O que a reforma nos deu?

Nesta semana, comemoramos o Dia da Reforma, dia em que Martinho Lutero ousadamente pregou suas 95 teses na porta da igreja com pregos e um martelo: 31 de outubro de 1517. É claro que, provavelmente, o documento tenha sido fixado à porta com cola de cartazes. E Lutero provavelmente tenha deixado essa “decoupage” a cargo de um assistente. Teatral ou não – a data marca a fagulha do que cresceria e se tornaria a Reforma Protestante. No último episódio (1387) de “John Piper Responde”, vimos sobre se Deveríamos deixar de ler os escritores brancos mortos? Ou eles são irrelevantes hoje?

E à medida que nos aproximamos do Dia da Reforma deste ano, vamos dar uma olhada no legado do Reformador João Calvino e, para fazer isso, compartilharei um trecho da entrevista do pastor John em 1997 sobre Calvino e seu papel na formação da Reforma e na nossa tradição reformada como a conhecemos hoje. Aqui está o que o pastor John disse.

A visão de Calvino sobre as Escrituras, que definia o restante de seu ministério, era muito elevada. Ele disse: “Devemos à Escritura a mesma reverência que devemos a Deus, porque ela procedeu somente dele, e não tem nada de homens misturado a ela” (John Calvin: A Collection of Distinguished Essays, 162). Sua própria experiência ensinou-lhe que “a prova mais elevada das Escrituras deriva, em geral, do fato de que Deus fala pessoalmente nela” (Institutas da Religião Cristã, 1.7.4). Essas eram as verdades incontestáveis para João Calvino. As Escrituras eram a voz de Deus. Deus vindica o próprio Deus trazendo-nos à vida por seu majestoso testemunho. Nós o vemos em suas Escrituras, e tanto ele quanto elas se tornam imediatamente autoridades para nossas vidas.

E, para Calvino, qual foi o tipo de vida a qual Deus o trouxe? Foi uma vida de invencível constância na exposição das Escrituras. Folhetos, institutas, comentários sobre todos os livros do Novo Testamento, exceto Apocalipse, e numerosos livros do Antigo Testamento, mas tudo – tudo – é uma exposição das Escrituras.

Escrituras, por toda a vida

John Dillenberger diz que Calvino “assumiu que todo o seu trabalho teológico seria a exposição das Escrituras” (John Calvin: Selections from His Writings, 14). Ele escreveu, no final de sua vida, “Eu me esforcei, tanto em meus sermões quanto em meus escritos e comentários, para pregar a Palavra pura e castamente e interpretar fielmente as sagradas Escrituras” (John Calvin: Selections from His Writings, 35) Tudo era exposição das Escrituras. Esse foi o tipo de ministério desencadeado por sua experiência.

E, então, a pregação tornou-se o principal veículo. A pregação de Calvino era de um tipo e nunca, nunca mudou. Era uma pregação sequencial e expositiva, livro após livro, após livro. No domingo de manhã, ele sempre tomava o Novo Testamento. À tarde, o Novo Testamento e às vezes um salmo no domingo. Durante a semana, três vezes, sempre no Antigo Testamento. Há menos de meia dúzia de casos em que ele quebrou esse padrão. Toda Páscoa, todo Natal, ele avançava no mesmo padrão, com menos de meia dúzia de exceções.

Agora, para ter uma ideia, imagine o seguinte: é 25 de agosto de 1549 e ele começa uma série de mensagens no livro de Atos. Sabemos disso porque foi a primeira vez que ele teve um estenógrafo que registrava seus sermões. Ele pregava totalmente sem anotações e sem nada, direto do grego e direto do hebraico.

Ele iniciou Atos em 25 de agosto de 1549. E terminou Atos no domingo de manhã em março de 1554. Então, de 1549 a 1554, ele pregou continuamente em Atos. E depois disso, ele escolheu Tessalonicenses, 46 sermões; Coríntios, 186 sermões; as epístolas pastorais, 86 sermões; Gálatas, 43 sermões; Efésios, 48 sermões, até maio de 1558, quando ele parou por seis meses porque estava doente, como você bem pode imaginar, ele retomou mantendo seu  inflexível cronograma. Então, em 1559, ele começou a harmonia dos Evangelhos, e faleceu enquanto o fazia em 1564.

Pois bem, nesse período, durante a semana, ele pregou 159 sermões em Jó, 200 em Deuteronômio, 353 em Isaías, 123 em Gênesis e assim por diante. Os números são fenomenais. O ponto é que isso não é acidental. Ele escolheu fazer isso. Aqui está a história que eu amo que mostra como ele era completamente autoconsciente: no dia de Páscoa de 1538, ele foi banido de Genebra pela primeira vez. Ele estava pregando há cerca de um ano. Ele foi banido por três anos e passou a ministrar em Estrasburgo. Ele foi chamado de volta. Volta em setembro de 1541 sobe ao púlpito e continua no verso seguinte ao que ele havia pregado antes de ser banido. E ele comenta o fato de que ele queria que eles soubessem que aquilo era apenas um interlúdio em sua exposição da palavra de Deus.

Reacendendo a chama

Por quê? Por que esse tipo de pregação? Lutero não fez isso. Lutero pregava um Evangelho e uma Epístola. Spurgeon não fez isso. Por que Calvino fez dessa maneira? Aqui estão três razões possíveis.

  1. Calvino acreditava que a lâmpada da palavra havia se apagado na Europa. A palavra havia sido retirada. Aqui está o que ele disse. Ele está confessando seu próprio pecado ao Senhor e diz: “Tua palavra, que deveria brilhar como uma lâmpada sobre todo o teu povo, foi retirada ou ao menos ocultada. . .. E agora, ó Senhor, o que resta a um miserável como eu, senão. . . suplicar-te humildemente que não me ponhas em conta esse horrível afastamento da tua Palavra, do qual tu me libertaste por tua maravilhosa bondade”. (John Calvin: Selections from His Writings, 115).

Então, você sente em sua conversão o horror que ele sentiu. Ele viu, pelo testemunho interior do Espírito Santo, a majestade de Deus revelada na palavra, e olhou através da igreja, e disse: “Que terrível abandono da santa e preciosa palavra”! E toda a sua vida se tornou o seguinte: “Vou divulgar essa palavra todos os dias pelo resto da minha vida. Ela é muito preciosa”.Essa é a razão número um.

  1. T.H.L. Parker diz que Calvino tinha horror daqueles que pregam suas próprias ideias no púlpito. Oh, precisamos desse horror hoje. Calvino disse: “Quando estamos no púlpito, não é para que possamos trazer nossos próprios sonhos e fantasias conosco” (Portrait of Calvin, 83). Portanto, evidentemente, ele acreditava que a melhor salvaguarda contra trazer nossas fantasias para o púlpito é sistematicamente abrir caminho através da palavra ordenada, inspirada e reveladora de majestade de Deus.
  2. Isso nos leva a um círculo completo de volta à majestade de Deus e à palavra. Ele realmente acreditava que quando a palavra era fielmente exposta, Deus, em sua majestade, se destacava na congregação. Ouça esta grande exortação de Calvin:

“Que os pastores corajosamente ousem todas as coisas pela palavra de Deus. . .. Que eles restrinjam todo o poder, glória e excelência do mundo para dar lugar e obedecer à majestade divina desta palavra. Convoquem todos eles, do mais alto ao mais baixo. Que edifiquem o corpo de Cristo. Que eles devastem o reinado de Satanás. Que pastorem as ovelhas, matem os lobos, instruam e exortem os rebeldes. Que eles prendam e soltem trovões e raios, se necessário, mas que façam tudo de acordo com a palavra de Deus”. (Sermons on the Epistle to the Ephesians, xii).

Em outras palavras, a “frase chave” é “a divina majestade de sua palavra”.

Nada pode substituir a pregação

Calvino acreditava que, se seu objetivo na vida era ilustrar a glória de Deus, e se a glória de Deus é única e autenticamente revelada na palavra de Deus, a exposição completa da palavra seria a exposição mais completa da glória. Eu acho que foi assim que ele argumentou. E é minha convicção pessoal quando me pergunto: “Isso pode ser feito de outra maneira além da pregação”? Que tal ensinar apenas com um Datashow? Nas discussões em pequenos grupos? Que tal em palestras? Por meio dos livros? E nos CDs enviados para a China? O que vem a ser pregar?

Não sei o que Calvino diria, mas sou um pregador e preciso acreditar no que estou fazendo, quero saber por que estou tão atraído por isso. E acredito que a resposta é que nada substituirá a pregação. E a razão pela qual acredito que a pregação – não ensinando por si só, não lendo a Bíblia por si mesma – para a congregação sobre um texto sempre estará lá, porque Deus quer para si mesmo, na plenitude de sua glória, ser exaltado, glorificado, honrado e querido.

E algo sobre esse ato de adoração aponta para mais do que análise. Ele aponta para mais do que explicação. Aponta para a exultação expositiva. É assim que eu gosto de chamar. Pregar é o momento de adoração sobre a palavra. É exultação expositiva. E onde quer que o foco em Deus esteja vivo, onde quer que a supremacia de Deus reine no coração de um povo, algo dentro deles dirá: “Ó pastor, faça mais por nós do que explicar Deus para nós. Ame-o conosco, estime-o conosco, prove dele conosco, deleite-se nele conosco e exulte nele conosco, porque precisamos vê-lo vivo e ardendo em você”. E é isso que se chama pregação.

Exultação expositiva

A pregação cristã como adoração

“Exultação Expositiva” é um livro construído sobre a base de dois títulos anteriores: “Uma Glória Peculiar” e “Lendo a Bíblia de Modo Sobrenatural”. Nele, John Piper tem como objetivo demonstrar que o propósito do sermão não é somente explicar o texto, mas também, despertar o louvor ao ser, em si, uma expressão de adoração a Deus.

Confira

 

 

Por: John Piper. © Desiring God Foundation. Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: What Did the Reformation Give Us?

Original: O que a reforma nos deu? © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Paulo Junior Reiss. Revisão: Filipe Castelo Branco.