Um blog do Ministério Fiel
O episódio de ‘The Crown’ que encontra a fé em uma era secular
A terceira temporada de The Crown removeu qualquer dúvida de que o programa da Netflix – que explora a vida e o reinado da rainha da Grã-Bretanha, Elizabeth II – é um dos melhores da televisão. Certos episódios desta temporada (como “Aberfan” ou “Tywysog Cymru”) são tão bons quanto qualquer filme indicado ao Oscar este ano.
O melhor episódio da terceira temporada, no entanto, é indiscutivelmente “Moondust”, uma narrativa focada no Príncipe Philip ambientada no verão de 1969. O episódio é mais do que apenas um drama de primeira linha, no entanto. É uma das explorações de fé mais perspicazes que já vi na TV. Em 56 minutos, o episódio consegue mostrar por que a crença religiosa é facilmente deixada de lado em uma era secular e, por que – apesar de tudo – as pessoas lutam para abandoná-la totalmente.
A mesma velha fé vs. Novidade espetacular
O episódio começa justapondo duas experiências visuais de Philip (Tobias Menzies). Enquanto assiste a uma coletiva de imprensa na televisão, apresentando os astronautas da Apollo 11 (Neil Armstrong, Buzz Aldrin e Michael Collins), o duque de Edimburgo fica totalmente paralisado. “Extraordinário”, diz ele com os olhos brilhantes, ao ver, mais tarde, a Apollo 11 decolar de Cabo Canaveral. “Que homens. Que coragem.” Enquanto está sentado em frente à TV, a energia em seus olhos diz tudo.
Isso contrasta fortemente com Philip sentado na igreja, completamente entediado. Entrando no culto de domingo com a Rainha (Olivia Colman), ele pergunta: “Por que fazemos isso, semana após semana? Como lêmingues.” Enquanto o decano idoso prega seu sermão, Filipe se inclina para a Rainha e diz: “Não é um sermão. É um anestésico geral.”
A justaposição põe em movimento o conflito central do episódio – a perda da fé de Philip e a crise de meia-idade que a acompanha, tendo como pano de fundo a dramática aterrissagem lunar. Mas também revela muito sobre a dinâmica mais ampla da fé em nossa era moderna e secular.
Não é nenhuma surpresa que a mudança secular tenha se acelerado no século 20, quando a mídia de massa remodelou o mundo em um espetáculo e mediação constantes (veja Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley e Amusing Ourselves to Death de Neil Postman, entre outros). Com tantas opções de diversão e a abertura do mundo – na verdade, do universo – por meio da televisão, filmes e, eventualmente, da internet, como algo como a igreja pode competir? O que é tão incrível sobre rituais de fé centenários em um novo mundo de foguetes e pousos na Lua? O que existe de atraente, sobre as mesmas velhas histórias da Bíblia, em um mundo onde a novidade cintilante é o nosso pão de cada dia? Como um personagem do episódio comenta, sobre a aterrissagem lunar que impressionou o mundo, foram “500 milhões de pessoas recebendo da televisão o que costumavam receber da igreja: um sentimento de união, um senso de comunidade, de temor, de admiração.”
É fácil ver por que as opções em rápida expansão nos séculos 20 e 21 – tanto no que acreditar quanto em como se divertir – coincidiram com o secularismo crescente. Em vez de algo presumido, a fé cristã tornou-se apenas uma entre muitas opções em uma paisagem cada vez maior de caminhos pluralistas (o que Charles Taylor chama de Efeito Nova em seu livro, A Secular Age). E uma vez que a fé cristã é relegada ao mesmo plano categórico como “coisas para fazer com sua atenção e seu tempo” em um mundo saturado de entretenimento, a igreja passa a ser definida pela lógica do consumismo. A congregação se torna uma audiência. O pregador se torna um vendedor. A expectativa é diversão. A competição é acirrada.
A crítica de Philip à igreja é que ele não se diverte com sua repetição obsoleta. É a mesma coisa, semana após semana após semana. Que aborrecimento! Como muitos outros, em nossa era secular, o tédio é o ponto de partida para a descrença. No entanto, conforme o episódio se desenrola, vemos como a natureza “entediante” da igreja é, na verdade, uma vantagem. A fome insaciável de espetáculo e diversão passageira, afinal, nos deixa perdidos e frios. Na medida em que a igreja se diferencia dessa lengalenga – como algo categoricamente diferente de um espetáculo divertido -, ela permanece um paraíso essencial para os pródigos super estimulados do cansaço da cultura pop.
Crença enfadonha vs. ação revigorante
Outro aspecto da crítica de Philip à igreja é que ela falha em não fazer nada produtivo. É uma relíquia inerte e sem vida em um mundo que se move rapidamente ao seu redor. Como ele diz à Rainha: “De agora em diante, no domingo, enquanto vocês estiverem aqui, vou passar este tempo fazendo algo útil.”
Elizabeth responde contratando um reitor mais jovem para dar um novo fôlego à igreja do Castelo de Windsor. Ainda assim, Dean Robin Woods (Tim McMullan) não consegue impressionar Philip com sua proposta de criar um centro de retiro onde padres desencorajados, em meio de carreira, possam recarregar suas energias falando e pensando. “Você não melhora seu jogo falando ou pensando”, Philip pigarreou. “Você melhora seu jogo por meio da ação.”
Philip comparece relutantemente a uma reunião no novo centro – que ele chama de “um campo de concentração para deficientes espirituais” – onde ele começa a dispensar a pobre assembleia de padres derrotados, que lamentam que as pessoas estejam cada vez mais procurando fora da igreja a busca de realização espiritual. “O que vocês precisam fazer é sair do seu lugar, sair para o mundo e, muito bem, fazer alguma coisa”, Philip diz a eles. “Ação é o que nos define. Ação, não sofrimento.”
Esses comentários revelam outro deus competindo por almas na era secular: o pragmatismo.
Em um mundo onde o tempo é comprimido, o espaço é achatado e todos temos acesso a notícias e conhecimento dos problemas em todos os cantos do globo, a produtividade parece muito mais prática do que a oração. O mundo e suas complexidades nos confrontam e nos envolvem em um senso de urgência que torna as práticas da fé estranhas e inacessíveis. Por que perder tempo entoando hinos e sermões persistentes quando as injustiças persistem em toda parte? Por que sentar na igreja quando você poderia estar resolvendo problemas?
Esta é outra dinâmica que mina a fé em nossa era secular. A igreja parece supérflua. Mas, novamente, essa qualidade acaba sendo uma vantagem. Pois, na medida em que a igreja se recusa a se justificar em termos de pragmatismo ou utilidade imediata – mas insiste em adorar o Deus eterno, pregar um evangelho atemporal, promover longa obediência e amar firmemente os vizinhos – ela persiste como um posto avançado de relevância duradoura em um mundo de preocupações em constante mudança.
Fragilidade e Fé
Um terceiro componente da frustração de Philip com o cristianismo é que ele parece dignificar, até mesmo perseguir, a fraqueza. Ele está enojado com o que ele percebe como o “absurdo auto piedoso” dos padres no centro de retiro de Woods. Seu “falar e pensar” é covarde comparado à notável bravura dos astronautas da Apollo 11, a quem Philip idolatra como deuses entre os homens.
No entanto, quando Philip finalmente conhece Armstrong, Aldrin e Collins em pessoa, sua sagrada estima desmorona. Acontece que eles são bastante comuns e pouco inspiradores: homens de rosto pálido com resfriados e pouca capacidade para uma conversa mais profunda. Ironicamente, eles estão mais impressionados com Philip e sua vida real do que ele com eles.
É um alerta para Philip, que colocou todos os seus ovos espirituais na cesta das realizações humanas. Mesmo os maiores humanos são criaturas mortais e frágeis. Todo ser humano fica resfriado. Todos eles desapontam. Todos eles morrem. Eles não podem carregar o peso do significado final ou da justificativa existencial. Eles são pó, e ao pó – ou deveríamos dizer “pó lunar” – eles retornarão.
Um humilde Philip retorna para uma segunda reunião com o clero que ele havia dispensado anteriormente. Tendo admitido para si mesmo sua própria fraqueza – lamentando a morte de sua mãe e sua perda de fé – ele confessa aos padres: “Eu, agora, me encontro cheio de respeito e admiração e, não com menos desespero, quando venho pedir ajuda. Ajudem-me.”
Glória e Gravidade
Philip vê o que todo trabalhador vai, eventualmente, aprender: nunca é o suficiente. Não podemos nos salvar. A glória do homem não está em suas realizações, mas em seu relacionamento com Deus e na aceitação de sua graça. “A solução para nossos problemas, eu acho, não está na engenhosidade do foguete, ou na ciência, ou tecnologia, ou mesmo na bravura”, diz Philip no final. Não, a solução é a fé.
E aqui está outra razão pela qual a fé cristã perdura na era secular. Ela abraça o sofrimento, mas com esperança. Ela adora um Deus cuja glória é a vergonha de uma cruz ensanguentada – um Deus que pode se relacionar conosco em nossas dores mais sombrias, mas que conquistou o túmulo. Quando nossos esforços incansáveis falham, como inevitavelmente acontecerá, Jesus diz “Venha. . . Eu te darei descanso” (Mt 11.28). Quando chegamos ao fim de nossa corda e nossa fraqueza vence, Jesus diz: “A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2Co 12.9).
“Moondust” nos mostra o paradoxo do Cristianismo em uma era secular: às vezes, o que repele os modernos sobre a fé é o que eventualmente os atrai de volta. Como as marés do oceano subindo e descendo, causadas pela atração gravitacional da Lua, a fé aumenta e diminui na história – recuando e retornando pelos ditames da gravidade de Deus e de sua graça.