Um blog do Ministério Fiel
Definindo a vontade de Deus
Ao longo dos anais do tempo, muitas pessoas têm lutado para definir a vontade de Deus. Quando falamos sobre a vontade de Deus hoje, tendemos a falar sobre coisas referentes a nós mesmos – geralmente coisas boas, como cônjuges, filhos, empregos, finanças e hobbies. Historicamente, no entanto, quando os teólogos discutiam a vontade de Deus, eles o faziam falando coisas principalmente sobre Deus – geralmente sobre coisas profundas, como a natureza de Deus, o decreto de Deus, a liberdade de Deus, a soberania de Deus e a sabedoria de Deus. Isso não acontecia visando ignorar as grandes decisões da vida, mas para localizá-las na vasta extensão dos propósitos eternos de Deus.
Definir a vontade de Deus é importante para nós, como cristãos, porque revela quem ele é como o Deus eterno, onipotente e onisciente. Geerhardus Vos descreve a vontade de Deus como “aquela perfeição de Deus pela qual, de maneira mais simples e racional, ele se dirige a si mesmo como o bem maior e a criaturas fora dele por sua própria causa”. A vontade de Deus não pode ser separada do próprio Deus. Uma vez que Deus é um em essência, sua vontade é indivisível. Como Richard Muller afirma concisamente: “Deus é o que ele deseja”. Visto de nosso ponto de vista, a vontade de Deus reflete seu caráter, revela seu desígnio para sua criação, e manifesta sua sabedoria e poder ao ordenar tudo o que se passa para o nosso bem e sua glória.
Um texto bíblico chave para definir a vontade de Deus é Deuteronômio 29.29. Ele afirma: “As coisas encobertas pertencem ao SENHOR, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei”. Este versículo resume “as palavras da aliança” Que Deus deu a Israel no final da vida e ministério de Moisés (Dt 29.1). Ele também nos fornece uma estrutura bíblico-teológica para a compreensão da vontade divina.
O contexto de Deuteronômio é instrutivo. Enquanto o Senhor prepara Josué para liderar Israel na terra de Canaã, após a morte de Moisés, ele lembra ao povo a necessidade de sua Palavra para conhecer sua vontade. Isso provaria ser uma mensagem que Israel precisava ouvir. A antecipação da terra prometida pressionaria os limites da fé de Israel, uma vez que o povo atravessava pelos obstáculos que frequentemente se encontram na brecha entre a promessa e o cumprimento. Diante das incertezas que acompanham a vida em um mundo caído, Israel precisava ser lembrado de que a obediência à Palavra de Deus estava no centro de conhecer a vontade de Deus para suas vidas.
No cerne desta passagem em Deuteronômio 29 está uma distinção entre “as coisas encobertas” que pertencem a Deus e “as coisas reveladas” que pertencem a nós e a nossos filhos. Com base nessa distinção, os teólogos geralmente se referem à vontade secreta de Deus e à sua vontade revelada. Embora esse ponto possa parecer óbvio, é crucial para definir a vontade de Deus. Existem inúmeras coisas que não conhecemos como seres humanos, pois somos finitos. Mas o mesmo não pode ser dito de Deus, pois ele é infinito e onisciente. O conhecimento de Deus é exatamente como ele: absolutamente perfeito. Ao contrário de nós, Deus não precisa resolver problemas através da dedução. Ele não precisa de conselheiros para determinar o que fazer em uma crise ou para ajudá-lo a lidar com problemas morais. Visto que Deus é infinito e incompreensível, ele tem perfeito conhecimento de si mesmo e de todas as coisas. Mas esse conhecimento “encoberto” pertence somente a Deus. Podemos chamar isso de inescrutável de Deus. Há coisas conhecidas apenas por Deus que estão fora do nosso alcance (ver Rm 11.33-36).
Em contraste, nosso conhecimento é como nós: finito e incompleto. Desde que somos criados, dependemos de Deus para conhecer sua vontade. Mais precisamente, quando Deus se revela em sua Palavra, podemos conhecer sua vontade verdadeiramente, senão de forma abrangente. O ponto é que Deus é o melhor intérprete de sua própria vontade. É por isso que “as coisas reveladas” são tão importantes. As escrituras representam a auto revelação da vontade de Deus por escrito. Embora não sejamos capazes de decifrar as “coisas encobertas” de Deus, podemos ter certeza de conhecer a vontade divina de Deus na medida em que ele se revelou em sua Palavra. Para Israel e para nós, definir a vontade de Deus envolve conhecer e aplicar a Palavra de Deus escrita.
Quando lemos a vontade revelada de Deus nas Escrituras, descobrimos que a Bíblia faz várias outras distinções entre a vontade decretiva de Deus, a vontade preceptiva de Deus e a vontade dispositiva de Deus. A vontade decretiva de Deus refere-se ao seu conselho perfeito e sábio ao ordenar ou decretar livremente tudo o que acontece. Como o apóstolo Paulo declara em Efésios 1.11: “nele [Cristo], digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade”. A vontade decretiva de Deus ressalta sua total soberania sobre todas as coisas, incluindo criação, redenção, história e providência. Como tal, nunca pode ser frustrada, nem mesmo pelo nosso pecado e desobediência. Isso não sugere que Deus se deleita no pecado ou é o autor do pecado, mas que Ele o permite, a fim de realizar sua vontade soberana.
A vontade preceptiva de Deus representa o padrão moral que Deus exige que todas as pessoas cumpram. Diz-nos o que Deus exige de nós como portadores de sua imagem; transmite o que devemos fazer, independentemente de obedecermos. A vontade preceptiva de Deus, concisa resumida para nós nos Dez Mandamentos, também é conhecida como lei moral. Como afirma o Catecismo Maior de Westminster:
“A lei moral é a declaração da vontade de Deus, feita ao gênero humano, dirigindo e obrigando todas as pessoas à conformidade e obediência perfeita e perpétua a ela – nos apetites e disposições do homem inteiro, alma e corpo, e no cumprimento de todos aqueles deveres de santidade e retidão que se devem a Deus e ao homem, prometendo vida pela obediência e ameaçando com a morte a violação dela”.
Em suma, a lógica da vontade preceptiva de Deus está resumida na máxima “Sede santos, porque eu sou santo” (1Pe 1.16).
Uma distinção menos conhecida, mas relacionada, é a vontade dispositiva de Deus. Essa vontade disposicional tem duas partes. Por um lado, refere-se ao prazer de Deus em ordenar seu decreto soberano. Por exemplo, Efésios 1. 5 fala da predestinação amorosa de Deus por seu povo em Cristo “segundo o beneplácito de sua vontade”. E Efésios 1.9 mostra como Deus tornou conhecido o mistério de sua vontade em Cristo “segundo o seu beneplácito”. Por outro lado, refere-se ao deleite de Deus quando fazemos o que ele deseja (ver Rm 12.2 Ef 5.10; Cl 3.20). Nesse sentido, Deus fica satisfeito quando obedecemos e descontente quando desobedecemos.
Embora essas distinções nos ajudem a diferenciar o ensino bíblico da vontade de Deus, não devemos concluir que existem vontades concorrentes ou contraditórias em Deus. A vontade divina reflete o plano único e unificado do único Deus verdadeiro. Uma ilustração clássica desse princípio é encontrada no sermão do apóstolo Pedro no Pentecostes. Em Atos 2. 22–23, ele declara:
“Varões israelitas, atendei a estas palavras: Jesus, o Nazareno, varão aprovado por Deus diante de vós com milagres, prodígios e sinais, os quais o próprio Deus realizou por intermédio dele entre vós, como vós mesmos sabeis; sendo este entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos”.
Por uma perspectiva, a execução de Jesus violou a vontade preceptiva de Deus, já que matar um homem inocente é assassinato. No entanto, do ponto de vista da vontade decretiva de Deus, somos informados de que a crucificação estava de acordo com o plano soberano de Deus. Além disso, o profeta Isaías destaca a vontade dispositiva de Deus quando afirma, a respeito de Cristo que “ao SENHOR agradou moê-lo, … e a vontade do SENHOR prosperará nas suas mãos” (Is 53.10). A cruz de Cristo nos ajuda a entender como nada pode frustrar a vontade de Deus em garantir a salvação de seu povo para a glória de seu nome.
Ao enfrentarmos decisões grandes e pequenas, não devemos concluir que nossa resposta deva ser simplesmente “deixar Deus agir”. Confiar na vontade de Deus envolve descansar ativamente em sua sabedoria divina e nos submetermos à sua Palavra. Enquanto as coisas ocultas de Deus permanecem um mistério, sabemos com certeza que a vontade de Deus envolve o cultivo da santidade e ações de graça a cada momento (1Ts 4. 3; 5.18). Podemos ser tentados a nos preocupar com o amanhã, mas um estudo da vontade de Deus nos convoca para uma vida de obediência hoje.