É melhor ficar calado!

Sobre o coronavirus, igrejas, cancelamentos e afins

Ontem e hoje minha timeline ficou repleta de notas de igrejas informando suas decisões procedimentais quanto aos trabalhos do final de semana, em virtude da pandemia do coronavírus. Algumas comunicavam que os trabalhos estavam mantidos, outras que estavam em parte mantidos e parte suspensos, e outras que tudo estava suspenso e a igreja não teria reuniões presenciais neste domingo.

Junto das notas vinham os comentários. Quando o comunicado era a suspensão dos trabalhos, eles diziam: “que absurdo, cancelar o culto, isso é falta de fé!” E quando o comunicado era a manutenção dos trabalhos: “que absurdo, isso é falta de responsabilidade, deveriam ser mais prudentes!” Sim, tinha comentários de apoio também, mas meu ponto aqui são os discordantes.

Meu maior incômodo com esses comentários é que eles são simplistas. Não me leve a mal, mas se você acha que decidir uma coisa dessas é simples, você está enxergando bem pouco longe do nariz. Porque a coisa é altamente complexa. Duas razões:

1. Os princípios teológicos parecem nos empurrar em direções contrárias

Veja:

a) Deus é soberano e cuida de nós (mantenhamos as reuniões). Somos seres responsáveis, e, regularmente, Ele cuida de nós através de nossas decisões (evitemos as reuniões).

b) Cultuar é mandamento (mantenhamos as reuniões). Não matar é mandamento. E colocar a vida em risco, negligenciando a proteção pessoal e do próximo, é quebrá-lo (evitemos as reuniões).

c) É dia só Senhor (mantenhamos as reuniões). Jesus disse que o dia existe por causa do homem e não o homem por causa do dia (evitemos as reuniões).

d) Somos cidadãos do céu e devemos expressar a nossa cidadania celeste (mantenhamos as reuniões). Somos cidadãos da terra e devemos trabalhar pela paz da cidade, mesmo que seja a do cativeiro (evitemos as reuniões).

Essas coisas estão todas na Bíblia. E elas parecem nos encaminhar a direções contrárias.

2. A condição das igrejas não é a mesma

Algumas igrejas são grandes, tem muitos membros; outras são pequenas, tem poucos membros.

Algumas são constituídas majoritariamente por jovens, outras por idosos.

Algumas tem templo arejado, outras tem templo sem ventilação.

Algumas estão em cidades em que o vírus ainda nem chegou, outras estão em cidades em que ele está mais do que presente.

Algumas são constituídas, majoritariamente, por pessoas com acesso a bons tratamentos de saúde, outras de pessoas que não tem acesso a esses tratamentos.

Algumas igrejas tem a maioria dos membros com acesso e facilidade com tecnologia, outras tem a maioria deles com pouca habilidade tecnológica.

Algumas tem membros “obedientes” (o grupo de risco vai ouvir a recomendação do pastor e não vai à igreja); outras tem membros “desobedientes” (o grupo de risco vai à igreja apesar da recomendação do pastor, e ainda vai dizer: antigamente pastor mandava a gente vir à igreja, agora eles mandam a gente ficar em casa!).

Essas são algumas, mas as variantes que determinam a condição de uma igreja local na tomada de decisão referente a uma questão como essa, são diversas. E elas não podem deixar de ser consideradas porque A IGREJA (universal) só existe encarnada em comunidades particulares, com todas as suas especificidades.

Definitivamente, não é uma decisão simples. Por isso, permitam-me uma sugestão: evitemos análises e comentários simplistas, principalmente aqueles condenatórios, abertos ou velados. Eles não ajudam em nada, só atrapalham. Esmagam quem já está esmagado pelo peso de ter que tomar a decisão; colocam liderados contra líderes; e aumentam o desconforto de um momento já desconfortável.

Comentários condenatórios simplistas só servem para uma coisa: autoafirmação. Eles podem ser escritos com quaisquer palavras, mas no fundo querem dizer sempre a mesma coisa: sou melhor do que você – mais sábio ou mais fiel – por isso eu faria diferente. Talvez seja por isso que nós gostamos tanto deles. Mas, numa boa: se isso é tudo o que temos a dizer numa situação como essa, é melhor ficar calado!

Por: Filipe Fontes. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Original: É melhor ficar calado!