Um blog do Ministério Fiel
Ad Vitam e o anseio pela eternidade
Por que a morte não é aceita entre os homens? Por que ficamos abismados ao pensar que um dia morreremos? O que há depois da morte? Estariam certos os existencialistas em afirmar que o homem é um “ser para morrer”?
As perguntas acima nos inquietam. São questões existenciais importantes e pertinentes. Os homens sempre pensaram acerca da morte e sempre almejaram a eternidade. Há diversas produções culturais que tratam da imortalidade. Da cultura grega, passando pela nórdica e chegando na Idade Média, diversas narrativas sobre o “elixir da vida” são contadas. Seja o manjar dos deuses do Olimpo ou algo extraído da Pedra Filosofal pelos alquimistas, ou até mesmo uma fonte da juventude, todos os relatos transmitem o anseio pela eternidade.
Ad Vitam, uma série francesa disponível na Netflix, tem como premissa uma sociedade que “venceu a morte”. Através de um procedimento chamado “regeneração”, as pessoas mantém sua aparência e sua fisiologia joviais. A mulher mais velha do mundo está com 169 e seu aniversário é uma grande celebração mundial. Sua aparência é de uma jovem de 30. Outra que na série revela ter mais de 80 é capaz de engravidar e tenta ter um filho com seu marido – um policial com 119 anos de vida. Tudo perfeito. Será?
Não! Não existe perfeição na sociedade em Ad Vitam. Existe um problema com a superpopulação, já que as pessoas não morrem. Existe um choque entre jovens não regenerados e seus pais regenerados – No enredo, só é possível se regenerar após completar 30 anos, o que prolonga a maioridade – E nem todos são compatíveis com o procedimento regenerador. Também existe o peso do acúmulo de memórias, levando a drogatização. E, por fim, a falta de sentido experimentada por quem acredita que tudo aquilo é uma artificialidade. No meio de tanta coisa disfuncional, parricídio e suicídio são ameaças rotineiras neste futuro idílico onde as pessoas não deveriam morrer.
Mas por que que numa sociedade que prolongou a vida e concedeu juventude perene não consegue viver sem tamanhos conflitos? C. S. Lewis, no primeiro livro de suas famosas Crônicas de Nárnia – O Sobrinho do Mago – nos dá uma boa pista. Dissertando acerca da árvore dourada que é um bem que deve ser preservado pelos narnianos, as crianças interrompem a fala de Aslam e dizem que a Feiticeira já havia comido daquele fruto. A menina Polly quer saber se há algo de errado e se a Feiticeira não será jovem por ter comido o fruto fora de tempo. O criador de Nárnia então responde:
– Infelizmente, ficará jovem e tudo o mais. As coisas funcionam de acordo com que são. Ela possui o poder e a perenidade de uma deusa. Mas a eternidade com um coração mau é a perenidade da desgraça. Todos conquistam o que desejam, mas nem sempre se satisfazem com isso.[1]
A Escritura nos diz que este mundo jaz do maligno (1 João 5. 19). E isso ocorre porque o homem pecou e seu pecado trouxe consequências ruins que afetou tudo aquilo que Deus criou (Gênesis 3). Chamamos isto de “efeitos noéticos do pecado”. Por isso, mesmo ansiando pelo que é eterno, o homem não encontrará satisfação neste mundo mau. Todavia, não foi este o princípio da criação (Gênesis 1), incluindo o princípio da vida humana. Deus criou os homens para partilhar com eles da comunhão eterna que existe na Trindade. A criação do homem é o Pai, o Filho e o Espírito Santo convidando-o a fazer parte do eterno deleite que há na relação trinitária. O Deus Triúno faz uma aliança com a humanidade e esta é a base relacional da criatura com o Criador. O pecado é a quebra desta aliança.
A narrativa bíblica começa com Criação e logo em seguida relata a Queda, mas esta não é a história toda. Há um plano redentivo que é apresentado ainda na narrativa da entrada do pecado no mundo (Gênesis 3.15). O desenrolar do enredo é o drama da redenção que tem Cristo como seu protagonista e o ápice da trama está no sacrifício vicário onde o inocente morreu pelos culpados e os libertou dos seus efeitos noéticos. O homem redimido pode gozar da eternidade não como “a perenidade da desgraça”, e sim, como um justo que teve seu coração regenerado pela pessoa e obra de Cristo Jesus. Como o arco narrativo da Bíblia é perfeito!
Quando o homem caiu em pecado, ele foi expulso do jardim para não comer da árvore da vida e viver a eternidade com o fardo da condição pecaminosa sobre seus ombros. Deus guarda a árvore com querubins e uma espada flamejante. Mais do que uma punição, temos aqui um ato de misericórdia divina. O SENHOR não apenas proibiu o homem de ter acesso a eternidade, Ele providenciou o meio de fazer com que a condição perversa do homem fosse revertida em justiça e assim o acesso a vida estava garantido: Aquele que tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às igrejas. Ao vencedor darei o direito de comer da árvore da vida, que está no paraíso de Deus (Apocalipse 2:7). E essa vitória não é alcançada pelo próprio mérito de cada ser humano: Eles o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do testemunho que deram; diante da morte, não amaram a própria vida (Apocalipse 12:11).
A eternidade sem a redenção não é um caminho ad vitam. É ad mortem! Vida eterna com plenitude só em Jesus. A humanidade nunca alcançará por si só o viver eternamente. E isso está latente em cada coração humano. É tanto que até em produções culturais podemos ver o frustrado percurso de toda a raça humana fiando-se em si mesma para alcançar a perfeição neste mundo perverso. Que a nossa esperança e a nossa fé se fiem nas próprias palavras de Cristo: Eu sou o caminho, a verdade e a vida (João 14.6).
[1] As Crônicas de Nárnia – Volume Único. Martins Fontes, p. 92.