Qual a nossa abordagem com a atual “revolução” na Família e na Sexualidade?

Ninguém ignora que hoje os tradicionais valores cristãos sobre a Família e a Sexualidade estão debaixo de grande ataque e questionamentos. A proposta de desconstrução desses valores, gestada sobretudo nos contextos filosóficos da modernidade, agora se faz sentir cotidianamente nas universidades, nos segmentos de mídia, nos contextos dos formadores de opinião, nos movimentos organizados, em tradicionais instituições dos regimes democráticos do Ocidente… E, por fim, chega às classes de crianças no maternal… Chega também às igrejas e denominações evangélicas. Enfim, ela chegou à sua casa e bate à sua porta, ou, talvez, já tenha entrado.

Em termos sintéticos, no tocante ao entendimento do que seja família, a histórica concepção funcionalista cristã está em questão. As novas revisões nos conceitos de paternidade e maternidade, na relação entre os cônjuges e naquela entre pais e filhos, se fazem sentir nas psicologias, nas pedagogias e na legislação. No tocante à sexualidade, firma-se hoje o entendimento de que “sexo” e “gênero” não são conceitos sinônimos; o primeiro se derivaria da biologia (não exatamente fixa e imutável, segundo alguns), enquanto o segundo seria uma construção sócio-cultural inteiramente mutável e contextual. Crescem as siglas que exponenciam as “identidades de gênero”; e, se o gênero seria uma construção estabelecida socialmente, as identidades de gênero resultariam do entendimento que o indivíduo tem de sua pessoa e sexualidade e na consequente expressão deste entendimento. Por fim, o desejo sexual é hoje definitório de uma ontologia – a “orientação sexual” seria, neste novo paradigma (se é que se pode falar em um único paradigma ou mesmo na existência de um), o “caminho” para o qual se dirige a compreensão que a pessoa tem de seu desejo sexual. Reprimir ou censurar este desejo, entendem alguns, pode ser preconceito ou crime.

Em resumo, no campo da família e da sexualidade, o mundo hoje assiste a uma “revolução” cultural, que vem ganhando clareza fisionômica desde o pós-guerra. Sob diversas perspectivas, entendo, esta é hoje uma revisão sem precedentes. Sob um ponto de vista, esta proposta de desconstrução, claro, não é exatamente nova; sob outros, entretanto, é, sim, muitíssimo nova e sem igual precedente na história. Uma leitura cuidadosa da História da Cultura poderá demonstrar isto facilmente.

E neste ponto chegamos às igrejas evangélicas no Ocidente e às instituições por elas criadas, particularmente àquelas que estão comprometidas com o preceito bíblico. Como responder à referida “revolução”? Obviamente, aqui as respostas têm um espectro largo, logo difícil de ser contemplado em um texto tão breve como este. Dentre tais respostas, uma delas poderá sugerir que não devemos lidar com estas coisas, sem antes pregar o evangelho à sociedade. Haveria, assim, um fosso intransponível entre a cultura secular e a cosmovisão bíblica, de tal maneira que, sem o entendimento prévio do evangelho não será possível qualquer abordagem com a cultura acerca de tais assuntos. Outros, por sua vez, poderão propor que nossa abordagem para esta revolução na família e na sexualidade situe-se exclusivamente em terreno ou órbita eclesiocêntrica, com o primado da pregação em sua demanda aplicativa. Em resumo, a abordagem é para o rebanho, sempre no contexto dele, invariavelmente a partir dele. E o grande desafio seria, então, uma pregação que contemple objetiva, pertinente e contextual aplicação do conceito bíblico a essas demandas.

A crucialidade do Evangelho e da pregação é, para nós, imponderável. A nossa cosmovisão tem o evangelho em seu cerne, e sem ele nada se fecha. Prescindindo-se do Evangelho, fica-se com um enorme buraco – uma rotura para a qual não se encontrará satisfatório remendo. E a proclamação da Palavra de Deus é um legado precioso que vem dos profetas, de Cristo e dos apóstolos – e dirige-se à igreja, mas bem assim relevantemente a este mundo inteiro. Entretanto, é possível que situemos nosso apreço ao evangelho e à pregação dentro do escopo de rígidos recortes dispensacionais ou de uma má hermenêutica do lugar das instituições e de suas respectivas esferas.

Quando abrimos a nossa Bíblia nos dois primeiros capítulos, vemos que Deus criou a família e a sexualidade antes da Queda. Esta informação parece de uma obviedade simplista, mas certamente não é. Ela possui implicações cruciais, entre as quais a de que, segundo a Bíblia, o ideal do Criador para a família e para a sexualidade se destinam à humanidade por ele criada. Certamente que o efeito da Queda implica na imperiosa necessidade de redimir a família e a sexualidade, mas é preciso conservar ambas como instituições da Criação divina. Elas integravam idealmente o estado de coisas original. A negligência, confusão ou imprecisão neste ponto tão fundamental podem conduzir (e têm conduzido) a abordagens inapropriadas por parte da igreja, bem como a descaminhos.

Um segundo ponto importante é que, antes da Queda, a Lei já se fazia presente, tanto por preceito afirmativo quanto por proibição. “De todas as árvores do jardim comerás livremente”. Isto é um “sim” bem amplo, talvez inesgotável. Mas adicionou-se: “porém da árvore [tal] não comerás”. A lei é graça; ela nos ensina como bem viver. Ela reflete o ideal de Deus. E sem o conhecimento da lei não advém o pleno conhecimento do pecado. Lutero observou (segundo me parece, com grande acerto) que só é teólogo quem consegue distinguir e pregar lei e evangelho apropriadamente. Observe: É preciso distingui-los, mas também pregá-los. A pregação do Batista, clamando pelo “arrependimento”, e a do Cristo, quando anunciava “arrependei-vos e crede no evangelho”, pressupunham necessariamente uma grande e ancestral história, e particularmente trinta e nove livros de nossa Bíblia. E a Lei tem algo a dizer a todo homem. Ela é o ideal de Deus para toda a humanidade. É a referência ética do Criador. É, portanto, nesta lei que se encontram protegidas a família e a sexualidade. É por isso que se afirma no Decálogo: “honra a teu pai e à tua mãe”; e também: “não adulterarás”.

A relevância destes dois pontos, além de pervasiva, é de imensa crucialidade no presente momento, em particular em nosso país. Pregar um “evangelho” prescindindo da lei é mau negócio; e onde o evangelho não prosperar, mantém-se inalterável o império da lei. E, nada obstante, a justiça de Deus se encontra no Evangelho da graça. Isto deve ser dito a todo ser humano. Tal demanda se revelará desde o momento em que tivermos que nos posicionar diante de uma legislação em curso; ou diante de uma proposta pedagógica; ou ainda diante de uma questão cotidiana, como manifestações, militâncias, passeatas, e “dia do orgulho” disto ou daquilo outro.

Porém, como dizê-lo? Eis a questão. Seria pela força? Pela violência? Pelo autoritarismo estatal? Pelo lobby político? Pelas artimanhas e escaramuças, juvenis e carnais, das disputas por relevância, poder e prestígio? Pela mera eloquência? Por atirar sobre o outro a esmagadora pedra da influência? Não haveria nada em nossa cosmovisão que se revista de razoabilidade à mente mesmo daquele que desconhece ou despreza o evangelho? Certamente não é o caso, e a história, mesmo a de nosso país, o demonstra. Cito um singelo exemplo: Dias atrás, dois cristãos conversavam. Um deles partilhava sobre o seu vizinho descrente. Dizia ele: “Meu vizinho não é um cristão convertido. Ele, infelizmente, não entendeu o evangelho até agora. Mas ele valoriza o casamento monogâmico; ele crê que tem a reponsabilidade de prover e conduzir sua família; ele sabe que não deve ser infiel à sua esposa… E agora ele e sua esposa estão tendo enorme lutas, e até sofrimento, com sua filha, pois esta entende que pode trazer o namorado a fim de terem relações sexuais dentro da casa deles.” O que você me diz? Este cristão não terá qualquer abordagem com o referido vizinho, se não a estrita pregação do evangelho? (E antecipo-me em dizer que ele o tem feito). E assim como aquele vizinho descrente, há ainda milhares e milhares em nosso país. Não estou dizendo que todos quantos esposam as referidas convicções ajam inteiramente coerentes com elas. E neste ponto, convém lembrar que, no final das contas, inteiramente coerente mesmo foi somente Cristo… Mas é evidente que muitos descrentes lutam, pela graça comum de Deus, com as suas culpas, emergindo de uma consciência sensível e que recebeu a influência cristã, de forma direta ou indireta. Culpas para as quais o evangelho oferece um curativo azeite… Confirma-se, pois, a imensa relevância desta boa influência nos dias de hoje, nas diversas esferas de nossas instituições.

Se quisermos influenciar esta geração, precisamos saber muito bem o que cremos, e precisaremos saber o que ela tem crido. O testemunho profético situa-se nesta intencionalidade. Assim sendo, neste contexto da referida “revolução” da ética familiar e sexual, cabe-nos duas indagações cruciais:

  • Creio que o ideal de Deus para a família e para a sexualidade é para toda a sua criação, e que tal ideal deve ser partilhado e aguardado, hoje, de toda a humanidade?
  • Creio que a Lei de Deus é a norma ética para todo ser humano, e que ela protege a família e orienta a sexualidade? Creio que tanto a lei quanto o evangelho devem ser pregados e confessados diante de todo ser humano? Devo convocar todo ser humano a que obedeça à Lei de Deus? Devo convocar todo ser humano a arrepender-se e a crer no Evangelho?

Estou seguro de que as respostas a estas indagações podem indicar os rumos da abordagem das igrejas cristãs evangélicas, que rejam-se pelo princípio do Sola Scriptura, com a nossa cultura atual, a qual segue determinada a fazer do Homem a medida de todas as coisas.


Texto cedido gentilmente pelo autor. Você pode ler outros textos do autor neste link.