Amigo (ainda) estou aqui

A atração encantadora de 'Toy Story 4'

Precisamos de amigos como precisamos de ar, comida e abrigo. Podemos sobreviver mais alguns anos sem amizade, mas não viveremos verdadeiramente – agora ou para sempre – sem encontrar um bom amigo.

Essa necessidade emocional (e espiritual) básica é executada, como uma trilha sonora de Randy Newman, sob todos os quadros de animação da série Toy Story. Agora Woody, Buzz e o restante do baú de brinquedos voltaram (com alguns novos amigos), quase um quarto de século desde o dia em que os conhecemos no primeiro filme da Pixar em 1995. A quarta parte da amada série (que alguns temíamos porque não queríamos que eles estragassem o que amamos nos três primeiros) é realmente muito boa.

O que faz Toy Story 4 ser um sucesso (sem spoilers aqui) é a mesma coisa que tornou todos os outros filmes bem-sucedidos. A Pixar faz filmes que lutam com as complexidades da vida com as quais os próprios humanos lutam, nos fazendo pensar, rir e inevitavelmente chorar. Toy Story 4 não é diferente, atravessando tristezas que apenas os adultos conhecem, enquanto captura o coração e a imaginação das crianças. Eu tinha nove anos de idade, e arregalei os olhos na primeira vez que ouvi Buzz dizer: “Para o infinito e além”! Neste fim de semana, levei minha própria família ao cinema. Agora vejo (e sinto) as camadas da narrativa e, no entanto, percebo que, de alguma forma, também vejo menos do que o meu filho de três anos.

Todos os personagens importantes – um cowboy de cordão, um soldado espacial falante com laser embutido, uma boneca Little Bo-Peep e uma dúzia de outros – são feitos de plástico e, no entanto, muitas vezes se sentem mais humanos que a carne e sangue com o qual interagimos todos os dias. Eles lutam honestamente com seu propósito e identidade. Eles arriscam, falham e arriscam novamente. Eles experimentam ansiedade e dor através de mudanças na vida. Eles se sacrificam. Eles fazem novos amigos e se despedem.

Amizades fazem os filmes – e amizades fazem (ou quebram) nossas vidas – porque Deus nos fez amar e ser amados.

A vida é sobre amizade

Woody organiza essa história de brinquedos o tempo todo, desde a primeira reunião da equipe durante a temida festa de aniversário (o dia em que conheceu Buzz Lightyear), passando por aventuras angustiantes no Pizza Planet, Al’s Toy Barn e Sunnyside Daycare, até o dia em que se despediram de Andy e conheceram seu novo proprietário, Bonnie. Woody lidera como amigo, o melhor dos amigos – primeiro Andy, Bonnie e muitos brinquedos no meio (incluindo Garfinho, um nervoso, inseguro e carente personagem, que é apresentado no novo filme).

Woody nunca abandona um amigo necessitado e nunca deixa um amigo para trás. O xerife de cordão se destaca, repetidamente, por sua falta de egoísmo, muitas vezes colocando-se em risco pelos outros. Outros podem ser mais espertos, maiores e mais fortes do que ele, mas não há amigo como o nosso cowboy. Adoramos o Woody porque todos precisamos do Woody. Todos nós sentimos o quão intimamente a amizade está no coração da humanidade. E a amizade fica perto do coração da humanidade por causa de Deus.

Foi Deus quem disse, desde o início, que não era bom que o homem estivesse sozinho (Gênesis 2.18). Então, na plenitude dos tempos, Deus enviou seu próprio Filho ao mundo, não apenas para ser amigo (João 15.13), mas para fazer e ter amigos (Marcos 3.13–14). Jesus fez amizade com os humildes e desprezados na sociedade (Mateus 11.19). Ele compartilhou a mais profunda intimidade com doze discípulos, e especialmente Pedro, Tiago e João (Marcos 5.37; Mateus 17.1; Mateus 26.37). Aqueles três o viram sendo exaltado no Monte da Transfiguração, e o observaram ajoelhado, implorando ao Pai, na noite em que ele foi traído. E então, mais notavelmente, o próprio Cristo se volta não apenas para os doze, mas para todos nós, e diz: “Vós sois meus amigos, se fazeis o que eu vos mando… ; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer”. (João 15.14–15). Mesmo antes de Deus fazer amigos em carne, ele conhecia um tipo de amizade profunda e misteriosa dentro da eterna divindade – Pai, Filho e Espírito Santo para sempre amando e sendo amados um pelo outro.

O evangelho cristão é que Deus, por ele mesmo, é nosso amigo em Cristo – e ele nos chama para sermos amigos fiéis. Jesus diz: “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros” (João 13.34–35). A amizade, por mais comum que possa parecer, não é periférica ou suplementar à realidade, mas repousa perto do âmago de quem somos e por que existimos.

Nos seus melhores momentos, Woody era um leve sussurro do amigo que temos no céu e uma frágil réplica do amor com o qual somos chamados a amar nossos amigos na terra.

A vida (não) é sobre amizade

No entanto, apesar de toda a admiração de como Woody ama seus amigos, ele é um cowboy complicado. Nos filmes, ele oscila, às vezes descontroladamente, às vezes incompreensivelmente, entre arriscar-se pelos outros e fazer o que for necessário para ser o mais amado. Ele muitas vezes se esforça para encontrar a si mesmo – sua identidade, seu propósito, seu valor – nos olhos de uma criança. Afinal, não é para isso que um brinquedo foi feito?

Enquanto assistimos aos filmes, nos perdemos na confusão entre amar os outros a um grande custo e simplesmente arriscar-se a ser amado. Onde termina a lealdade e a vaidade – em Woody, sim, mas e em nós? Podemos distinguir o amor cristão do simplesmente amar para ser amado? No casamento, e agora como pai, sinto essa tensão em mim muito mais do que jamais senti antes. Estou realmente “morrendo de vontade” de promover os outros ou apenas tentando me promover? A distinção pode tornar a amizade sutilmente perigosa.

Os seguidores de Cristo não são de todo tímidos com a profundidade e a beleza da verdadeira amizade. O apóstolo Paulo escreve em um lugar para seus convertidos: “… meus irmãos, amados e mui saudosos, minha alegria e coroa, sim, amados, permanecei, deste modo, firmes no Senhor” (Filipenses 4.1; ver também 1.7–8). Mas, tão investido de alegria, sacrifício e afetos quanto Paulo pode ser, ele permanece notavelmente livre daqueles a quem ama e serve. Ele diz em outro lugar: “Porventura, procuro eu, agora, o favor dos homens ou o de Deus? Ou procuro agradar a homens? Se agradasse ainda a homens, não seria servo de Cristo” (Gálatas 1.10). A beleza da verdadeira amizade, amizade piedosa, amizade que exalta Cristo, está nas aparentes contradições – imenso afeto e instrução consistente, dependência real e ainda liberdade, grande amor e ainda a verdade corajosa.

O perigo para Woody, ou Paulo, ou para você e eu, é deixar que nossas amizades nos definam. Você tem valor e propósito além do que seu cônjuge, seus filhos, seus colegas de trabalho ou seus amigos pensam? Nós fomos feitos para a amizade, mas não apenas para a amizade. Quando nossos amigos se tornam nossa vida, é apenas uma questão de tempo até eles nos arruinarem, nesta vida ou quando morrem. Ao desfrutarmos da amizade e derramarmos nossos corações uns para os outros, cada um de nós deve estar enraizado e fundamentado em Cristo – nosso maior objetivo, nossa mais profunda alegria, nosso maior amor.

A maior alegria de Woody era ser o brinquedo favorito de Andy, o que pode ser bom para os brinquedos. Mas sua animada agitação e inquietação podem servir como um aviso para aqueles que desejam se sentir amados. Se o amor de Deus por nós em Cristo não descansa o coração (Mateus 11.28), nossas amizades se tornam um solo fértil para a tentação e, eventualmente, para a nossa destruição.

Nossa amizade nunca morrerá

O ingrediente secreto, no entanto, para o sucesso de Toy Story é a tristeza das despedidas. A energia na primeira cena do primeiro filme vem do medo de ter que dizer adeus. Andy vai nos esquecer por causa de seus novos brinquedos? Todo relacionamento significativo ao longo da série carrega a tensão do amor finito e temporário, da inevitável despedida.

Woody teme perder Andy para Buzz. Andy teme perder Buzz e depois perder Woody também. Os brinquedos lamentam a ideia de perder Woody para um museu de brinquedos em Tóquio. Todos eles temem o que acontecerá quando Andy for para a faculdade. Indiscutivelmente, o momento mais comovente (pelo menos até agora) aconteceu no incinerador no depósito de lixo, enquanto os brinquedos familiares tentavam, nos seus últimos momentos juntos, ficar de mãos dadas (antes de serem resgatados de repente). E então, o adeus do Andy. Sem surpresas, o novo filme ensaia esse mesmo tom menor.

A tristeza semeia o poder impressionante desse filme de animação porque todos conhecemos a dor. Todos conhecemos a dor lancinante da perda – ou o medo de um dia perder o marido ou a esposa, os pais ou os filhos, ou um amigo próximo. E nenhum de nós tem mais familiaridade do que Cristo tinha com seus amigos. Ele perdeu todos os amigos no caminho para a cruz (Mateus 26.31). Quando Judas, aquele que, mais do que todos, lhe causaria dor chegou para entregá-lo, Jesus disse: “Amigo, para que vieste”? (Mateus 26.50).

No entanto, as amizades terminam, seja por mudanças na vida, traição ou abandono, até pela morte, todas elas terminarão – pelo menos por um tempo. Todas menos uma. Quando Deus fez amizade conosco em Cristo, ele fez amizade conosco de uma vez por todas. Quando os créditos dessa criação finalmente chegarem, encontraremos nosso Criador, Salvador, Noivo e Amigo.

“Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram”. (Apocalipse 21. 3,4).

Essa amizade nunca, jamais morrerá. Só crescerá, se aprofundará e se expandirá por toda a eternidade – sem inquietação, sem incertezas, sem obstáculos, sem medo. Se Cristo te chamou de amigo, você sempre o terá como amigo. E junto com ele, uma família de amigos eternos comprados com sangue – nossos colegas brinquedos favoritos por todos os anos. E nunca teremos que dizer adeus.

Por: Marshall Segal. © Desiring God Foundation.Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: You’ve (Still) Got a Friend in Me.

Original: Amigo (ainda) estou aqui. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Paulo Reiss Junior. Revisão: Filipe Castelo Branco.