Como o Salmo 119 ajuda a vencer o desânimo espiritual

Cansaço, falta de vigor, desânimo… em algum momento ao longo deste ano você se viu nessa condição? Durante o ano de 2019 houve momentos em que eu clamei: “Senhor, me sinto tão cansada e sem forças, sinto meus pés vacilantes, me ajude”, nas vezes em que clamei sempre me via à mente o texto de Isaías 40.31: “Os jovens se cansam e se fatigam, e os moços de exaustos caem, mas os que esperam no Senhor renovam as suas forças, sobem com asas como águias, correm e não se cansam, caminham e não se fatigam”. Os termos apresentados nesse versículo: cansaço, fadiga e exaustão faziam muito sentido para mim, e uma promessa de renovação, certamente, era tudo o que eu necessitava.

No entanto, confesso que por mais que eu estivesse convencida da profunda verdade espiritual contida nessa promessa, em muitos momentos ela não me trouxe nenhum consolo, eu perguntava ao Senhor se essa ela poderia me alcançar. Eu me sentia muito mais como um ser fraco e rastejante – será que o Deus poderia me levantar e fazer voar como águia? Sim, eu sabia que ele poderia, e, sinceramente, eu esperava que ele fizesse isso de uma maneira extraordinária; eu desejava acordar em um belo dia totalmente renovada de ânimo, vigor, alegria e devoção. Contudo, o tempo me mostrou que não havia nada de extraordinário planejado para os próximos dias, nenhuma manifestação sobrenatural, nenhum toque espiritual que me levasse às lágrimas e me fizesse dormir e acordar diferente. Deus queria, simplesmente, que eu prosseguisse meditando em sua Palavra de maneira diária, comum e natural.

Sabe, por vezes depositamos nossas esperanças em ações espetaculares da parte de Deus quando, na realidade, tudo o que ele espera de nós é que perseveremos em obedecê-lo de maneira intencional, contínua e constante. Nós sabemos o que precisamos fazer, ainda assim, tentamos nos eximir de nossa responsabilidade espiritual dizendo a Deus que não fizemos mais porque ele não fez mais por nós, não somos muito diferentes daquele servo ingrato que ao invés de cumprir o seu dever, que era o mínimo que ele deveria fazer, tentou se eximir da culpa acusando ao seu senhor de ser injusto (cf. Mateus 25.24 – 30).

Ouvir uma mensagem que diz que tudo o que precisamos o Senhor já nos concedeu em Cristo Jesus e que devemos agir de acordo com essa verdade nem sempre é tão acalentador quanto ouvir que Deus tem um tipo de “força extraordinária” que ele ainda não manifestou a nós. Nossa tendência é acreditar e esperar que essa força extraordinária venha do céu enquanto permanecemos parados, orando menos, lendo menos a Bíblia, à espera de um milagre que não virá.

Em tempos de desânimo espiritual, ler a Palavra pode ser um desafio hercúleo. Não bastasse as circunstâncias ao redor cooperarem para que não a leiamos, nossos sentimentos também tendem a repelir qualquer tentativa de ler a Escritura. Contudo, não existe outro caminho de renovação e restauração espiritual, a não ser a boa e cirúrgica Palavra de Deus, esta que, por vezes, pode vir como um turbilhão em nossos corações, mas, quase sempre, vem como uma pequena semente plantada que vai germinando pouco a pouco e frutificando em nossas vidas de maneira quase imperceptível.

Uma coisa é fato, não há como experimentar qualquer tipo de renovação espiritual sem que antes experimentemos um genuíno amor pela Palavra de Deus. Ao longo dos meus dias de desânimo Deus me concedeu a graça de meditar no Salmo 119.  Esse salmo provoca em mim reações opostas: me sinto profundamente envergonhada ao lê-lo, pois ele revela quão fraca e superficial é a minha devoção à Palavra de Deus, revela o quão distante estou de amá-la de maneira profunda e genuína, mas, ao mesmo tempo, me faz desejar não menos do que esse padrão de afeição e devoção à Verdade de Deus.

No versículo 97 o salmista declara seu amor pela Lei do Senhor: Quanto amo a tua lei! É a minha meditação, todo o dia!”, diante desse versículo me fiz as seguintes perguntas: “e eu, o quanto eu amo a lei do Senhor?”, “como eu amo a Lei do Senhor?”. O amor do salmista pela Lei do Senhor o movia a meditar nela todo o dia. Em contrapartida, sua meditação diária na Lei o movia a amá-la cada vez mais. É óbvio, que quando amamos algo ou alguém, passamos tempo conhecendo e pensando a respeito, e quanto mais conhecemos e pensamos nesse objeto mais profunda se torna nossa apreciação. Não é à toa que ordena que meditemos em sua Palavra, ele, esse é o caminho para que possamos amá-la e, consequentemente, ao próprio Deus (Jo 14.15).

Se desejamos conhecer e amar a Deus precisamos nos relacionar com sua Palavra de maneira genuína. A narrativa bíblica é pontual ao mostrar que sempre que o povo deixava de lado a Lei do Senhor, seu relacionamento com Deus entrava em declínio. Não há como amar a Deus negligenciando sua Palavra.

Quanto medito na tua lei?

Sem dúvida, uma das razões pelas quais o Salmo 119 me constrange é o fato de ser a descrição de uma íntima relação com a Palavra de Deus, enquanto leitora sinto como se estivesse invadindo o recôndito da alma do salmista, ele clama, suspira, chora e se deleita na Palavra do Senhor. Suas palavras revelam sua intimidade com a Lei, ele conhece seu conteúdo, porém, mais do que isso, ele a experimentou, ele conhece os seus efeitos, ele sabe não somente aquilo que a Lei lhe ensina, mas aquilo que ela produz em sua vida.

“Terei prazer nos teus mandamentos, os quais eu amo. Para os teus mandamentos, que amo, levantarei as mãos e meditarei nos teus decretos.” (v. 47 – 48) / “Os teus decretos são motivo dos meus cânticos, na casa da minha peregrinação.” (v. 54) / Os teus mandamentos me fazem mais sábio que os meus inimigos; porque, aqueles, eu os tenho sempre comigo. Compreendo mais do que todos os meus mestres, porque medito nos teus testemunhos. Sou mais prudente que os idosos, porque guardo os teus preceitos. De todo mau caminho desvio os pés, para observar a tua palavra.” (v. 98 – 101) “Quão doces são as tuas palavras ao meu paladar! Mais que o mel à minha boca.” (v. 103) “Por meio dos teus preceitos, consigo entendimento; por isso, detesto todo caminho de falsidade. Lâmpada para os meus pés é a tua palavra e, luz para os meus caminhos.” (v. 10 – 105)

O Senhor é extremamente zeloso por sua Palavra, somente aqueles que experimentam e se deleitam na Lei do Senhor recebem a graça de experimentar sua doçura e usufruir de suas bênçãos. Podemos ser muito bons naquilo que fazemos para Deus, mas quando não damos à Palavra a primazia que lhe é devida, sentimos as consequências deste abandono de maneira dolorosa em nossa carne.

A negligência à Palavra de Deus é grave pecado, um pecado que eu cometi muitas vezes ao longo desse ano. Um pouco mais de sono para compensar o cansaço, um pouco mais de redes sociais para compensar o tédio, um pouco mais de entretenimento para compensar o cansaço mental, um pouco mais de muitas coisas que acabavam tomando boa parte do tempo e quando via a sobra ao final do dia era apenas uma mente cansada incapaz de alimentar-se da Palavra de forma consciente.

Ela me vivifica

Mas, é possível também ler a Bíblia diariamente, orar diariamente e, ainda assim ter uma vida espiritual infrutífera, Jesus repreendeu veemente os fariseus e mestres da lei ao longo de seu ministério pois eles eram um reflexo vivo disso, eles meditavam e realizavam suas orações diversas vezes ao dia, mas não havia vida espiritual em seus corações. Não estamos imunes disso, corremos o risco de perder o deslumbre, a humildade e a beleza que a Escritura produz em nós se formos a ela meramente para cumprir um dever sem, contudo, levarmos nossas mentes e corações ao seu encontro.

É preciso que nos acheguemos com humildade, não para meramente conhecer mais ou ensinar mais, mas para que sejamos moldados, humilhados e transformados. Precisamos encontrar na Palavra prazer, consolo e alegria, nossa leitura não pode ser mórbida. Ao ler o Salmo 119 vejo um homem que encontrou uma motivação para obedecer aos testemunhos do Senhor (v. 129; ele descobriu que eles são maravilhosos, descobriu que os preceitos de Deus lhe iluminam o coração e concedem discernimento. Ele achou vida.

Uma palavra para os desanimados

Mas, talvez você esteja tão desanimado ao ponto de nem mesmo conseguir abrir a sua Bíblia para meditar, tomado de culpa pela negligência, contudo, sem forças para mudar. Se este é o seu caso, preciso lhe dar um conselho que me ajudou muito: Reduza as expectativas.

Quando ficamos debilitados em nossa saúde física, não conseguimos comer como deveríamos, nem nos exercitar como deveríamos, nem nos concentrar como deveríamos, mas se pudermos comer ao menos um pouco, nos mover um pouco e manter algum nível de concentração, ainda que pequeno, teremos feito o bastante para a nossa condição, isso é fato. Mas, quando pensamos em nossa espiritualidade, não consideramos as coisas da mesma forma, mas deveríamos. Quando a nossa saúde espiritual se torna débil precisamos reduzir as expectativas visando uma melhoria gradativa. Contudo, nossa tendência é sempre pender para um dos extremos, saímos do extremo da negligência para uma atitude incompassiva com nós mesmos, exigindo mais do que somos capazes de realizar no momento: “se eu não puder meditar de maneira profunda, não meditarei”, “se eu não puder passar uma hora em oração, não ousarei passar apenas quinze minutos”. Como se Deus estivesse contabilizando nossas quantidades e avaliando nosso desempenho como um chefe em busca de resultados.

O médico dos médicos não está com uma prancheta nos obrigando cumprir a meta diária quando sabe que nosso frágil corpo espiritual não tem forças para comer além de certa medida. Não porque não queremos, mas simplesmente porque em certos momentos não conseguimos nem mesmo abrir a boca.

O pouco que conseguimos é, muitas vezes, a medida necessária para aquele dia, e, de pouco em pouco nosso vigor espiritual vai sendo renovado a fim de que possamos nos fortalecer e nos alimentar cada vez mais e melhor. Ler um pequeno trecho da Escritura, é muito melhor do que deixar de ler por falta de tempo ou dificuldade de concentração; orar um pouco é melhor do que deixar de orar por não ter um tempo e um local apropriado para isso.

Por outro lado, tal como um doente sabe que não pode comer somente quando sentir apetite, pois precisa do alimento para recuperar o apetite e a vitalidade, não podemos nos condicionar a ler a Bíblia e orar somente quando sentimos vontade (ou quando as condições são favoráveis), pois, é bem provável que a vontade nunca surja; a vontade de meditar na Palavra só surge à medida que a lemos. É fato que quanto mais comemos, mais vontade de comer sentimos e, em contrapartida, quanto menos comemos, menos vontade de comer sentimos, semelhantemente ocorre com o apetite espiritual, ele só aumenta à medida que nos alimentamos da Palavra de Deus.

Por muito tempo eu fui o tipo de pessoa que quase não bebia água. Ao longo da vida criei o hábito de beber água somente quando sentia (muita) sede, quando a garganta estava seca, a cabeça começava a doer, típicos sinais de desidratação. Quando esses sinais surgiam eu bebia água, apenas o suficiente para superar o incômodo. Não é que eu não gostasse de água, mas, é que esperava sentir vontade para tomá-la. Porém, por motivos de saúde, decidi mudar meus hábitos, passei a andar sempre com uma garrafa cheia de água e a beber, tendo sede ou não, e a abastecer a garrafa ao longo do dia. Para a minha surpresa, percebi que quanto mais água eu bebia menos tempo conseguia ficar sem água, é como se minha sede tivesse sido aumentada devido à maior ingestão de água. Meu corpo pedia por mais água, logo se tornou um hábito e uma necessidade. Além disso, comecei a notar os benefícios que a ingestão de mais água produzia no meu corpo e, logo o hábito e a necessidade se tornaram um prazer.

Nós só desejaremos a Palavra de Deus quando começarmos a “consumir” mais dela, e quando isso acontecer, perceberemos o quão vital ela é para nós; quão benéfica, prazerosa e maravilhosa é ao nosso ser! Só então, compreenderemos o que levou o salmista a compor um hino de louvor tão extenso à Palavra de Deus.

O Salmo 119 tem me ajudado a vencer o desânimo espiritual pois me lembra diariamente que somente a Palavra de Deus pode produzir em mim o vigor que necessito, sem ela a vida se esvairá, as afeições se tornarão dormentes e a mente vazia de sentido. A Palavra de Deus é e sempre será um antídoto contra o desânimo, não como um remédio de efeito imediato, mas como uma prevenção diária à nossa fraqueza. Assim como água não apenas supre a nossa sede, mas a aumenta, assim é a Palavra de Deus, ela não somente nos supre, mas gera em nós uma sede cada vez maior por conhecermos a Deus.

Talvez você tenha chegando ao final de 2019 com uma devoção fraca, um espírito abatido, forças esgotadas, talvez você não tenha cumprido seus votos para com Deus ao longo do ano que acabou, mas eu gostaria de te encorajar: não desanime, ainda há tempo de beber água, ouça o Senhor lhe chamando: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba” (Jo 7.37-38) e se não houver sede, peça-lhe e ele lhe dará. Como diz a canção baseada nas palavras do Senhor:

Todos que têm sede e os que fracos são
Venham à fonte, imergir o seu coração
A dor e a tristeza lavadas serão,
Nas ondas do amor de Deus
Profundas no coração cantamos…
Vem, Senhor Jesus (Vineyard music)

Vivifica-nos, ó Senhor, segundo a tua bondade (Sl 119.159)

Por: Prisca Lessa. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Original: Como o Salmo 119 ajuda a vencer o desânimo espiritual.