A Corça Suspira: Anseio pelo culto público

Na semana passada eu escrevi algumas reflexões sobre o que percebi que Deus estava fazendo na presente crise e sugeri algumas vias de resposta. Neste artigo estou me aprofundando em uma coisa: os desafios da perda do culto público. À medida que respondemos ao leão que ruge, devemos imitar a corça que suspira.

O salmista escreveu no Salmo 42.1-2: “Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando irei e me verei perante a face de Deus?” Que realidades da vida do salmista estão por trás dessa analogia? Davi estava no exílio, escondendo-se de Saul no deserto e cortado do culto público.

Em seu exílio, Davi experimentou muitas graves aflições: foi jurado de morte, traído por aqueles a quem ajudou, caluniado e acusado de ser abandonado por Deus. No Salmo 42 ele expressa a sua pior provação: ele foi privado do culto público.

Ele expressou o anseio da sua alma pelo culto público através da analogia de uma corça, cercada por cães, desejando água. No Salmo 63.1, ele usa uma analogia semelhante: “Ó Deus, tu és o meu Deus forte; eu te busco ansiosamente; a minha alma tem sede de ti; meu corpo te almeja, como terra árida, exausta, sem água”.

No exílio, Davi foi capaz de ter comunhão com Deus. Ele orou, escreveu poesia, cantou. Entretanto, ele foi privado da assembleia pública, onde Deus se reunia com o seu povo de uma maneira particular. Como resultado da sua privação do culto público, a alma de Davi teve sede. Muito do que Davi possuía no culto público eram apenas tipos e sombras. Quão mais agudo deve ser o nosso senso de perda? Como igreja da Nova Aliança, adoramos na plena luz da revelação do Senhor Jesus Cristo.

Talvez, no passado, ao ler o Salmo 42, você tenha pensado que as palavras de Davi foram exageradas. Contudo, agora que está privado do privilégio do culto público, você pode se identificar melhor com o anseio de Davi. A sua ama está sedenta? Você se sente desnutrido espiritualmente? Você se sente, de algum modo, desconectado de Deus e do seu povo? Embora transmitamos cultos, leiamos e oremos com outras pessoas em nossas casas, ainda resta um vazio em nossas vidas.

Você está aprendendo que o culto corporativo é o maior privilégio e a maior bênção do cristão? James Bannerman descreveu a transação que ocorre quando nos reunimos na presença de Deus: “O culto público não é outra coisa senão a maneira e o modo pelo qual pecadores, reunidos em uma situação eclesiástica, têm permissão em sua capacidade coletiva, de manter um relacionamento com Deus, de manter em uma maneira correta e condizente a sua comunhão com ele e de aproximar-se dele dia após dia em comunhão aceitável”.[1]

Em seu sermão “O Culto Público deve ser preferido ao privado”[2], David Clarkson apresentou doze razões que demonstram que o culto público é mais importante que o privado: 1. O Senhor é mais glorificado pelo culto público do que pelo privado; 2. Há mais da presença do Senhor no culto público do que no privado; 3. Deus se manifesta mais claramente no culto público do que no privado; 4. Existe mais vantagem espiritual no uso do culto público; 5. O culto público é mais edificante do que o privado; 6. O culto público é uma melhor segurança contra a apostasia do que o privado; 7. O Senhor realiza as suas maiores obras no culto público; 8. O culto público é o que há de mais parecido com o céu; 9. Os mais renomados servos de Deus preferem o culto público ao privado; 10. O culto público é o melhor meio para se obter as maiores misericórdias, para prevenir e remover os maiores julgamentos; 11. O precioso sangue de Cristo está mais interessado no culto público; 12. As promessas de Deus são dadas mais no culto público que no privado.

Bannerman expôs essas bênçãos em detalhes:

Todos os elementos do culto aos quais temos nos referido são partes de uma ordenança pública, não de uma privada, pertencem ao corpo dos crentes coletivamente, e não individualmente. Devem ser desfrutados como meios de graça, não pelos cristãos separadamente, mas pelos cristãos em sua situação eclesiástica e em comunhão uns com os outros […] e mesmo quando o uso individual dessas ordenanças não é impossível ou ilegal, mas o contrário, não são usadas com o mesmo efeito gracioso, nem possuem a mesma influência graciosa, como no emprego social e conjunto delas […] Resumindo, a bênção sobre as ordenanças é apenas meia bênção quando desfrutadas a sós, mesmo naqueles casos nos quais a ordenança pode ser usada pelo cristão à parte dos outros […] Todas as partes do culto da igreja pertencem à igreja em um sentido peculiar e enfático, e se tornam eficazes pela presença do Espírito de Cristo, como seus instrumentos para edificar e fortalecer o corpo coletivo dos crentes de uma maneira e em uma extensão desconhecidas no caso do culto privado e solitário.[3]

Que possamos aprender a respeito do privilégio e das bênçãos do culto corporativo, assim como Davi aprendeu por experiência própria. Para ajudar você a avaliar sua atitude e participação no culto público, considere os quatro desafios a seguir.

Primeiro, que a privação do culto público trabalhe em você uma maior estima por ele. Pare de achar que você já faz isso. Exclame com o salmista: “Alegrei-me quando me disseram: Vamos à Casa do SENHOR” (Salmo 122.1). Ou: “Pois um dia nos teus átrios vale mais que mil; prefiro estar à porta da casa do meu Deus, a permanecer nas tendas da perversidade” (Salmo 84.10).

Segundo, você precisa se arrepender de ter uma abordagem negligente a respeito do culto? Você permitiu que pessoas ou coisas o impedissem de se reunir com o povo de Deus, para adorá-lo? Você tem adorado de maneira apenas formal, e não pela fé que brota de um coração regenerado?

Terceiro, os oficiais da igreja necessitam examinar as razões pelas quais não mais possuem um culto vespertino.[4] Por que vocês privam o povo de Deus de uma dupla bênção? No culto público, Cristo permanece em nosso meio e fala (Salmos 22.25; 40.9-10; Apocalipse 2.1). Que privilégio é se reunir em sua presença e contemplar a sua beleza!

Quarto, aqueles de vocês que voluntariamente negligenciam[5] o segundo culto, precisam se arrepender do seu mundanismo. Como você está passando o dia do Senhor? O que isso diz a respeito da sua saúde espiritual se a sua sede espiritual é satisfeita com um gole? Você não deseja mais de Cristo e dos seus benefícios? Durante o autoisolamento das últimas semanas, muitos assistiram a filmes; outros consumiram reprises de eventos esportivos. Quantas dessas mesmas pessoas, na melhor das hipóteses, de má vontade deram ao Senhor uma hora em um dia da semana?

Deus removeu por um tempo o privilégio do culto corporativo para que possamos avaliar a nossa atitude em relação ao culto público. Oro para que um dos benefícios da pandemia da Covid-19 seja um compromisso renovado com a glória de Deus e com o nosso bem em seu culto.

Na falta do culto público, que nossas almas suspirem pelo culto ao Deus vivo, como a corça desolada suspira pelos riachos de água.


[1] James Bannerman. The Church of Christ. 2 Vols. Reimpresso a partir da edição de 1868 (Edinburgo: The Banner of Truth Trust, 1974), 1:341. [Em português: James Bannerman. A Igreja de Cristo. Vols. 1 e 2. Recife, PE: Os Puritanos, 2014].

[2] David Clarkson. The Works of David Clarkson. 3 Vols. Reimpresso a partir da edição de 1696 (Edimburgo: The Banner of Truth Trust, 1988), 3:187ss.

[3] James Bannerman. Ibid., 329-330.

[4] Existem muitos argumentos para o segundo culto. Apenas dois exemplos bíblicos são suficientes: as ofertas da manhã e tarde eram duplicadas no Sabbath, e no Salmo 92, um salmo que dirige o nosso culto no Sabbath, o escritor exclama: “Bom é render graças ao SENHOR e cantar louvores ao teu nome, ó Altíssimo, anunciar de manhã a tua misericórdia e, durante as noites, a tua fidelidade”. Além disso, essa tem sido a prática das igrejas protestantes desde a Reforma até os tempos recentes.

[5] Eu reconheço que alguns podem não se fazer presentes no segundo culto, em razão da idade, saúde ou distância.

Por: Joseph A. Pipa Jr. © Greenville Presbyterian Theological Seminary. Website: gpts.edu. Traduzido com permissão. Fonte: The Deer Pants: Longing for Public Worship.

Original: Os Suspiros da Corça: Anseio pelo culto público. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Alan Rennê. Revisão: Filipe Castelo Branco.