O brilho do Natal

-Já estamos em dezembro e essa cidade parece que não acordou para o Natal. Está tudo tão escuro.

-As lojas estão acordadas desde setembro representando o que o Natal é: apenas mais uma data para gastarmos nosso dinheiro.

Eu segurei no console, irritada com a resposta e com o jeito dele dirigir. Aumentei um pouquinho o tom e o gelo na voz:

-Você não reclama do Natal quando está jantando as delícias que sua mãe e tia fazem. E dá para dirigir mais devagar?

-Ué! Tem que servir para alguma coisa essa obrigação de passar a noite toda com a família. Clarisse, todo ano você reclama da mesma coisa. Eu acho é bom que o governo não gaste meu dinheiro com luzes e espero que meu condomínio também não entre nessa. E, você quer dirigir?

Insisti:

-Na verdade a minha reclamação só está piorando, a cada ano temos menos iluminação. E nem as casas e apartamentos estão decorados. Quanto desânimo, onde foi parar clima de Natal?

-O clima do Natal foi parar onde sempre esteve, no hemisfério norte com neve e chocolate quente. Agora chega dessa besteira, Cla, o que significa, afinal, essa palhaçada de luz por todo lado? Está querendo ver brilho, olha pra essa aliança de noivado linda que eu te dei, meu amor, que nem toda a cidade com pisca-pisca brilha mais que esse diamante.

Quando ele está bravo comigo coloca esse “meu amor” no meio da fala. Acha que assim vai tirar o ferrão da mesquinharia que disse.

O que significa a iluminação de Natal e onde foi parar o Natal? Eu não olhei pra aliança no meu dedo, o peso dela no meu coração já era o suficiente para notar a presença dela. Naquele momento coloquei a atenção dos meus olhos nas gotas de chuva no vidro do carro sendo iluminadas pelos faróis e a atenção dos meus ouvidos no som da roda do carro no asfalto molhado. Não temos mesmo neve, mas eu amo como sempre chove no Natal.

-CLARISSE, você está surda? Se já me ignora assim agora, imagino quando casarmos.

Fui obrigada a voltar minha atenção a ele quando além de gritar meu nome ele fez a roda derrapar de propósito.

-O que foi?

-Estou dizendo que além disso tudo as pessoas ainda aproveitam para pedir mais dinheiro no sinal, como aquele rapaz ali.

-O rapaz é uma criança, André. Toma, dê a ele.

-Você já paga dízimo para sua igreja fazer isso.

Não, não é pra isso, pensei. Já fazia tempo que a minha energia para discutir com ele sobre igreja havia acabado e ele havia ganhado. Fazia tempo que eu não ia para igreja, mas todos sabem que não pagamos dízimo para terceirizar para a igreja a nosso dever de ajudar. Entregamos em gratidão a Deus para que a liderança da igreja administre. O que sobra sou eu que administro, e posso usar para fazer o bem amplamente. Não por mera obrigação, embora ela exista, mas muito mais, por gratidão a Deus por estar em posição de ajudar. É uma honra para o ano todo.

Cheguei em casa exausta, domingos não deveriam ser assim. Lembrei de quando os domingos eram dias de descanso e alimento da alma, e eu chegava em casa animada para começar uma nova semana. Fazia tempo.

Como em todo dezembro, fui ver mais um filme de Natal antes de dormir. Eu provavelmente era a maior especialista no catálogo de Natal nada variado dos streaming. Sempre mais do mesmo, mais um filme com muita neve e músicas ruins, mais um filme em que o Natal precisa ser salvo por crianças ou a moça precisa ser resgatada de seus sofrimentos por um homem bonzinho. Mais um filme de Natal que termina com moral de boas ações e verdadeiro amor. Mas eu gostava! Não espero o Oscar dos filmes natalinos, apenas que eles sejam leves, fofos e com decorações lindas. Tomei meu suco muito gelado enquanto o personagem do filme tomava seu chocolate quente. André devia estar certo, o Natal está muito mais para cima.

Meu domingo precisava melhorar e aquele filme não estava ajudando. Faltavam poucos dias para o Natal e meu clima natalino estava derretendo de calor, chuva e mau humor. Resolvi ver mais um filme, dessa vez um clássico. Não, não foi Duro de Matar. Dei o play em Esqueceram de mim e comecei a me divertir de verdade. Neve lá, e a chuva pingava toda a minha janela quando Macaulay Culkin está andando sozinho e ao passar por uma igreja ele pensa um pouco e entra. Ao entrar o coro está cantando “Fall on your knees! O hear the angel voices! O night divine, o night when Christ was born” (“Caiam de joelhos! ouçam a voz dos anjos! oh noite divina, a noite em que Cristo nasceu”). Parei o filme, voltei no começo de cena e aumentei o som para ter certeza de que ouvi “when Christ was born”. Repeti isso três vezes, desliguei e fui dormir muito mais séria e incomodada do que eu esperava como consequência de um filme cômico. Que domingo.

Sonhei que estava vendo a cidade do alto. Tudo muito escuro e uma sensação de medo, porém eu começava a ver algumas pessoas brilhando uma pequena luz através de si em vários cantos da cidade no meio de pessoas que eram só trevas. Havia uma pessoa iluminada dentro de um salão de beleza, haviam vários pequenos pontos de luz dentro de carros, haviam pontos de luz dentro do congresso, haviam pontos de luz no hospital, nas escolas. Haviam lugares que eram só pontos de trevas também, mas alguns locais, que eu não identifiquei no sonho onde eram, havia muita luz formada por várias pessoas iluminadas juntas. Acordei.

Eu precisava acordar cedo para trabalhar, mas antes procurei “O Holy Night” do Sovereign Grace no Spotify, que era minha versão preferida há muito tempo. Não sei que horas eu fui dormir, nem quantas vezes ouvi a música durante aquela noite e pela semana inteira no trabalho e no carro, mas meu incômodo mudou para lágrimas de uma paz incrível.

No domingo seguinte, eu estava indo me encontrar com o André num café após o almoço. Eu havia sonhado de novo com o mesmo sonho da cidade escura e as pessoas de luz, mas dessa vez eu me lembrei de onde meu subconsciente retirou a referência. Ela veio dos natais da infância que passei na casa da minha avó. Ela sempre lia essa história de Natal do R.C. Sproul, “A Luz do Mundo”. Estava contando meu sonho e a história pro André, nada interessado, quando nossa briga começou. Um comentário desses que ele sabia fazer muito bem.

-Olha, Cla, seu café veio com um biscoito de Natal, se beber tudo será que você encontrará seu clima de Natal?

Ignorei a provocação.

-Vamos para a igreja hoje de noite?

-Para quê, Cla? Não precisamos estar com esse bando de hipócritas para estar com Deus. Estou ajudando os pobres muito mais que eles neste Natal. Não conseguem nem se ajudar a serem melhores, Deus não precisa da nossa religião, só precisamos ser pessoas melhores e mais evoluídas. Já conversamos sobre isso tantas vezes.

-E você se acha capaz mesmo de ser uma pessoa melhor e mais evoluída com sua própria força inútil, André? Já conversamos muito sobre isso mesmo e em todas elas você ganhou. Até aqui. Não depende de mim, eu posso falar todas as verdades para você, mas abrir seus olhos não depende de mim. E, bom, na verdade não depende nem de você!

Coloquei minha aliança apagada na mesa, levantei e saí.

Fui para o estacionamento, entrei no carro e dirigi até a igreja que eu costumava frequentar. Fazia muito tempo que eu não ia lá, conheci o André na igreja e começamos a namorar pouco tempo depois que ele começou a frequentar vindo de outra igreja. Tantas vezes nossos anseios e pressões externas por relacionamento vem cheias de concessões que a Bíblia não nos permite, não é? É uma das coisas mais estranhas quando irmãos nos motivam a baixar os padrões bíblicos e somos rotulados de sermos exigentes demais. Taxados, julgados. Gelei. Eu estava indo no impulso, mas não parecia uma boa ideia voltar justamente para aquela igreja, iam me julgar, olhar torto, talvez ninguém gostasse de me ver por lá depois de tantas mensagens de WhatsApp ignoradas. E Deus não devia estar nem um pouco feliz com meu sumiço. É tanta coisa que a gente esquece.

Quando entrei na igreja o culto já tinha começado, dobrei meu guarda-chuva molhado, sentei no fundo, ouvi a palavra, louvei e orei com todos. No final do culto cantamos um cântico que dizia “Quando me lembra o tentador de minha culpa e meu pecar, elevo os olhos ao Senhor que pôs um fim ao meu pesar”, chorei. Foi isso, não foi? Deus se fez homem e tudo isso foi por mim, até o meu afastamento já estava pago. Pensei em sair sem ser notada, mas eu não precisava me esconder. Muitos vieram me abraçar e estavam muito alegres em me ver. Parecia genuíno mesmo. Claro que tiveram olhares estranhos também e pessoas que não falaram comigo, há tão pouca perfeição neles quanto há em mim e Jesus também já cobriu eles.

Entrei no carro e estava chovendo muito. Passei um tempo olhando para minha igreja brilhando através das gotas de chuva no para-brisa. As crianças correndo brincando, adolescentes dando altas gargalhadas, senhorinhas tão bem arrumadas abraçando todo mundo e tanta luz junta. Era esse um dos lugares do meu sonho em que a luz ficava mais forte pois vários pequenos luzeiros estavam brilhando juntos. Não brilham porque são bons, eles não são, e se dependesse da bondade deles, certamente seriam tão escuros como todos os outros de fora. Eles brilham um pequeno reflexo da luz de Cristo que vive em cada um deles, por crerem em Jesus como Salvador e o povo que anda em trevas vê luz neles e incomoda demais. Eles são sim extremamente diferentes, mas em processo de santificação. São inconstantes. Já, mas ainda não.

Todo domingo esse povo se encontra para olhar para o filho do Rei da Luz através de adoração e saem com suas luzes mais fortes para começar a semana. Todo domingo eles precisam voltar e se lembrar de novo e de novo e de novo do imenso amor e graça divina em nascer homem, viver em perfeição e morrer em nosso lugar para levar os pecados dos que nele creem.

O Natal é, afinal, sobre o príncipe que vem salvar a mocinha e sobre o verdadeiro amor. O Rei que enviou seu próprio filho para nos salvar. Toda ficção está tentando salvar o Natal porque sabemos que precisamos dela, da salvação. Natal é, afinal, sobre ajudar o próximo, não porque somos evoluídos, mas porque o amor de Jesus nos molda e nos faz amar e obedecê-lo.

O Natal é mais para o alto. Bem mais.

Viu?

Importa o tempo que fazia na noite em que Jesus nasceu? Não que a gente já não saiba. E sabemos que as estrelas nunca brilharam tanto como naquela noite.

Não importa onde você está no Natal, Deus proveu chocolate quentinho com marshmallow para te esquentar no frio e também sorvete congelante para te refrescar no calor, e você ainda pode fazer o contrário se preferir. Você pode passar esse período com neve branca sob os pés, ou pode ser areia quente e mar gelado. Que noite divina. Vai ter gente com moletom natalino que pisca e gente com vestido de alcinha ou regata. Nosso dia de verão brilhante. Apenas esteja pronto, festeje, seja luz e CAIA de joelhos.

Povos, ajoelhai.

Seu joelhos irão se dobrar, todos! O Rei veio e voltará. Essa aliança brilha mais que todo ouro e diamante que sua imaginação sequer possa imaginar.

A luz do mundo entrou no mundo e dissipou a escuridão e eu vou encher a minha casa de pisca-piscas.


Texto cedido gentilmente pela autora. Você pode ler outros textos da autora neste link.

Por: Ana Paula Nunes. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Original: O brilho do Natal.