Ao mestre com carinho: Um tributo a J.I. Packer (1926-2020)

Era o ano de 2003 e eu havia ingressado no Seminário Teológico para cursar um bacharel em Teologia da denominação que fazia parte. Não sabia se me tornaria um pastor, missionário ou professor, mas sabia que havia sido chamado por Deus para o serviço cristão em tempo integral.

Logo no primeiro ano havia uma disciplina sobre método teológico, ministrada pelo professor de História da Igreja, com quem eu fui trabalhar alguns anos depois. Naquela disciplina, o referido professor indicou alguns livros que julgava imprescindíveis para a formação para o ministério pastoral. Um deles era o livro Entre os Gigantes de Deus: Uma visão puritana da vida cristã, escrito por J.I Packer, publicado pela Editora Fiel.

Aquele livro foi uma virada de chave na vida como alguns outros indicados na disciplina cursada e me levou a uma clareza e definição do que significa o ministério cristão. A partir dali, comecei a ler avidamente as publicações do autor em língua portuguesa.

O título do artigo se refere a um filme de 1966 em que o ator Sidnei Poitier atua interpretando um engenheiro desempregado que aceita um emprego como professor em uma escola na periferia de Londres, com alunos que procuravam desanima-lo. Porém, ele conquista o respeito e o afeto dos discentes.

J.I Packer, ou Jim Packer, como era chamado pelos íntimos foi um mestre que influenciou e impactou toda uma geração de ministros cristãos.

James Innell Packer nasceu dia 22 de julho de 1926 numa cidade chamada Twyning, no condado de Gloucestershire, na Inglaterra. Filho de James e Dorothy, teve apenas uma irmã chamada Margaret nascida em 1929. Nascido em uma família de classe média trabalhadora, Packer sofre um acidente aos 7 anos de idade que viria a afetar toda a sua vida, ao fugir de um bullying escolar e se chocar com uma caminhonete que vendia pães.

Aquele acidente causou uma fratura em seu crânio, uma depressão que poderia ser visualizada em fotos dele. Na ocasião, a cidade contava com um cirurgião com especialização em Viena, que era um grande centro de formação de cirurgiões na época e um ótimo trabalho foi feito com o jovem Packer, mas acabou ficando uma sequela física que veio a impedi-lo de praticar esportes na juventude.

Ali, então, nascia o ávido leitor Packer, que ganhou uma maquina de escrever que se tornou uma paixão por toda a sua vida (Ele era um tanto avesso a tecnologia). Religiosamente falando, Packer foi criado como um anglicano nominal, sendo batizado na infância e confirmado na juventude na Igreja de Sta. Catarina, em sua cidade.

Ao ingressar na faculdade, foi alcançado pela graça de Deus através do ministério de universitários e respondeu com fé e arrependimento, se rendendo a Jesus como seu Senhor e Salvador. Se bacharelou em artes e decidiu ingressar no ministério cristão, trabalhando como tutor de grego e latim na faculdade e cursando um mestrado em artes e um doutorado em filosofia, o qual pesquisou a doutrina da salvação no pensamento do Puritano Richard Baxter. Logo após, ele foi ordenado ao ministério pastoral, contraiu núpcias com a enfermeira Kit Mullett, com quem teve 3 filhos, Ruth, Naomi e Martin.

Fato curioso é que Packer ouviu uma palestra de C.S Lewis, em Oxford, onde estudou e foi profundamente impactado pelo mesmo, apesar de nunca ter sido apresentado a Lewis pessoalmente. Após a ordenação pastoral, Packer auxiliou uma igreja no período de 3 anos.

Após o tempo de pastorado na igreja local, ele assume funções administrativas em organizações evangelicais, uma delas fundada por John Stott (1921 – 2011) que veio a ser um grande companheiro de pregação do evangelho. Também faz grande amizade com o pastor David Martin Lloyd-Jones (1899 – 1981) a quem apreciava muito ouvir suas pregações na Capela de Westminster. Juntos, fundam a conferência puritana, visando fomentar a leitura e aplicabilidade dos antigos reformadores ingleses no evangelicalismo britânico.

Em 1958, escreveu seu primeiro livro, Fundamentalismo e a Palavra de Deus, após ser solicitado para escrever apenas um folheto sobre o tema da autoridade das escrituras. Ali nascia o escritor. Também se envolveu em controvérsia com o movimento Keswick, de santidade, afirmando que o mesmo tinha uma doutrina de salvação “pelagiana” (referente ao monge Pelagio, do século V, que defendia uma doutrina de salvação baseada no mito da liberdade humana, se referindo ao pecado – tal ensino foi refutado pelo célebre teólogo Agostinho, Bispo de Hipona).

Após décadas servindo ao povo de Deus em seu país, e tendo escrito o clássico Conhecimento de Deus, Packer discorda do amigo Lloyd-Jones por este liderar um movimento de igrejas independentes, enquanto Packer decide permanecer na Igreja da Inglaterra, mesmo estando isolado por suas posições tidas como “radicais”.

Com isso, ele recebe um convite em 1979 do seu colega, Dr. James Houston, quem conheceu em Oxford, para lecionar Teologia Sistemática em uma Universidade recém-formada, em Vancouver, no Canadá. Ele aceita o convite lecionando ali as disciplinas Teologia Sistemática, Movimento puritano e Epístola de Paulo aos Colossenses. Transfere-se para a Igreja Anglicana do Canadá, mas tem suas funções pastorais revogadas por um Bispo por defender o casamento conforme a Bíblia Sagrada. Com isso, se junta a uma liga de anglicanos independentes  no Canadá, América do Sul e posteriormente, Estados Unidos da América.

Deixa a cátedra tempo integral em 1996, mas permanece ensinando ainda alguns anos, até se retirar do ensino público em 2016 por causa de uma degeneração macular, ocasionando cegueira. Antes disso, fez parte de uma equipe, no Terceiro Milênio, para revisar um Livro de Oração Comum (LOC) de sua tradição cristã e um catecismo para uso na Igreja.

Packer ainda tem um livro para ser lançado, com previsão para 2021, sobre a herança teológica na tradição anglicana. J.I Packer faleceu dia 17 de julho, cinco dias antes de completar seu 94º aniversário. Hoje, Packer está com o seu Senhor, em que honrou em vida, na glória eterna, aguardando a ressurreição dos mortos.

Packer teve seu ministério marcado pelo ensino bíblico das doutrinas cristãs. Escreveu sobre a relação da Teologia e vida devocional, também sobre a autoridade das escrituras sagradas e sobre a doutrina da expiação e substituição penal em John Owen. Preocupava-se com a doutrina e ensino bíblico, como também a aplicabilidade e eficácia do mesmo na vida dos seus leitores. Esse é o seu legado teológico.

Um dos seus biógrafos, Alister McGrath, o chama não de teólogo, mas de teologizador, o que fez Packer definir a si mesmo, como um catequista de adultos. Ele nunca almejou uma carreira acadêmica, por mais legitima que fosse, mas compreendia o seu chamado como um provedor de material teológico intermediário, para o cristão, membro da igreja local (um exemplo pode ser visto no livro Vocábulos de Deus, publicado pela Editora Fiel). Packer era referido como um homem espiritual, piedoso e devoto, que sabia dialogar mantendo as verdades cristãs, mas agindo com doçura e candura, características de um discípulo de Jesus Cristo. Era um homem de hábitos simples, que nunca buscou o próprio sucesso, e há quem afirme que aí esteja o seu sucesso. Um homem que escreveu diversos livros, outros em co-autoria, além de inúmeros prefácios, apresentações e endossos.

Tanto quem o conheceu, como seus leitores, percebem o seu humor afável, seu tom irênico e sua doçura com o próximo. Também era tido como um homem de hábitos simples, gostava de Jazz e livros de suspense e mistério. Não buscou a própria fama, mas buscou a fama do Senhor Jesus e essa foi a sua marca. Foi um campeão da catequese, da unidade cristã e do resgate dos escritos passados como direção para a igreja. Louvado seja Deus por homens como J.I Packer que ajudam o povo de Deus a enxergar pelos ombros dos gigantes. Ao mestre Packer, com carinho, o nosso tributo.