Covid-19 e a Graça Comum

Se as últimas semanas de sua vida foram semelhantes às minhas, você passou mais tempo em casa. As sugestões de distanciamento físico e as normas estabelecidas por governadores, prefeitos e até o presidente dos Estados Unidos para lidar com a Covid-19 fecharam lojas, restaurantes, arenas esportivas e muitos outros lugares. Muitos de nós, inclusive eu mesmo, trabalhamos quase exclusivamente a partir de casa. Em vez de adorar com outros crentes no prédio de uma igreja, participamos da melhor maneira possível do culto semanal no Dia do Senhor por meio de transmissões ao vivo, pela Internet. Minha esposa ou eu vamos ao supermercado uma vez por semana para fazer compras e ocasionalmente saímos para pegar refeição, deixando o outro cônjuge e os filhos em casa. Como família, saímos para uma caminhada no bairro quase todas as noites. Fora isso, permanecemos quietos na propriedade dos Rothwell.

No momento, nos deparamos com muitas perguntas sem resposta. Quantas pessoas morrerão por causa desse vírus? Quão severamente esses confinamentos prejudicarão a economia mundial? Quão eficazes são essas restrições em impedir a propagação do vírus? Quantas pessoas realmente tiveram o vírus, não experimentaram sintomas e agora estão imunes? Os governos locais e estaduais ou o governo federal estão, de alguma maneira, ultrapassando os limites de sua autoridade? Se contivermos o vírus agora, ele voltará no inverno? Será que aqueles que foram colocados em férias coletivas ou que perderam seu emprego serão capazes de recuperá-los quando a vida voltar ao normal? Será que este evento histórico mudará fundamentalmente a nossa sociedade? Ou será uma dificuldade que, uma vez superada, não causará nenhuma mudança permanente em nosso estilo de vida? E eu poderia continuar.

Ao mesmo tempo, o vírus está nos lembrando que vivemos num mundo caído e que quase tudo neste mundo se relaciona com outras coisas de maneiras incrivelmente complexas. Quando tentamos consertar uma coisa, frequentemente quebramos outra. Agora mesmo, estamos tentando impedir que o vírus se espalhe, mas com prejuízos para a economia. No entanto, admiravelmente, a vida prossegue, embora com grande dificuldade para muitos de nós. Médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde fazem esforços ousados para preservar a vida. Caminhoneiros e capitães de navios transportam bens necessários ao redor do mundo. Técnicos da usinas de energia mantêm as nossas luzes acesas. Gerentes, caixas e repositores de supermercados trabalham para manter as prateleiras abastecidas com aquilo de que necessitamos para prosseguirmos. Aqui eu também poderia continuar.

Em meio a essa pandemia global, estamos vendo a graça comum de Deus em ação.

Graça é, sem dúvida, qualquer bondade que o Senhor nos dá e que não merecemos. E você deve lembrar que, em linhas gerais, a Bíblia se refere à graça de Deus em duas maneiras principais. Primeiramente, há a graça especial ou salvadora de Deus. Essa é a graça referida em textos como Efésios 2:8-10 e Romanos 9-11. João 3.1-17 também é uma passagem-chave sobre a graça especial ou salvadora, embora a palavra graça não apareça nessa passagem. Graça especial ou salvadora é a graça que realiza a nossa salvação. Se temos de ser salvos, Deus é quem deve nos dar essa graça. E ela é especial porque Deus não a dá a todos. O Senhor dá a graça especial apenas aos eleitos, não porque eles são melhores do que as outras pessoas, mas simplesmente porque ele escolheu salvar seu povo.

Por outro lado, a graça comum se refere à bondade de Deus para com todas as pessoas. É comum porque todos, eleitos e não-eleitos, se beneficiam dela. Deus “faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos” (Mt 5:45), e assim a raça humana pode cultivar comida para sua subsistência. Deus também fez com a natureza uma aliança no sentido de que os ciclos regulares da natureza, inclusive as estações e as leis físicas do universo, continuem enquanto a terra permanecer (Gn 8.22). Quão frequentemente nos lembramos de que, sem essa aliança, ciência e tecnologia seriam impossíveis? Não haveria avanços científicos ou aprimoramentos tecnológicos se não pudéssemos contar com o fato de que o mundo continua como sempre foi. Sem uma ordem natural previsível, não poderíamos realizar experimentos repetitivos e testáveis, nem formular hipóteses. Se as leis do universo estivessem em constante mudança, não poderíamos nos adaptar a elas, nem aprender nada a partir elas.

Além disso, uma pessoa não preciso ser um cristão para amar sua família, lidar honestamente com seus clientes e sócios de negócio, manter seu bairro limpo ou aprovar leis sábias que beneficiem muitos outros. Às vezes, os incrédulos fazem o que a lei exige (Rm 2:14). É claro que isso é apenas uma obediência exterior que não pode agradar a Deus, pois não é motivada por amor a ele. No entanto, essas boas obras beneficiam outros, até mesmo os cristãos. Pelo menos nos Estados Unidos, ainda podemos contar com a polícia, bombeiros, médicos e muitos outros para nos ajudar, embora as pessoas que ocupam essas posições não creiam em Cristo para a salvação.

Sendo nós criaturas caídas, não valorizamos a graça comum de Deus. Mas, sem ela, estaríamos realmente em apuros. Pense no que precisa acontecer para termos leite em nossa mesa. Precisamos de agricultor pecuarista. Esse pecuarista e seus peões têm de levantar-se na hora certa todos os dias e ter uma ética de trabalho suficiente para motivá-los a ordenhar as vacas corretamente. Um motorista de caminhão precisa transportar o leite para uma indústria de pasteurização e engarrafamento. E, se ele ficar atrasado, o leite pode estragar-se. Na indústria de pasteurização e engarrafamento, os trabalhadores têm de contar com as descobertas científicas de Louis Pasteur e com equipamentos elaborados por engenheiros, para pasteurizarem e engarrafarem o leite. Um motorista de caminhão tem de levá-lo para a loja a tempo. O supermercado deve ter refrigeração confiável, que depende de outra pessoa que, em anos passados, descobriu como gerar e transmitir eletricidade e de trabalhadores que no presente têm de comparecer pontualmente na usina de energia e fazer bem seu trabalho, para manter as coisas em andamento. Depois, um estoquista e um caixa têm de ser suficientemente comprometidos com seu trabalho, de modo que compareçam para seus turnos, a fim de estocarem e venderem o leite. Eu poderia multiplicar muitas outras variáveis, e isso apenas em relação ao leite! Pense em tudo mais.

Este mundo é realmente complexo. E, a qualquer momento, algo bem pequeno pode confundir todo o processo e causar muitos danos. No entanto, as coisas continuam. Mesmo em uma pandemia. Essa é a graça comum de Deus sustentando a energia e as vontades dos seres humanos de saber como fazer as coisas e fazê-las. Coisas más acontecem às vezes? Sem dúvida. Nós, pecadores, somos bons em bagunçar as coisas. No entanto, em geral, a sociedade continua, e as necessidades são atendidas. Com certeza, isso é melhor em alguns lugares do que em outros, mas não destruímos a nós mesmos ou ao mundo. Isso é a graça comum de Deus.

Nos dias vindouros, as frustrações certamente continuarão. Mesmo depois que o vírus passar, teremos os espinhos e cardos cotidianos, introduzidos em nosso trabalho por Adão. No entanto, podemos ser gratos pelo fato de que o Senhor nos tem sustentado por milênios; e ele o fará enquanto a terra permanecer. Quando uma cura ou a vacina chegar, poderemos agradecer a Deus por sua graça comum que a tornou possível tanto para cientistas cristãos quanto para cientistas não cristãos que trabalham em desenvolvê-la. Enquanto isso, podemos agradecer ao Senhor por sua graça comum que é evidente em como pessoas de todos os contextos estão trabalhando juntas, cada uma em sua área específica, para manter as coisas funcionando. E no futuro, quando isso ficar para trás, poderemos agradecer-lhe por sua graça comum, que torna mais tolerável a vida neste mundo caído.

Por: Robert Rothwell. © Ligonier Ministries. Website: ligonier.org. Traduzido com permissão. Fonte: COVID-19 and Common Grace.

Original: Covid-19 e a Graça Comum. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Francisco Wellington Ferreira. Revisão: Filipe Castelo Branco.