. Preferem assinar o contrato e cobrar o cheque da previdência social do que se sujeitar a qualquer trabalho que considerem indigno deles. Muitos que encontram trabalho tendem a durar não mais do que algumas semanas (talvez meses) e saem, fartos de serem “mandados” (suas palavras) e dizendo a si mesmos que não é culpa deles e o chefe “só tem isso para eles” . A mentalidade de vítima nessas comunidades é tão densa que você poderia cravar uma colher nela. Tudo isso e ainda nem entramos no capítulo 1!

Grande parte do livro gira em torno do relacionamento do autor com seus avós (Mamaw e Papaw), sua mãe, sua irmã e algumas tias e tios. Em grande parte, porém, é a Mamaw que ocupa o centro do palco neste livro. Mamaw era a matriarca da família, a Liga, o ponto central. A âncora. Há uma Mamaw em quase todos os lares nas comunidades e moradias sociais do conselho do Reino Unido. Ou pelo menos havia uma geração atrás. Mamaw, como muitas outras escocesas das comunidades, “detestava deslealdade e não havia deslealdade maior do que traição da classe” (p. 15). Em quase todas as páginas dos primeiros capítulos me vi estremecendo ao refletir a cultura de nossas comunidades mais pobres aqui no Reino Unido. Ouvi-lo descrever como as drogas entraram em sua comunidade, rapidamente seguido por uma epidemia de dependência de drogas prescritas me fez suspirar em empatia. Eu só tenho que andar algumas centenas de metros da minha casa até a farmácia local todas as manhãs para ver as filas de, literalmente, centenas de fantasmas pálidos, anêmicos e desdentados, todos indo para suas prescrições matinais de Metadona, Valium, antipsicóticos e todos os outros tipos de tranquilizantes que eles usam para se anestesiarem enquanto vão pela sua lenta caminhada até o túmulo. Os “verdadeiros mortos-vivos”, são como os chamamos por aqui.

À medida que o livro passava a discutir a política dos membros mais velhos da família (em grande parte democrata), minha mente novamente voltou à minha infância em uma comunidade de moradia social carente ao norte da Inglaterra. “O Papwa’ era democrata porque aquele partido protegia os trabalhadores” (p. 35). Leia “Trabalho” nessa sentença e você teria a esmagadora maioria dos eleitores pobres na época eu estava crescendo. Na verdade, lembro-me de votar no Partido Trabalhista quando fiz dezoito anos e meu pai ficou muito orgulhoso de mim. Trabalhista era em quem você votava em nosso contexto. Eles lutam pela classe trabalhadora e pelos pobres. Ninguém votou no partido conservador (Tory). Margaret Thatcher era uma figura odiada no norte da Inglaterra e em toda a Escócia. Nós a chamávamos de “ladra de leite” por acabar com o leite grátis nas escolas (muitas vezes minha única nutrição quando menino). Nós a desprezamos por fechar todas as minas e dizimar comunidades por todo o norte da Inglaterra e Escócia. Então, para votar no Tory, você teria que ser um sulista ou um vira-casaca. Pessoas ricas votavam no Tory e ninguém votaria contra o seu próprio povo quando eu estava crescendo. Eu não poderia lhe dizer uma única coisa sobre o Partido Trabalhista quando votei pela primeira vez. Essa não era a questão. “Nós” (gente da moradia social) votávamos nos Trabalhistas e pronto.

Uma das grandes pressões que JD enfrentou ao crescer foi da própria comunidade ao seu redor. Voltar à escola dos dias de seu avô não era tão importante quando trabalhar na “Armco” (uma fábrica local que empregava milhares de pessoas) era a oportunidade que havia para muitos jovens da comunidade. A escola era algo fora do caminho até que você conseguisse um emprego com o restante da sua família. Lembro-me de algo semelhante no Reino Unido no início dos anos 90. Naquela época, a Rover ainda era uma empresa britânica de automóveis e um dos slogans da fábrica local era “um emprego para a vida”. Ninguém era demitido na Rover. E se seu pai ou tio ou primo tinha um emprego lá e estivessem dispostos a indicar você, então você estava quase garantido em um trabalho no chão de fábrica. Cerca de uma década depois, esse slogan acabou sendo um conceito impraticável. Milhares ficaram desempregados e os alemães assumiram a empresa, forçando muitas pessoas a saírem. Isso significava que milhares de jovens que tinham uma formação prática no chão de fábrica, mas que na verdade não haviam terminado o ensino médio, estavam descartados em seus primeiros 20 anos e precisavam de alguma forma de voltar a treinar ou voltar e obter uma boa educação. Muitos nunca se incomodaram e optaram por uma vida de subsídios do governo, ganhando algum dinheiro em trabalhos braçais ou, como os anos 90 se desenrolaram, tráfico de drogas para ganhar dinheiro fácil.

JD considera que o que o salvou foi o incentivo para ler em casa. Ele foi advertido para levar a educação a sério. E é a isso que ele credita sua salvação do início da vida. O oposto era verdadeiro para mim. Fui espancado por tirar boas notas. Era obrigado a ficar nu diante de estranhos se um livro fosse encontrado em minha posse (eu costumava escondê-los pela casa ou no jardim). Minha madrasta dizia que era para me ensinar a não “colocar idéias acima do meu limite”. Talvez ela pensasse que estava me salvando de uma vida de decepção. Eu não sei. Eu nunca perguntei a ela. Tudo o que eu vi foi o rosto de desprezo e ódio enquanto ela me batia com meus próprios livros escolares e me dizia que eu nunca chegaria a ser nada em toda a minha vida.

O Capítulo 6 se inicia com este parágrafo:

“Uma das perguntas que eu detestava e que os adultos sempre faziam era se eu tinha irmãos ou irmãs. Quando você é criança, não pode acenar com a mão e dizer: “isso é complicado” e seguir em frente. Então eu tinha que gastar algum tempo conduzindo as pessoas através da emaranhada teia de relacionamentos familiares que em eram comuns. Eu tinha um meio-irmão biológico e meia-irmã que nunca vi porque meu pai biológico os havia dado para adoção ” (p. 81).

Mais uma vez, minha própria experiência e a de muitos familiares, amigos e vizinhos é estranhamente parecida. Meu pai teve filhos com outras mulheres. Alguns que eu conheço e alguns sobre os quais somente ouvi rumores. Eu não tenho ideia da verdade real, mas conheci pelo menos quatro meio-irmãos em algum momento de minha existência. Nós não somos uma família que tenha conversas profundas e significativas sobre essas questões. Mesmo se o fizéssemos, não tenho certeza se a verdade completa seria revelada. Eu sei disso, no entanto. Quando meu pai morava com a mulher que me criou nos primeiros onze ou doze anos da minha vida, eu, junto com minha irmã (real), éramos bagagens que ela evidentemente não queria. Nós fomos mal tolerados. Quando eles tiveram seus próprios filhos, eles se tornaram os favoritos e nós fomos descartados e tratados como cidadãos de segunda classe em todas as oportunidades. Eles ganhavam as roupas novas. Eles conseguiam a melhor comida. Eles pegavam os doces e o carinho. Eles podiam ficar acordados até tarde. Fomos agredidos, espancados, abusados, ridicularizados e humilhados. Tínhamos que lutar para ela e seus amigos bêbados onde o vencedor era poupado de uma surra por um adulto. E enquanto eu crescia, eu odiava os meus meio-irmãos com uma paixão e sede de vingança assassina. Eles eram apenas uma extensão de minha madrasta e de sua brutalidade maligna. Eles se divertiam muito mentindo para a mãe sobre coisas que supostamente fazíamos de errado apenas para que pudéssemos ser torturados um pouco mais. Foi apenas anos mais tarde, quando adulto, que refleti que aquelas crianças pobres eram tão abusadas quanto nós. Mas durante anos, quando perguntado se eu tinha irmãos, simplesmente dizia não. Eu sou filho único. Isso era apenas mais fácil do que ter que explicar a bagunça que era a minha vida familiar.

Somente na página 87 que JD faz sua primeira menção sobre religião. Ele perguntou a Mamaw se Deus existia e ela assegurou-lhe que ele o fez e o amava. Ouça como JD eloquentemente coloca isso.

“Eu precisava da garantia de alguma justiça mais profunda, alguma cadência ou ritmo que se escondesse sob a mágoa e o caos”. (Pág. 87)

Ele continua a falar sobre sua breve, mas maníaca, dança com uma corrente particularmente carismática do cristianismo evangélico. A linha mais dolorosa vem na página 96: “Minha nova fé me colocou à vista de hereges. Bons amigos que interpretavam partes da Bíblia de maneira diferente foram más influências ”. Senti-me desesperado por ele neste momento, pois ele parecia preso em uma instituição religiosa que pregava a moralidade e dividia o mundo entre o que era satânico e o que era santo. Se isso me lembrou de uma coisaa, foi da necessidade de pregar e ensinar a Bíblia em nossas igrejas e não nossas próprias preferências culturais e posições teológicas favoritas.

No capítulo 7, somos apresentados à personalidade dúbia da cultura caipira quando surge outra questão sobre as mulheres. Seu Papaw lembra que “a medida de um homem é como ele trata as mulheres de sua família” (p. 108). No entanto, esse homem abusou das mulheres de sua família durante muitos anos. Ele ecoou a cultura de muitos homens da classe trabalhadora do Reino Unido nesta parte do livro. Nós podemos dar um tapa em nossa própria mulher, mas se alguém olhar para ela com “gracinhas”, será levado para fora e enterrado no estacionamento. Meu pai à parte, nunca vi uma mulher ser tratada com muito respeito durante toda a minha infância. Elas eram espancadas, traídas, cuspidas, abusadas sexualmente e até, em alguns casos, assassinadas. O bairro em que eu cresci ressoava com os gritos e berros de casais quebrando a casa, e a eles mesmos em pedaços, em uma noite de sexta-feira depois de alguns drinques. Mas, veja se a polícia chegava aos arredores da casa, não importava se o rosto da mulher estivesse deformado, ela estava ao lado do homem. Tente dizer a ela que ela foi vítima de abuso conjugal e ela teria rido na sua cara (e provavelmente lhe dado um belo soco).

Suas batalhas com sua mãe e seus vários vícios são nada menos que dolorosas. Ser movido repetidamente de um lugar a outro o deixou, em suas próprias palavras, “com um senso alerta.” (p.123) O que ele quer dizer é que, onde quer que ele estivesse, ele estava sempre apreensivo. Por mais que ele encontrasse alguma estabilidade em Mamaw ou, mais tarde na vida com sua futura esposa, ele sempre esperava que tudo acabasse se desmoronando à sua volta. Os anos de mudança do orfanato para o lar adotivo me deixaram com o mesmo sentimento. Anos andando pelas ruas resultaram em que quando eu finalmente encontrei uma casa, com um casal mais velho da igreja em que me converti, eu não desfiz minha mala por seis meses e dormi no chão pelo primeiro ano, pois eu não me sentia muito confortável. Aquele sentimento desconfortável de “por que alguém totalmente estranho me ajudaria” me tomou muito tempo até que eu pudesse superar e ainda ver nos olhos dos hóspedes a pergunta porque nós, como família, permitiríamos que verdadeiros destroços chegassem e compartilhassem de nossas vidas.

Foi quando JD’s fez suas incursões no mundo da política e da pobreza que os sinos do reconhecimento trans-cultural realmente começam a soar alto e claro. Veja como, com o tempo, ele e Mamaw começam a ver sua classe trabalhadora com desconfiança.

“A maioria de nós estava lutando para sobreviver, mas nós o fazíamos trabalhando duro e esperando por por uma vida melhor. Mas a grande maioria estava contente em viver do seguro desemprego. A cada duas semanas eu recebia um pequeno cheque e observava a linha em que os impostos federais e estaduais eram deduzidos do meu salário. Com uma certa frequência, nosso vizinho viciado em drogas comprava bifes de Bisteca, que eu mesmo era pobre demais para comprar, mas era forçado pelo Tio Sam a comprar (com os impostos) para outra pessoa”. (p. 139)

Por causa disso, JD continua convencido de que o partido dos Trabalhadores – os democratas – perdeu milhões de votos, de um povo antes leal, para o Partido Republicano. Algo que teria sido impensável apenas uma geração antes! Uma das razões para isso, ele diz, foi a percepção de que o governo estava,

“Pagando pessoas que hoje estão no bem-estar sem fazer nada. Eles estão rindo da “nossa” sociedade! E todos nós, os que trabalhamos duro, estamos sendo ridicularizados por trabalhar todos os dias. ” (p. 140)

O mesmo aconteceu com uma geração de eleitores trabalhistas. Nós, que votamos nos Trabalhistas por toda a nossa vida por causa da lealdade cega às nossas famílias, estamos nos desviando em massa. Porque não podemos tolerar a votação no Tory estamos nos voltando para partidos marginais como o UKIP – ironicamente mais Tory do que os Tories – porque estamos fartos de sermos tratados como idiotas pelo governo. Temos pessoas em nossa comunidade que têm mais renda disponível do que eu e ainda assim me veem como “rico” porque eu trabalho para viver e tenho minha própria casa. Essas mesmas pessoas tiram dois feriados no exterior por ano, têm os mais recentes aparelhos e TVs de tela plana gigantes e, de alguma forma, ainda sentem que o sistema está em dívida par com eles. Da mesma forma que os trabalhadores pobres na América foram deixados em grandes dificuldades quando as fábricas e indústrias fecharam, deixando cidades-fantasmas, os trabalhadores pobres no Reino Unido ficaram na mesma situação quando a indústria de mineração entrou em colapso e a indústria manufatureira faliu. Em grande parte, ele afirma, “nosso governo encorajou a decadência social através do estado de bem-estar social”. (p. 144) E, sabe de uma coisa? É difícil não discordar dele do ponto de vista do Reino Unido. Cinco gerações dessa prática nos deixaram em uma verdadeira confusão. Mas, questioná-la, até mesmo conversar sobre isso nos rotula como de direita ou indiferentes quando, na verdade, a maioria de nós que tem esse problema é, historicamente, de qualquer forma, um verdadeiro Trabalhista. Mas como o nosso partido não nos ouve mais, nós o estamos deixando as centenas de milhares de pessoas, e o tempo todo o Partido Trabalhista fica se perguntando por que estão mortos na Escócia e estão morrendo em seu núcleo histórico do norte da Inglaterra.

“Eu não conhecia todas as lutas da classe trabalhadora branca e nem, quando criança, sabia que havia duas práticas distintas e pressões sociais diferentes. Meus avós incorporaram um tipo: antiquado, silenciosamente fiel, autoconfiante, trabalhador. Minha mãe e, cada vez mais, toda a vizinhança encarnava outra: consumista, isolada, revoltada, desconfiada”. (p. 148)

Infelizmente, em nossa comunidade, de qualquer forma, essa geração mais velha desapareceu. Tudo o que resta agora são os zangados e desconfiados que culpam a tudo e a todos por todos os seus (supostos) problemas. O Receio que, nos dias atuais, as Mamaw’s das nossas comunidades são mais propensas a distribuir Valium e Cannabis do que palavras de sabedoria. Todo o problema é agravado, na mente de JD, pela desconfiança geral da mídia e do atual status quo político.

“Não podemos confiar no noticiário da noite. Não podemos confiar em nossos políticos. Nossas universidades, a porta de entrada para uma vida melhor, são manipuladas contra nós. Você não pode acreditar nessas coisas e participar de forma significativa na sociedade … se você acredita que o trabalho duro compensa, então você trabalha duro; se você acha que é difícil progredir mesmo quando tenta, então por que tentar de alguma forma? ”(p. 193)

Ele acabou de resumir toda a minha geração (e as seguintes) em um parágrafo. Fica pior. JD admite: “Há um movimento cultural na classe trabalhadora de responsabilizar a sociedade ou o governo pelos seus problemas, e esse movimento ganha adeptos a cada dia” (p. 194). Coloque a palavra imigrantes e você terá um quadro da opinião média nas nossas comunidades habitacionais sociais em nossos dias.

O maior problema é que a sociedade mais ampla simplesmente não consegue enxergar o problema. Apesar disso, ficou surpreendentemente claro em nossa recente votação no Brexit, quando grandes grupos de eleitores trabalhistas históricos da classe trabalhadora foram contra o partido para dar um voto surpresa a favor de deixar a União Europeia. Toda a revolta da mídia no dia seguinte concentrou-se no Norte da Inglaterra, racistas, homofóbicos e xenófobos (a Escócia votou para ficar, em grande parte porque o voto da comunidade carente permaneceu em casa). Pessoas das comunidades de moradias sociais e de famílias da classe trabalhadora eram retratadas como “oiks ” ignorantes por meio de uma desarticulação da mídia elitista e escarnecedora alegando que votávamos contra o status quo. Eles atribuem o voto ao racismo (verdadeiro em certos casos) ao invés de ouvir o fato de que estamos cansados de receber ordens de funcionários corruptos em relação a como pensar e como se comportar, muitos dos funcionários nos quais nós nunca votamos e sobre os quais não temos controle. A estúpida narrativa a respeito dos habitantes do Norte parece funcionar melhor do que enfrentar as duras verdades de que nos sentimos traídos por políticos a quem uma vez atribuímos nossa lealdade inabalável e inquestionável. Não é de admirar que Donald Trump esteja varrendo o pobre voto branco com o desespero total do atual sistema político. O que é pior é que a elite tagarela (incluindo evangélicos influentes) que estão demonizando e depreciando os eleitores de Trump não os está ganhando, apenas marginalizando-os mais. (Isso não quer dizer que suas práticas de votação estejam certas ou não devam ser questionadas, mas oferece um pouco mais de empatia sobre parte da mentalidade por trás dessas oscilações políticas).

O verdadeiro golpe desse livro vem nos capítulos finais, enquanto JD avalia sua vida, as influências de sua família e herança cultural. Sua discussão sobre o ACE (Adverse Childhood Experiences) fez com que eu buscasse o Google novamente, quando fiz o teste ACE on-line para descobrir minha pontuação e ver se eu me qualificava como alguém que havia sofrido um trauma agudo na infância. Eu fiz 9 de 10 pontos (o autor marcou seis, sua tia 7). Foi um resultado deprimente, embora não surpreendente. Sua pontuação e a minha fizeram-me revisitar antigas questões de educação e formação.

“Quanto de nossas vidas, boas ou más, devemos creditar às nossas decisões pessoais, e quanto é apenas a herança de nossa cultura, nossas famílias e nossos pais que falharam com seus filhos?” (p. 231)

Independentemente de onde você descobre sobre isso, eu concordo com JD, que afirma inequivocamente, que,

“A infância de ninguém dá a ele um cartão moral perpétuo para ficar livre da cadeia”. (p.232)

Temos que assumir alguma responsabilidade pela forma como nos comportamos e agimos como adultos. Isso é claro. Neste ponto do livro, encontrei minha mente vagando novamente. De volta ao garoto que eu já fui. Trancado em um armário. Assustado e sozinho. Faminto, desfigurado e sem um amigo no mundo. Eu não tinha a Mamaw que o JD tinha. Se eu tivesse, talvez não tivesse ido para a prisão. Talvez eu não tivesse desperdiçado dez anos da minha vida, amargo e seguindo por um caminho autodestrutivo.

Mas eu não tive uma Mamaw. Eu nem tive mãe. Eu não tinha um único adulto na minha vida que me dissesse que eles me amavam. Eu nunca ouvi essas palavras de um pai. Eu nunca ouvirei. Esse livro me fez pensar sobre isso novamente. Isso me fez ansiar por uma vida que nunca terei. Ouvir palavras que nunca ouvirei. O melhor que posso fazer é ver minha esposa abraçar nossos filhos e dizer o quanto ela os ama. Eu me pego olhando para ela às vezes com eles e me perguntando como que é ser amado assim. Claro, minha esposa me ama. Minhas meninas me amam. Mas não é o mesmo, é? Sentir que seus pais o amam deve ser algo realmente maravilhoso. A verdadeira dor vem quando vejo as crianças do meu bairro passarem pela mesma coisa. Então penso nisso multiplicado pela nação, o mundo todo. Isso resulta em muita dor. Isso resulta em muito silêncio. Isso resulta em muitos vazios em muitos corações jovens.

Perto do fim, ele sugere redescobrir a fé cristã que ele perdeu todos aqueles anos atrás. Ele cita tentadoramente, mas nunca volta a isso. É apenas uma frase perdida entre as palavras do seu livro. Mas eu percebi. Eu espero que JD encontre a verdadeira paz que conhecer Jesus pode trazer. É maior que o amor de uma esposa e filhos. É uma paz profunda e comovente que não pode ser adequadamente expressa em palavras. Você vê, eu estou vivo hoje por causa de Jesus. Minha esposa não foi espancada nem criticada ou maltratada. Meus filhos não foram negligenciados ou maltratados. Eles conhecem segurança e eles conhecem estabilidade. Eles sabem todas essas coisas porque Jesus salvou minha alma quase vinte anos atrás. Sem ele eu seria apenas outro vagabundo, vivendo nas ruas, drogado até o pescoço, culpando a minha vida em casa, o mundo, o governo e os ricos por todos os meus problemas e desgraças. Em vez disso, aceitei as imperfeições do nosso mundo (e da minha criação) e entreguei-me completamente àquele que diz que me ama. Muitas vezes duvido. Muitas vezes, tenho o meu próprio senso de estar alerta no caso de ele retirar esse amor de alguém tão indigno. E eu luto com todas as minhas forças para acreditar na verdade de que sou dele para sempre.

Este livro vai ficar comigo por muito tempo, mas não pelas razões que muitos amam (ou detestam). Assombrando e hipnotizando. Você pode não concordar com sua política ou sua aplicação das ciências sociais, mas este é um livro colossal.

Por: Mez McConnell. © 20schemes. Website: 20schemes.com. Traduzido com permissão. Fonte: A Transatlantic Elegy For An American Hillbilly.

Original: Uma elegia transatlântica de um caipira americano. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Tradução: Paulo Reiss Junior. Revisão: Filipe Castelo Branco.