“Ford vs Ferrari” e a fragilidade da paternidade

“Ford vs Ferrari”, de James Mangold, é provavelmente, o indicado ao Oscar de melhor filme com menor probabilidade de ganhar o prêmio na noite de domingo. Isso não significa que não seja ótimo – apenas que é menos vistoso do que alguns dos outros indicados (olhando para você, Coringa).

Gostei de Ford vs Ferrari quando o vi pela primeira vez no ano passado. Baseado na história real de rivalidades entre carros de corrida e da ambição automobilística americana, o filme de Mangold é o melhor tipo de cinema elegante, mas acessível, da velha escola de Hollywood. É um filme sobre esportes bem feito.

Mas o filme só cresce em estatura quanto mais eu penso sobre ele – particularmente depois da morte de Kobe Bryant. Como um novo pai (com um segundo filho a caminho), o aspecto paternal da morte de Bryant – morrer ao lado de sua filha, deixando três outras crianças para trás – me atingiu fortemente. Mesmo sendo um #boydad, o meme #girldad me destruiu. Qualquer pai vê tragédias como essas como lembretes estimulantes de que, por mais que queiramos bliondar e proteger nossos filhos do perigo, a vida é precária. Existem obstáculos no caminho; perigos que não podemos controlar. A paternidade é uma coisa frágil e preciosa, e Ford vs Ferrari capta isso bem.

Tensões da paternidade

Por mais que Ford vs Ferrari seja sobre carros velozes, também se trata de pais e filhos. Neste caso, um pai em particular, o piloto britânico Ken Miles (Christian Bale) e seu filho Peter (Noah Jupe). Seu relacionamento terno aumenta as apostas para o drama que se desenrola.

Afinal, as corridas de automóveis são um esporte altamente perigoso. É prudente, para um marido e pai, continuar insistindo em vitórias e recordes em um esporte tão arriscado? Embora Peter esteja emocionado (e indiscutivelmente fortalecido) ao ver seu pai se esforçar bravamente – e também seu carro – até o limite, ele também está naturalmente com medo. Muitas coisas podem dar errado quando você dirige a 320 km/h em curvas, evitando e ultrapassando outros veículos velozes.

O filme (particularmente a atuação notável de Bale) captura lindamente algumas das tensões da paternidade. Como você ensina, a seu filho, segurança e prudência sem criá-los para serem excessivamente seguros e avessos a riscos? Como você os protege do perigo sem ser superprotetor? Como você modela a ambição e o assumir riscos sem imprudentemente colocá-los (ou colocar você) em risco? Qual é o valor de exemplificar diligência em alguma realização duramente conquistada, se isso significa mais tempo longe de casa?

Perigo sagrado

Uma das melhores cenas entre Ken e Peter acontece em uma pista de corrida ao anoitecer. Os dois estão sentados lado a lado, olhando para a calçada. Eles trocam este adorável diálogo:

Ken: “Se você for levar uma máquina ao limite e esperar que ela se mantenha firme, é preciso ter alguma noção de onde está esse limite. Olhe lá fora. Lá fora está a volta perfeita. Sem erros. Cada mudança de marcha, cada curva. Perfeito. Você vê?”

Peter: “Acho que sim”.

Ken: “A maioria das pessoas não consegue ver. A maioria das pessoas nem sabe que ela está lá fora, mas está. Está lá.”

As tensões da paternidade preenchem esta pequena cena. Existem limites na vida, perigos reais. Erros podem ser mortais. No entanto, ambição, até mesmo risco, é bom. A volta perfeita – assim como o jogo de basquete perfeito ou uma conquista incrível em qualquer vocação – está disponível para ser conquistada. A excelência que glorifica a Deus está ao nosso alcance. Mas não será fácil.

Há um perigo sagrado nesta cena, uma consciência de que a vida é aterrorizante e gloriosa e, acima de tudo – como o crepúsculo sublinha – tudo muito breve. Esta, no entanto, não é uma cena sombria ou agourenta, mesmo que prenuncie o que está por vir. É sensata e contemplativa – captando a urgência do Salmo 90.12: “Ensina-nos a contar os nossos dias para que alcancemos coração sábio.”

A vida é precária e preciosa

Os dez minutos finais de Ford vs Ferrari, como os vinte minutos finais de O Irlandês, podem parecer uma depressão anticlímax. Mas esses finais são mais pontos cruciais do que codas. Eles moldam como devemos ler os filmes inteiros. Spoiler a seguir.

Ford vs Ferrari não termina com a vitória estereotipada de um filme de esportes. Em vez disso, termina com a morte prematura de nosso herói, aos 47 anos, em um acidente violento enquanto ele dirige em uma pista de teste. A morte de Ken é ainda mais traumática porque é testemunhada pessoalmente por Peter, então com 14 anos. Esta é a cena que continua passando pela minha mente quando vejo as imagens do local do acidente onde Kobe Bryant, pai de quatro filhos, morreu aos 41 anos. Kobe e Ken foram, ambos, lendas que alcançaram o auge de seus respectivos esportes. Ambos foram, segundo muitos relatos, excelentes pais. Apesar de todas as suas gloriosas conquistas e desejos de estar ao lado de suas famílias, ambos morreram na casa dos 40 anos. Por mais que parecessem super-heróis e máquinas bem oleadas para seus fãs (e, sem dúvida, para seus filhos), eles acabaram sendo homens frágeis, mortais e quebradiços. E a vida é muito precária. A névoa atrapalha nossa visibilidade. Pneus estouram. Câncer, ataques cardíacos e um milhão de outras coisas podem nos matar.

Mesmo enquanto escrevo isso, tremo só de pensar em como minha vida – e a de minha esposa e filhos – realmente está fora de controle. No entanto, Ford vs Ferrari mostra – assim como o colega indicado para melhor filme em 1917 (meu review) – que a liderança real não é impedida por aquilo que não podemos controlar, nem é ingênua sobre o que podemos controlar. Em vez disso, é impulsionada por um compromisso firme e sóbrio de administrar os dons que Deus dá – nossos talentos, nossos entes queridos, as estradas abertas que encontramos diante de nós – no tempo que temos. Você não sabe o que o amanhã trará, Tiago nos diz. “Que é a vossa vida? Sois, apenas, como neblina que aparece por instante e logo se dissipa.” (Tg 4.14).

Ver-nos como névoa, como poeira, totalmente vulneráveis em face das contingências da vida, não nos torna moles. Na verdade, isso nos torna mais fortes. Quando sabemos que qualquer dia pode ser o nosso último, temos menos tolerância com as ninharias que nos tiram tempo de uma vida confortável. Quando admitimos nossas fraquezas e nossos limites, somos mais plenamente humanos.

A fragilidade da paternidade não faz ninguém se encolher de medo; antes, encoraja o pai a viver e amar com mais intensidade. Isso nos lembra de aproveitar aqueles momentos mágicos entre o dia e o anoitecer, quando podemos sentar com nosso filho ou filha – um par de nevoas que passam, compartilhando um pequeno período de tempo – e olhanado para um futuro desconhecido com coragem e esperança.

Lá fora está a volta perfeita. Você vê?

Por: Brett McCracken. © The Gospel Coalition. Website: thegospelcoalition.org. Traduzido com permissão. Fonte: ‘Ford v Ferrari’ and the Frailty of Fatherhood.

Original: “Ford vs Ferrari” e a fragilidade da paternidade. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Paulo Reiss Junior. Revisão: Filipe Castelo Branco.