Teólogos reformados históricos sobre a igreja em quarentena e o distanciamento social

O que segue é a apresentação de uma amostra saudável de uma compilação bem mais longa (e um pouco mais difícil, embora bem-vinda) fornecida pelo Reformed Books Online. Eu não conheço os companheiros desse site e não posso chancelar todos os aspectos da sua perspectiva reformada, porém, eles são conhecedores das obras cristãs e reformadas históricas, e a compilação que eles forneceram (com mais por vir, segundo dizem) é muito útil. O trabalho acadêmico aqui é o de um soldado e exige horas. Por essa razão, podemos ser gratos.

Eu selecionei algumas das citações que acho mais úteis. Há muitas outras, e se o leitor desejar, pode consultar a outra página para ver o restante. Mesmo assim, porém, é a bebida proverbial de uma mangueira de incêndio. Também editei seletivamente e adicionei alguns comentários meus, sem separar os deles (a maioria) dos meus — peço perdão antecipadamente.

A coleção completa inclui citações que aprovam o fechamento de igrejas durante pandemias, distanciamento social durante o período de contágio e o aumento temporário do poder civil para fazer cumprir essas coisas, tudo vindo de reformadores como Martinho Lutero e Teodoro Beza, teólogos de Westminster como George Gillespie, reformadores de segunda geração como Johann von Ewich (reformado alemão), e ministros do final do século 19, como Francis Grimké. (A seleção de Grimké, escrita após a gripe espanhola de 1918, é especialmente direta e clara, e, sendo um pouco mais moderna e americana, parece estar mais próxima de casa).


Johann von Ewich (1525–1588), foi um erudito alemão reformado, formado em direito, médico e professor de medicina. Ele passou a ocupar o ofício civil de médico da cidade, abaixo do prefeito, da cada vez mais reformada cidade de Bremen. Esse livro, sua obra magna sobre o assunto, pretendia oferecer a Bremen (e a outras cidades) um plano abrangente para uma maior reforma em tempos de peste.

E, primeiro, sobre as reuniões da igreja, este conselho precisa ser dado: que as pessoas não venham aos montes, ou por multidões, nem entrem nem saiam, e que não se agrupem em grande número em uma igreja, onde serão levadas a se sentarem de maneira direta e próxima, especialmente em uma cidade: considerando que existem lugares mais adequados para esse fim, nos quais o culto divino, isto é, a exposição da palavra de Deus e a administração dos sacramentos podem ser realizadas.

Pois, embora essas coisas possam parecer, para alguns, apenas pequenas e de pouca importância, ainda assim nada deve ser omitido, o que, de qualquer maneira, pode contribuir para afastar a infecção. E o que Cícero disse, como devemos fazer para o benefício dos homens e servir à comunhão da humanidade, quando nada deve ser mantido próximo, seja qual for a mercadoria ou a loja que nós temos, o mesmo, em especial, deve ter lugar dessa vez. (The Duty of a Faithful and Wise Magistrate, in preserving and delivering of the Commonwealth from infection, in the time of plague or pestilence… [Londres, 1583], livro 1, capítulo 6, “Of order to bee appoynted among the Citizens, and of leauing of publique meetinges and assemblies”, p. 27).

Von Ewich fez comentários extensivos a respeito das questões, incluindo que especialmente os ministros que estão visitando os doentes, mas também, por extensão, qualquer pessoa que tenha tido ocasião de contrair a doença, devem ser especialmente evitadas e, dessa forma, na medida do possível, colocar a si mesmas em quarentena:

Pois eu afirmei anteriormente, e digo de novo, que não apenas o ar infeccioso externo e comum, mas também as respirações contagiosas e as respirações infecciosas, ou assopros, que são reunidos e depois transmitidos ao todo: e que devem ser evitados outros que estão doentes pelos cuidadores, por aqueles que se sentam ao lado deles, pelos ministros da igreja que vão e vêm aqui e ali ao lado dos infectados, sim, muitas vezes também por aqueles que estão mortos. Que coisa, quando, pela experiência cotidiana somos ensinados e nos provamos também verdadeiros, por todos os meios temos que prestar atenção, para que não causemos essa tão grande doença em outros, que com toda diligência temos nos colocado à parte, por medo da infecção.

A seguir você pode acrescentar, do que muitas vezes temos menos experiência, que também muitas pessoas doentes (não falo das que estão infectadas com a peste), embora não sejam infectadas com a companhia de tais ministros, ainda assim elas recusarão a presença deles por medo da infecção. Depois disso, também aparecerá esse inconveniente, mas elas preferem nunca receber um conforto tão simples nas mãos de alguns dos seus próprios lares, que na maior parte não feitos com esse propósito, ou então morrer sozinhas a sofrer um duplo dano… (The Duty of a Faithful and Wise Magistrate, in preserving and delivering of the Commonwealth from infection, in the time of plague or pestilence… [Londres, 1583], livro 1, capítulo 5, “Of the Ministers of the Church”, p. 19–20).

George Gillespie foi um proeminente membro da Assembleia de Westminster. Suas opiniões a respeito da Lei de Deus (o que hoje nós chamaríamos de teonomia), provavelmente estavam entre os mais completos e precisamente desenvolvidos. Sua citação aqui demonstra um conhecimento de (1) infecção, (2) distanciamento social, (3) adaptação do culto público e (4) a duração por anos, às vezes, por causa de uma doença em expansão. Essas quatro coisas, conhecidas e praticadas na época, são as principais e necessárias, que são relevantes e aplicáveis em tempos de contaminação pública em quase todas as idades e situações, mesmo na era moderna.

Argumentando contra o congregacionalismo, Gillespie estabelece que a unidade no governo da igreja é essencial (e argumentar sobre formas de governo também vale a pena, mas em outro lugar). Porém, no processo demonstra que a unidade permanece firme, mesmo se as assembleias da igreja local forem interrompidas — mesmo durante anos — e isso pode ser legítimo, devido à peste:

Uma multidão pode ser uma igreja, embora não se reúna no mesmo lugar para cultuar a Deus. Por exemplo, pode acontecer de uma congregação não poder se reunir em um lugar, mas em diversos, e isso pode continuar assim durante alguns anos, seja por motivo de perseguição ou por causa de uma peste, seja porque ela não tem uma igreja paroquial tão grande, que possa reunir todas as pessoas, de modo que uma parte delas deve se encontrar em outro lugar. Mas uma multidão não pode ser uma igreja, a menos que comunguem do mesmo governo da igreja, e debaixo dos mesmos governadores (por uma igreja eu quero dizer uma república eclesiástica), mesmo que a mesma união sob o governo e governadores civis cooperem… (An Assertion of the Government of the Church of Scotland… [Edinburgo, 1641], parte 2, capítulo 3, p. 145).

Teodoro Beza foi um discípulo, amigo e sucessor de João Calvino, em Genebra. Suas credenciais acadêmicas não precisam de apresentação, pois foram amplamente reconhecidas na época e geralmente são reconhecidas por estudantes no presente. Ele foi um gigante. E quando encarou a peste, deu o mesmo conselho que os outros (ele praticou a autoquarentena a tal ponto, que não aceitava visitas nem mesmo dos seus amigos mais íntimos, Calvino ou Viret. Na verdade, ele os considerava tão importantes para o mundo que não correria o risco de infectá-los!):

Quando eu mesmo… fiquei doente da peste em Lausanne [França], e que os outros, meus colegas ministros, e entre os demais, aquele homem singular de abençoada memória, Pierre Viret, estava preparado para vir a mim, e que o próprio João Calvino também enviou um mensageiro com cartas endereçadas a mim, com todo tipo de cortesia, não permiti que nenhum deles viesse a mim, para que não se pensasse que eu providenciei a perda da comunidade cristã, que teria se manifestado muito grande com a morte de homens tão dignos, nem me arrependo de ter feito isso, embora, porventura, caso acontecesse com eles, não obtivessem o mesmo da minha mão.

Mas, se em tais calamidades o magistrado, em tempo, providenciar, tanto quanto possível, por meios legais que não sejam repugnantes à caridade cristã, que a infecção possa ser mitigada, e que também não falte nada aos doentes pela peste, ele deve responder muitas perguntas que, segundo esse argumento, devem ser feitas. Mas deve haver especial concordância nisto: de que os nossos pecados são a principal e a verdadeira causa da peste, de maneira que esse é o único remédio adequado contra ela, se os pastores não disputarem a respeito da infecção (o que compete aos médicos), mas tanto pelas palavras como pelo exemplo de vida, despertem os seus rebanhos para o sincero arrependimento, amor e caridade em relação aos outros, e que as ovelhas ouçam a voz dos seus pastores. (A Short Learned and Pithy Treatise of the Plague, Wherein are Handled These Two Questions: the One, Whether the Plague Be Infectious, Or No; the Other, Whether and How Far it May of Christians Be Shunned by Going Aside [Londres, 1580], pp. 68–70).

Richard Baxter (1615–1691), um famoso puritano anglicano, discute se um governo civil pode ou não fechar igrejas durante pandemias. Ele faz isso em seu estilo clássico de controle lógico rígido e frases esparsas, que de algum modo parecem tediosas e prolixas. Contudo, são bem fundamentada e escritas, valendo a pena lê-las algumas vezes:

Pergunta 109: Podemos omitir as assembleias da igreja no dia do Senhor, caso o magistrado as proíba?

Resposta: 1. Uma coisa é proibi-las por um tempo, por alguma causa especial (como infecção por pestilência, fogo, guerra, etc.), e outra coisa é proibi-las de forma declarada ou profana.

2. Uma coisa é omiti-las por um tempo e outra é fazer isso ordinariamente.

3. Uma coisa é omiti-las por obediência formal à lei; e outra coisa é omiti-las por prudência ou por necessidade, uma vez que não podemos observá-las.

4. A assembleia e as circunstâncias da assembleia devem ser distinguidas: 1. Se o magistrado, por um bem maior (como a segurança comum) proíbe as assembleias da igreja em tempos de pestilência, assalto de inimigos ou fogo, ou por necessidade similar, é um dever obedecê-lo. Porque os deveres positivos dão lugar aos grandes deveres naturais que são o seu fim. Assim, Cristo justificou a si e a seus discípulos quanto à violação do descanso externo no Sabbath, pois o Sabbath foi feito para o homem, e não o homem para o Sabbath. 2. Visto que as afirmativas não se vinculam sempre, e os deveres fora de época se tornam pecado. 3. Porque um dia do Senhor ou uma assembleia não devem ser preferidos ante muitos, que por omissão daqueles devem ser obtidos.

2. Se os príncipes, de modo profano, proíbem as assembleias santas e o culto público, declaradamente ou como uma renúncia a Cristo e à nossa religião, não é legal obedecê-los formalmente.

3. Mas é lícito e prudente fazer secretamente diante da presente necessidade, o que não podemos fazer publicamente, e fazer com números menores o que não podemos fazer com assembleias maiores, sim, e omitir assembleias por um tempo, de maneira que tenhamos oportunidade para mais, o que não é obediência formal, mas apenas material.

4. Mas se apenas algumas circunstâncias da assembleia nos são proibidas, essa é outra questão que deve ser resolvida.

Pergunta 110. Devemos obedecer aos magistrados se eles nos proíbem de adorar a Deus em tal lugar, país, ou em tais números, ou em algo semelhante?

Resposta: Devemos distinguir entre uma determinação de circunstâncias, modos ou acidentes. Se somos proibidos apenas do lugar, números, etc., que claramente destrói o culto ou o fim, e outras coisas que não fazem isso. Por exemplo:

1. Aquele que diz: “Vocês nunca se reunirão, senão uma vez por ano, ou nunca senão à meia-noite, ou nunca senão durante seis ou sete minutos por vez, etc.”, está determinando a circunstância quanto ao tempo, mas está fazendo isso para destruir o culto, o que não pode ser feito de maneira consistente com os seus fins. Mas aquele que disser: “Vocês não se reunirão até às nove horas, nem ficarão durante a noite, etc.”, não faz tal coisa.

2. Não preciso me deter na aplicação. No último caso, devemos obediência formal. No primeiro, devemos sofrer e não obedecer.

Pois se é para obedecer, é uma obediência para abandonar o culto a Deus… (A Christian Directory, or a Sum of Practical Theology… [Londres, 1673], p. 870–872).

Ashbel Green (1762–1848) foi um ministro presbiteriano americano e presidente da Universidade de Princeton. A citação abaixo está relacionada à epidemia de febre amarela, que se espalhou na Filadélfia. Perceba que, enquanto pedia que as pessoas fugissem, ele permaneceu na cidade para ajudar.

[Eu] resolvi ir e pregar e aconselhar a todo o meu povo que pudesse deixar a cidade, a escapar por suas vidas. Foi isso o que eu fiz, e, em grande medida, provavelmente foi devido a isso que, sob a bênção de Deus, pouquíssimos membros da minha congregação se tornaram vítimas da peste neste ano.

Para aqueles sob minha responsabilidade que eu sabia que não poderiam sair da cidade, eu disse o máximo que pude para, conscientemente, aliviar os seus medos, exortando-os a confiarem em Deus, visto que, na ordem da sua providência era impraticável que eles deixassem suas casas. Eu lhes disse explicitamente que não via qualquer chamado ao dever que eles deveriam se reunir para culto público, ou que deveriam participar da pregação, enquanto a cidade permanecesse em seu estado atual. (Joseph Jones, ed. The Life of Ashbel Green, V.D.M. [Londres, 1849], p. 281).

Francis J. Grimké foi um pastor presbiteriano em Washington, D.C. Ele escreveu no contexto da Gripe Espanhola de 1918–1920. (Veja Andrew Myers, “Reflections by Francis J. Grimké on the 1918 ‘Spanish Flu’”).

Outra coisa que me impressionou, em conexão com essa epidemia, é o fato de que podem surgir condições em uma comunidade, que justificam o exercício extraordinário de poderes que não seriam tolerados em circunstâncias comuns. Esse exercício extraordinário de poder foi utilizado pelos Comissários [civis] ao fecharem os teatros, escolas, igrejas, proibir todas as reuniões de um número considerável de pessoas em ambientes fechados e ao ar livre e restringir os números que deveriam estar presentes mesmo em funerais. A base do exercício desse poder extraordinário foi encontrada no dever imperativo dos oficiais para salvaguardar, tanto quando possível, a saúde da comunidade, impedindo a propagação da doença da qual estávamos sofrendo.

Sei que existiram algumas queixas consideráveis por parte de alguns, principalmente no que diz respeito ao fechamento de igrejas. No entanto, parece-me que em um assunto como esse sempre é prudente se submeter a essa restrições por um tempo. Se, de fato, era perigoso se encontrar nos cinemas e nas escolas, certamente não era menos perigoso se encontrar nas igrejas. O fato de as igrejas serem locais de reunião religiosa, e as outras não, não afetaria em nada a questão de saúde envolvida. Se evitar multidões diminui o risco de ser infectado, era prudente tomar a precaução e não correr o risco desnecessariamente, e esperar que Deus nos protegesse.

E, por mais ansioso que estivesse para retornar ao trabalho, esperei pacientemente, até que a ordem fosse dada. Comecei a me preocupar no início, pois parecia perturbar todos os nossos planos para o trabalho do outono, mas logo recuperei a minha compostura. Eu disse para mim mesmo: por que se preocupar? Deus sabe o que está fazendo. A obra dele não sofrerá. No final, ela será ajudada por isso. Acredito que com isso um grande bem está por vir. Todas as igrejas, assim como a comunidade em geral, serão mais fortes e melhores para essa época de angústia pela qual estamos passando. (Some Reflections, growing out of the recente epidemic of influenza that Afflicted our City, [Washington D.C., 1918], p. 6).


Muitos agradecimentos aos editores do site Reformed Books Online, por esse grande e crescente corpo de trabalho.

Por: Joel McDurmon. © Lamb’s Reign. Website: round-tiger-gjsc.squarespace.com. Fonte: Historic Reformed Theologians On Church Quarantines And Social Distancing.

Original: Teólogos reformados históricos sobre a igreja em quarentena e o distanciamento social. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Alan Rennê.