Nos tempos da quarentena (Parte 1/4)

O valor da solidão

Pandemia! Os noticiários, geralmente de forma alarmante, parecem não falar de outra coisa. Isso não é estranho já que o cancelamento de shows, eventos esportivos e muitas outras atividades não deixam muita coisa pra ser noticiada.

O efeito dessa situação pode ser, porém, mais nefasto do que imaginamos – mesmo sobre os crentes!

O Princípio de Jeremias

Jeremias já nos ensinou que há momentos em que precisamos selecionar o que permitimos que entre em nossa mente (Lm 3.21).

Da mesma forma, o salmista aprendeu a falar à sua própria alma, determinando o modo como encararia tempos de angústia e ansiedade (Sl 42.11).

Ainda, o apóstolo Paulo define, com clareza, o tipo de pensamento com o qual devemos nos ocupar (Fl 4.8; Cl 3.2).

Noutras palavras: aqueles que representam o Reino de Deus na terra, os discípulos de Jesus, não podem permitir que seu modo de pensar e sua mente tenham uma porta de entrada aberta a tudo que é lançado no ar, seja por ondas de rádio, pela internet, ou mesmo pelas palavras ditas numa conversa. Nós estamos atados à ordenança do Senhor de que devemos amar a Deus, também, com o entendimento (Mt 22:37).

Sugestões Sobre o “Em que Pensar”

Nesta série de artigos, traremos à memória temas que podem nos dar esperança e nos manter no caminho do aperfeiçoamento dos santos. Temas que podem ser apropriadamente relembrados em tempos de isolamento. E, por ser esse o ambiente da maioria, no momento, vamos começar falando exatamente dele.

O Valor da Solidão

Não quero apontar nenhuma condição sacramental na qual bênçãos especiais são dadas, nem reconhecer como necessários certos padrões comportamentais como condição para as bênçãos de Deus. Ainda assim, podemos ser beneficiados ao observar, nas Escrituras, a sabedoria e o cuidado de Deus para com seus filhos, afastando-os, muitas vezes, para uma condição de isolamento, em maior ou menor grau, a fim de que sejam instruídos e treinados na fé, na dependência de Deus e na obediência devida a Ele. Apreciar essas situações pode nos encher de esperança e nos dar encorajamento ao longo da jornada, aqui.

Traga à memória, para começar, o Pai da Fé, Abraão, que foi distanciado de sua terra e de sua família, saindo “sem saber para onde ia”. Suas experiências com Deus ocorreram, em sua maioria, na solidão de suas peregrinações. Mesmo quando estava em meio a outros povos, Abraão não tinha como se identificar com eles, uma vez que o motivo de suas jornadas não era encontrar lugar melhor para sobreviver ou proteção contra inimigos, mas cumprir os propósitos do Senhor. Sua fé foi provada e fortalecida na solidão!

Ou pense em Moisés. Ele foi afastado de toda a vida que conhecia, de toda a rotina a que estava acostumado e lançado num mundo completamente diferente – e isso por quarenta anos. Certamente seu conhecimento de Deus seria aperfeiçoado ao longo do cumprimento da missão, mas foi ali, nas regiões mais áridas de Midiã que ele conheceu a Deus e aprendeu a confiar nele e a obedecê-lo. Sua fé e sua obediência se fortaleceram mais durante a solidão de suas jornadas do que durante o período em que estava no meio do povo de Deus.

Davi é outro exemplo! Já notou que Davi passou algum tempo de sua vida fugindo? De Saul, de Absalão? Além do tempo em que, como pastor de ovelhas, experimentou o afastamento do conforto do lar e da cidade! Davi, certamente, aprendeu a valorizar o tempo de solidão, de observação do mundo ao redor, da reflexão sobre o domínio de Deus sobre toda sua criação. Afinal, não foi essa sua argumentação em todo o episódio envolvendo Golias? Fosse com os soldados, fosse com Saul? Essas lições foram tão preciosas que ele aprendeu, também, a utilizar os momentos de solitude, ao longo da noite, para aprender mais sobre Deus e seu Reino.

Talvez o exemplo mais interessante seja o de Elias. O enérgico profeta do Senhor descobriu que não era tão enérgico assim quando Deus o direcionou ao deserto, quando dependeu de corvos, quando se assustou com ventos, terremotos e fogo – e quando, finalmente, descobriu Deus ali – o mesmo Deus que sempre esteve com ele em todos os lugares e momentos. Levado ao isolamento pelo próprio Deus, Elias é confrontado, ironicamente, por Deus mesmo, com a pergunta “Que fazes aqui, Elias?” Às vezes, é preciso se afastar um pouco para enxergar melhor…

E que tal o isolamento, a solidão, dentro de uma cidade e cercado por várias pessoas? Pois foi esse o caso de Paulo, logo após o encontro com Jesus, no caminho para Damasco. Ele ficou cego por algum tempo, mas a solidão maior foi produzida pela consciência de que seu universo estava ao contrário do que deveria estar. Além desse primeiro momento, Paulo se isolou na Arábia por alguns anos, também. Mas ainda haveria mais: Por um longo período Paulo, que era homem da estrada, do campo missionário, da plantação de igrejas, experimentou a condição de preso, primeiro em Cesaréia, depois em Roma. Esse período não foi infrutífero, como se vê na composição das “cartas de prisão” (Efésios, Filipenses, Colossenses, Filemon).

Finalmente, nosso Salvador soube valorizar, como ninguém, o tempo de solitude. São constantes as narrativas de como ele se afastava, intencionalmente, muitas vezes durante a noite, para estar a sós com o Pai. Lembremos que o ministério público de Jesus não foi iniciado sem que, antes, ele fosse levado, pelo Espírito, a uma região erma, para ser tentado.

Há outros exemplos na Bíblia, mas penso que estes sejam suficientes para nos animar ao descanso nas mãos de Deus, durante tempos de isolamento. Pode ser que ainda enfrentemos afastamento, ao longo da vida, que não nada terá a ver com uma pandemia. Uma doença ou a própria missão do Evangelho podem causar isso. Milhares de cristãos se veem obrigados a fugir, se isolar, por conta da perseguição religiosa ao redor do mundo. Esses momentos não são agradáveis, pra nós. Reagimos impacientemente e, como escrevi acima, isso é compreensível, já que fomos feitos “animais sociais” – como disse Fulano.

Mas é preciso que fiquemos firmados na Palavra. Aqueles que têm sido instruídos na sã doutrina perceberão quão benéficas são a pregação e a instrução genuinamente bíblicas, pois é nessas situações que parecemos ficar mais sensíveis à nossa real condição de homens e mulheres completamente dependentes do Senhor.

Então, aproveite esse tempo para, intencionalmente, se utilizar dos meios de graça e das ferramentas que Deus tem colocado à nossa disposição. Não se intimide nem fique desanimado! Com muita alegria podemos dizer, diferentemente do restante das pessoas: “Não se trata de descansar em afirmações como ‘Calma! Tudo vai passar e ficaremos bem’; antes, nossa afirmação é: “…todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o Seu propósito.”