Um blog do Ministério Fiel
Por que sentimos falta uns dos outros?
Quais os principais anseios das pessoas nesse momento? Há o desejo geral de que a pandemia cesse, a esperança de que a crise financeira não nos alcance, a vontade de que a vida volte ao normal, a expectativa de que deixe de existir esse estado geral de preocupação e ansiedade… São vários, sem dúvidas. Há, também, na maior parte de nós, um interesse de poder voltar a nos confraternizar, ver uns aos outros, poder nos abraçar, apertar mãos (sem precisar limpá-las logo em seguida com álcool em gel), almoçar juntos, olhar nos olhos uns dos outros… Para os cristãos, isso se traduz também no desejo de voltarmos a cultuar, congregar e cear juntos.
Por que sentimos falta uns dos outros? A tecnologia, as redes sociais, as chamadas de vídeo, o Zoom, Google Meeting e coisas mais não nos possibilitam matar essa sede? Sabemos, em nossos ossos, a resposta para essa pergunta. É um “sim” meio deslocado, com a cabeça levemente virada, indicando que tem um aspecto da resposta que seria também um “não”. Em nossa experiência ordinária percebemos que ainda que haja simultaneidade temporal e algum tipo de reunião nesses dias, não estamos desfrutando uns dos outros da mesma maneira… Devemos ser gratos pelo que temos vivido e por termos tantos recursos nessa época para nos manter próximos mesmo à distância. Entretanto, não podemos ignorar que há algo em falta. Mas o que seria mesmo?
Há muitas respostas para essa pergunta, mas queria enfatizar uma decorrente da natureza humana: falta estarmos presentes de corpo e alma. Dito de outra maneira: falta que o homem integral tenha um encontro com outros homens integrais no espaço-tempo. Para entendermos melhor essa resposta, é necessário voltarmos ao ensino bíblico sobre quem o homem é. O homem não é meramente um animal, nem alguém que surgiu pelo acaso, de forma impessoal. O ser humano não é apenas matéria desprovida de alma; ao mesmo tempo, o corpo do homem não é a prisão da alma. Biblicamente, o ser humano foi criado por um Deus pessoal, à sua imagem e semelhança, corpo e alma em unidade.
A criação do homem, relatada em Gênesis 1 e 2, demonstra que ele foi formado de maneira diferenciada. Feito do pó da terra por Deus, teve o fôlego de vida soprado em suas narinas e foi feito alma vivente, assim, como Bavinck disse, o homem “une e reconcilia em si mesmo o céu e a terra, coisas invisíveis e visíveis” (Dogmática, v. II, p. 566). A mulher foi formada a partir do corpo do homem, de sua costela. Nesse simples relato, percebemos como não somos seres etéreos, mas corporais, físicos, e isso, como Deus disse ao concluir a criação, é muito bom. É parte da natureza humana a corporalidade, é parte da imagem de Deus no homem.
Acompanhando a história bíblica, percebemos como o pecado e a queda afetaram o mundo integralmente, inclusive o mundo físico. Cardos e abrolhos. O universo foi afetado e geme continuamente aguardando a restauração (leia Rm 8.18-25). Homem e mulher passaram a experimentar vergonha de seus corpos nus. A morte — a separação antinatural do corpo e alma — entrou no mundo e começou a dividir aquilo que não foi feito para ser dividido. A unidade do homem foi quebrada. O pecado afetaria o corpo e a alma, o homem todo. Veja, por exemplo, o Salmo 32, verso 3: enquanto o salmista calou o seu pecado, seus ossos envelheceram, ele andava cansado e sem vigor.
Como viria a nossa redenção? Pelo Antigo Testamento, pelo derramar de sangue de cordeiros, pelas ofertas físicas, pelas purificações do corpo, já podemos notar o vínculo entre a Redenção e o mundo físico — para os cristãos, o mundo físico não é ruim, em si mesmo. Pelo contrário, lembrem-se que uma das formas de Deus se revelar é exatamente por meio dele (veja Sl 19 e Rm 1.18). No Novo Testamento, temos o relato de um milagre maravilhoso e um testemunho da importância do nosso corpo: a encarnação (Mt 1.18-23)!
Jesus Cristo, o Deus-filho, aquele que desfrutou da glória eterna com o Pai (Jo 17.4-5), “se esvaziou, tornando-se em semelhança de homens” (Fp 2.7). Nosso salvador nasceu de uma mulher (do mesmo modo que eu, você e todos os que vieram depois do primeiro casal). Isso é surpreendente? Por um lado sim. Por outro lado, a encarnação faz sentido quando nos lembramos que Deus nos fez à sua imagem e semelhança. O corpo é importante no Cristianismo! Tão importante que o apóstolo João, em sua primeira epístola, coloca como uma prova da fé verdadeira afirmar que Cristo veio em carne (1Jo 4.2).
Poderíamos afirmar mais coisas sobre isso: Jesus viveu, comeu, se confraternizou, teve comunhão física com seus discípulos, experimentou a morte física, ressuscitou corporalmente e ascendeu ao céu em corpo (Lc 24.50-53). Inclusive, ao estabelecer a santa ceia, Jesus colocou a comunhão corporal como um elemento importante ao nos fazer ansiar pelo dia em que ele tomará do vinho novo uma vez mais conosco (leia Mt 26.26-30). Jesus disse: “desta hora em diante, não beberei deste fruto da videira, até aquele dia em que o hei de beber, novo, convosco no reino de meu Pai” (v. 29). Essa é uma de nossas expectativas! Nas bodas do Cordeiro (Ap 19.7-9) cearemos com o Senhor Jesus, à semelhança dos seus apóstolos, mas de maneira ainda mais gloriosa! Nós o veremos face a face (1Co 13.12), nós estaremos ao seu lado, nós dividiremos com ele o mais doce vinho na mais bela taça. Por isso, oramos Maranata! E quando ele vier, virá também corporalmente (At 1.10-11).
Todas essas realidades demonstram para nós a importância da presença física. O corpo humano é uma parte essencial para experimentarmos verdadeira comunhão. Não é à toa que a comunicação envolve mais do que meramente os sons que saem de nossa boca, mas o tom que usamos, as expressões faciais e corporais, o toque… O ser humano é uma unidade de corpo e alma, esse é um dos motivos pelos quais sentimos falta uns dos outros, ainda que tenhamos as bênçãos de desfrutar da graça divina de nos vermos e conversarmos usando recursos tecnológicos.
O que isso tudo deve nos levar a considerar? Primeiramente, cuide de si integralmente, corpo e alma. Há proveito nas atividades físicas (2Tm 3.16), ainda mais em tempos em que a imunidade precisa estar especialmente alta. Em segundo lugar, valorize as pessoas que hoje estão próximas de você. Mesmo em meio ao isolamento, desfrute de uma comunhão mais plena com elas — saia do celular, desligue a TV. Terceiro, seja grato pelos meios de se conectar com pessoas em tempos de crise! Não deixe de fazer uso dessa bênção. Reúna-se virtualmente, converse, faça chamadas de vídeo, ligue, mande mensagens… Finalmente, quando voltarmos a nos ver, dê mais valor para as oportunidades de comunhão pessoal, para os momentos juntos à mesa, para as celebrações com as pessoas que amamos, para os passeios na praia e parques, para as oportunidades de nos reunirmos com nossos irmãos em Cristo. Que nós não vivamos um Cristianismo desencarnado!