Imortal até que seu trabalho fosse feito

John Paton (1824–1907)

Quando John e Margaret Paton desembarcaram na ilha de New Hebrides, em Aniwa, em novembro de 1866, viram a miséria dos ilhéus. O povo nativo era canibal e ocasionalmente comia a carne de seus inimigos derrotados. Eles praticavam o infanticídio e o sacrifício das viúvas, matando-as logo após a morte de seus maridos, para que elas pudessem servi-los no mundo seguinte. “Toda a adoração deles era por medo servil”, escreveu Paton. “Até onde pude aprender, eles não tinham ideia de um Deus de misericórdia ou graça” (Autobiography, 72).

Nos quinze anos seguintes, os Patons viram toda a ilha de Aniwa se voltar para Cristo. Anos depois, Paton escreveria: “Reivindiquei Aniwa para Jesus, e pela graça de Deus Aniwa agora adora aos pés do Salvador” (Autobiography, 312). Aos setenta e três anos, quando ele viajava pelo mundo anunciando a causa das missões nos mares do sul, ele ainda estava ministrando ao seu amado povo Aniwan e “publicou o Novo Testamento na língua Aniwan” em 1897 (Apostle to the New Hebrides, 238) Até sua morte, ele continuava a traduzir hinos e catecismos, além de estar elaborando um dicionário para seu povo, mesmo quando não podia mais estar com eles.

Os sacrifícios e o legado dos missionários para as Novas Hébridas são impressionantes, e John Paton se destaca como um dos maiores. Ao contar sua história, focalizaremos um dos aspectos mais inspiradores de seu personagem: sua coragem.

Canibais e Críticas

Paton teve coragem de superar as críticas, que recebeu de respeitáveis presbíteros, por decidir ir para as Novas Hébridas. Um certo Sr. Dickson explodiu: – Os canibais! Você será comido por canibais! Mas a isso Paton respondeu:

“Sr. Dickson, o senhor já é avançado em anos e sua perspectiva em breve será colocada no túmulo, para ser devorada por vermes; Confesso que, se eu puder viver e morrer servindo e honrando ao Senhor Jesus, não fará diferença para mim se eu for comido por canibais ou por vermes; e no Grande Dia, meu corpo da Ressurreição se levantará tão belo quanto o seu, à semelhança de nosso Redentor ressuscitado.” (Autobiography, 56).

Esse é o tipo de determinação espiritual que marcou a vida inteira de Paton. É uma grande parte do que torna sua história tão revigorante.

Perda Terrível

Paton chegou originalmente em Novas Hébridas em 5 de novembro de 1858, quando sua primeira esposa, Mary, estava grávida. O bebê nasceu em 12 de fevereiro de 1859. “Nossa ilha exílio emocionou-se de alegria! Mas a maior das dores aproximava-se com força dessa grande alegria!” (Autobiography, 79). Mary teve repetidos ataques devido à malária, febre, pneumonia e diarreia delirando por duas semanas.

Então, inesperadamente, ela morreu em 3 de março. Para coroar minhas mágoas e completar minha solidão, o querido bebê, que batizamos em homenagem a seu pai, Peter Robert Robson, foi retirado de mim após uma semana doente, no dia 20 de março. Aqueles que já passaram por uma escuridão semelhante à meia-noite percebem em mim; como também em todos os outros, que seria mais do que inútil tentar disfarçar minhas mágoas!” (Autobiography, 79).

Ele cavou os dois túmulos com as próprias mãos e os enterrou na casa que havia construído.

“Atordoado por essa terrível perda, ao entrar neste campo de trabalho para o qual o próprio Senhor havia tão evidentemente me levado, minha razão pareceu, por um tempo, quase ceder. O Senhor sempre misericordioso me sustentou. . .. Se não fosse por Jesus, e a comunhão que ele me concedeu lá, eu teria enlouquecido e morrido ao lado daquela sepultura solitária! (Autobiography, 80)

A coragem de arriscar a perda foi notável. Mas a coragem de experimentar a perda e continuar sozinho era sobrenatural.

Inimigos Mortais

A demanda mais comum por coragem era a ameaça, quase constante à vida de Paton, devido à hostilidade dos nativos. É isso que faz sua autobiografia parecer um suspense. Nos primeiros quatro anos em Novas Hébridas, quando estava sozinho, passava de uma crise selvagem para a seguinte. Uma das maravilhas, é como sua mente não se abalava, pois ele nunca sabia quando sua casa seria cercada por nativos furiosos ou se seria emboscado ao longo do caminho.

Uma das coisas mais notáveis de Paton, sobre como lidar com o perigo, é a sinceridade corajosa com a qual ele falava com seus agressores. Ele frequentemente os repreendia e os censurava por seu mau comportamento, mesmo quando eles seguravam um machado sobre sua cabeça.

“Certo dia, ao amanhecer, encontrei minha casa cercada por homens armados, e um chefe sugeriu que eles haviam se reunido para tirar minha vida. Vendo que eu estava inteiramente em suas mãos, me ajoelhei e me entreguei de corpo e alma ao Senhor Jesus, pelo que parecia ser essa a última vez que faria isso na terra. Levantando-me, fui até eles e comecei a falar calmamente sobre o tratamento cruel deles comigo e a contrastar isso com toda a minha conduta em relação a eles. . . Por fim, alguns dos Chefes, que haviam participado do culto de Adoração, levantaram-se e disseram: ‘Nossa conduta tem sido ruim; mas agora lutaremos por você e mataremos todos os que te odeiam’”. (Autobiography, 115)

À medida que sua coragem aumentava e seus livramentos se multiplicavam, ele se empenhava em manter as facções, em guerra, separadas, se atirava entre elas e defendia a paz. “Estando entre eles todos os dias, fiz o possível para cessar as hostilidades, colocando os males da guerra diante deles e implorando aos líderes que a abandonassem” (Autobiography, 139).

A lista de como Paton demonstrou coragem ao longo de suas décadas no campo missionário poderia continuar. Mas, então, voltemo-nos para a pergunta: de onde vinha essa coragem? A resposta que Paton gostaria que déssemos é que vinha de Deus. Mas ele também quer que vejamos que preciosos meios Deus usou e, se possível, que os apliquemos a nós mesmos e às nossas situações.

Deus de Bondade Soberana

Poucos meses depois de chegar ao campo, Paton escreveu sobre os túmulos de sua esposa e filho: “Sentindo-me imensamente seguro de que meu Deus e meu pai é sábio e amoroso demais para cometer algum erro em tudo que ele faz ou permite, procurei o Senhor em busca de ajuda, e me esforcei em seu trabalho.”(Autobiography, 85).

Por muitas vezes essa fé o sustentou nas situações mais ameaçadoras e assustadoras. Enquanto tentava escapar de Tanna, outra ilha das Novas Hébridas, ao fim de quatro anos de perigos, ele e seu amigo nativo, Abraham, estavam cercados por nativos em fúria que disputavam sobre quem daria o primeiro golpe.

Meu coração se elevou para o Senhor Jesus; Eu o vi assistindo toda a cena. Minha paz voltou a mim como uma onda vinda de Deus. Percebi que era imortal até que o trabalho de meu mestre estivesse terminado. A garantia veio a mim, como se uma voz do céu a tivesse falado, que nenhum mosquete seria disparado para nos ferir, nem um bastão prevaleceria em nos atingir, nem uma lança deixaria a mão na que estava sendo agitada para ser lançada, nenhuma flecha sai do arco, ou uma pedra mortífera dos dedos, sem a permissão de Jesus Cristo, que é poderoso no céu e na terra. Ele governa toda a natureza, a animada e a inanimada, e restringe até os selvagens dos mares do sul. (Autobiography, 207)

Depois de ver sua vida escapar e perder tudo o que tinha na terra (“meu pequeno tudo terreno”), em vez de se desesperar, se aborrecer ou ficar paralisado pela autopiedade, ele seguiu em frente, na esperança de ver o bom propósito de Deus a seu tempo – o qual ele viu no ministério que lhe foi confiado, primeiro na mobilização para missões e depois no trabalho em Aniwa.

Oração que Reivindica as Promessas de Deus

A oração que fez toda a diferença foi aquela que se submeteu à sabedoria soberana de Deus. Como você reivindica as promessas de Deus para proteção quando sua esposa que era igualmente fiel, em vez de ser protegida, morre? Como você se apaixona pelos cuidados de Deus quando os Gordon, missionários em outra ilha, que confiavam igualmente nos cuidados de Deus, foram martirizados? Paton havia aprendido a resposta para essas perguntas ouvindo a mãe orar, mesmo antes de aprender a teologia que o apoiava.

Quando a colheita da batata fracassou na Escócia, a Sra. Paton disse aos filhos: “Ó meus filhos, amem seu Pai Celestial, conte-lhe com fé e oração todas as suas necessidades, e ele suprirá sua necessidades, tanto quanto for para o bem de seus filhos e para sua glória ”(Autobiography, 22). É por isso que Paton confiava em Deus ao reivindicar as promessas: Deus supriria todas as suas necessidades, na medida em que isso fosse para o bem de Paton e para a glória de Deus.

Sua coragem, quando ele estava cercado por nativos armados, vinha através de um tipo de oração que reivindicava as promessas em submissão abrangente à sabedoria de Deus sobre o que funcionaria mais para a glória de Deus e seu bem.

“Eu . . . asseguro-lhes que não tinha medo de morrer, pois, na morte, meu Salvador me levaria para estar consigo no céu e para ser muito mais feliz do que jamais havia sido na Terra. Então levantei minhas mãos e olhos para os céus e orei em voz alta a Jesus. . . para me proteger ou para me levar para casa em glória, o que ele julgasse melhor.” (Autobiography,164).

Foi assim que ele orou repetidamente: “Me proteja ou. . . leve-me para casa em glória, o que o Senhor julgar melhor”. Ele sabia que Jesus havia prometido sofrimento e martírio a alguns de seus servos (Lc 11.49; 21.12-18). Então, as promessas que ele reivindicava eram duas: ou me proteja ou me leve para casa de uma maneira que o glorifique e faça bem aos outros.

Um Amigo que Não Falhará

Onde a alegria de John Paton repousava mais profundamente? A resposta, ao que parece, é que ela repousava mais profundamente na sua experiência de comunhão pessoal com Jesus Cristo, mediada pela promessa: “E eis que estou convosco todos os dias” (Mt 28.20).

O poder que essa promessa tinha, para tornar Cristo real para Paton em horas de crise, era diferente de qualquer outra Escritura ou oração: “Sem essa consciência permanente da presença e poder de meu querido Senhor e Salvador, nada mais no mundo poderia ter me preservado de perder a razão e perecer miseravelmente. ”(Autobiography, 117).

Um dos parágrafos mais poderosos de sua Autobiografia descreve sua experiência de se esconder em uma árvore, à mercê de um chefe não confiável, enquanto centenas de nativos furiosos o perseguiam para pôr fim à sua vida. O que ele experimentou foi a fonte mais profunda da alegria e coragem de Paton.

“Subi na árvore e fui deixado lá sozinho, na mata. As horas que passei lá reviveram toda a minha vida diante de mim, como se tivesse sido ontem. Ouvia o frequente disparo de mosquetes e os gritos dos selvagens. No entanto, sentei-me entre os galhos, tão seguro quanto nos braços de Jesus. Nunca, em todas as minhas tristezas, meu Senhor havia se aproximado tanto de mim e falado com tanta tranquilidade à minha alma, quanto naquelas horas, quando a luz da lua tremeluzia entre as folhas das castanheiras, e o ar noturno tocava minha testa latejante, enquanto eu abria todo meu coração a Jesus. Sozinho, mas não sozinho! Se for para glorificar meu Deus, não me ressentirei de passar muitas noites sozinho em uma árvore assim, de sentir novamente a presença espiritual do meu Salvador, de desfrutar sua consoladora comunhão.” (Autobiography, 200).

Paton nos deixa com uma pergunta: “Se você for deixado por sua própria conta, sozinho, totalmente sozinho, à meia-noite, na mata, no abraço da própria morte, você tem um amigo que não lhe faltará”?

Por: John Piper. © Desiring God Foundation. Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: Immortal Till His Work Was Done.

Original: Imortal até que seu trabalho fosse feito. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Paulo Reiss Junior. Revisão: Filipe Castelo Branco.