4 razões pelas quais você deve pregar através de Juízes

Fui encarregado de considerar as razões pelas quais alguém deveria pregar através do livro de juízes. O livro de Juízes faz a transição da liderança de Israel dos juízes ou libertadores com poderes espirituais para um rei humano com poderes espirituais. Ao fazer isso, o livro aponta para a monarquia davídica como o meio de Deus para libertar seu povo – não apenas das nações inimigas, mas também umas das outras e até de seus próprios corações pecaminosos.

Juízes é o livro mais desagradável do Antigo Testamento. Se não fosse pela narrativa da morte de Cristo, seria o livro mais desagradável de toda a Bíblia. Está saturado de eventos tóxicos: genocídio, guerra santa, escravidão e opressão das mulheres. Isso tenta alguns a pensar que a Bíblia tolera este livro de horrores [1]. Muitos observaram que Juízes não é apenas mau; fica cada vez pior. E, quando você chega ao fim, até mesmo os famosos pecados de Gênesis 19, de Sodoma e Gomorra, que resultaram no fogo e enxofre de Deus, se tornam pálidos em comparação com o pecado de Israel em Juízes 19, que é marcado pela notável ausência de Deus.

Pode parecer que até o final de Juízes, Deus nem queria tocar em Israel. Mas se este resumo não o convenceu a pregar através de Juízes, deixe-me oferecer quatro razões melhores para pregar através desse livro ao seu povo.

1. Deus é o herói da história

Quando você pensa em Juízes, aposto que sua mente salta rapidamente para a coragem de Debora, a lã de Gideão ou a força de Sansão. Os primeiros 16 capítulos se concentram em juízes com poderes espirituais que se parecem mais com Os Vingadores do que com especialistas em direito. Sansão se parece mais com Thor do que com o juiz Judy. Mas, na verdade, com a notável exceção de Otniel, este livro se esforça bastante para mostrar que esses heróis humanos são todos nulos em um sentido ou outro. Baraque precisa que Debora segure sua mão para confiar e obedecer à Palavra de Deus. Gideão precisa de constante reafirmação de Deus para que ele possa confiar nele. Sansão explora os bons dons de Deus para obter ganhos egoístas.

Repetidas vezes, esses heróis humanos revelam que a salvação vem da iniciativa de Deus e não da do homem. Deus é o grande herói de Juízes.

2. O pecado traz consequências individuais e comunitárias

Juízes começa onde Josué termina, com o povo de Deus obedecendo ao mandamento de Deus de tomar a Terra Prometida. Mas o ímpeto acaba em Juízes 1.27, quando “Manassés não expulsou os habitantes de Bete-Seã” e várias outras nações tribais. Nos versículos a seguir, o autor registra que Efraim, Zebulom, Aser, Naftali e Dã também falharam em expulsar os povos que Deus lhes havia ordenado que expulsassem.

A desobediência coletiva vaza progressivamente e cada vez mais para a vida do povo de Deus até ao final de Juízes, capítulos 17–21, onde duas realidades dominam: a ausência de Deus e o refrão repetitivo: “Naqueles dias não havia rei em Israel; cada qual fazia o que achava mais reto” (17. 6, 21.25; cf. 18. 1, 19. 1). Não há mais libertadores depois de juízes 17, e os pecados do povo de Deus um contra o outro atingem sua maior profundidade quando a tribo de Benjamim – a tribo de Saul – estupra a concubina do levita no centro da cidade.

A bússola moral de Israel está tão avariada que a resposta “justa” de Israel ao pecado de Benjamin quase resultou no genocídio desse povo. Quando Israel reconheceu seu pecado, eles procuraram trazer “justiça”, essencialmente sequestrando e estuprando quatrocentas filhas virgens de Jabes-Gileade e as filhas de Siló (Jz 21). Isso explica o último versículo do livro: “Naqueles dias, não havia rei em Israel; cada um fazia o que achava mais reto”.

O ponto aqui é sombrio, mas simples: à medida que as pessoas se afastam da obediência ao seu Deus soberano, elas se movem em direção a paixões pecaminosas e, progressivamente, espiralam para baixo. Isso resultará inevitavelmente no tratamento de outras pessoas como menos que humanas. O pecado cresce e molda indivíduos e comunidades, resultando em injustiça e tristeza caóticas.

3. Juízes ensina como Deus valoriza as mulheres

Sei que essa afirmação é carregada com óbvia ironia. Uma rápida leitura de Juízes parece argumentar o contrário. Os homens tratam as mulheres de maneira horrenda. Por exemplo, em resposta à descrição do autor de juízes 19, Phyllis Trible escreve: “Ele também se importa pouco com o destino da mulher” [2]. Para deixar claro, não estou dizendo que os homens de juízes valorizam as mulheres. Eles gradualmente aumentam a sua opressão por toda parte.

Mas a perspectiva do autor apresenta uma imagem totalmente diferente. O autor parece revelar a crescente pecaminosidade do homem, expondo e até destacando o tratamento cada vez mais sombrio e brutal das mulheres. De fato, o caos de Juízes não faz sentido se o autor afirma a vitimização das mulheres.

Não temos tempo para analisar todos os casos das relações entre homens e mulheres em Juízes; eles são muitos. Mas deixe-me oferecer alguns exemplos que demonstram como essas relações homem-mulher são tanto descritivas quanto indicativas. Primeiro, antes da rebelião de Israel em Juízes 1. 11-15, lemos sobre Acsa e Otniel; eles representam o homem e a mulher ideais que funcionam em harmonia. Otniel é então levantado como juiz em Juízes 3. 7-11. Ao longo do restante do livro, os relacionamentos entre homens e mulheres servem como uma espécie de barômetro espiritual para o quão baixo as pessoas estão descendo – espiritual, teologicamente, moralmente, eticamente e assim por diante.

Ao contrário de Otniel, Baraque se recusou a confiar e obedecer a Deus. Ele finalmente precisou de Débora como seu manto de segurança porque se recusou a reconhecer Deus como seu escudo. Como resultado, Jael, uma mulher estrangeira, mata o general inimigo, Sísera, e recebe crédito – no lugar de Baraque – por entregar Israel. Curiosamente, o texto descreve Sísera sendo envolvido por uma coberta, e Jael o alimenta com leite, como uma mãe, antes de enfiar uma estaca na sua cabeça.

Mais tarde, Jefté sacrifica sua própria filha como resultado de um voto precipitado a Deus, um ato que Daniel Block chama de “o máximo do abuso” [3]. E quem pode esquecer as façanhas sexuais de Sansão que definitivamente o levaram à sua morte?

O auge do livro – ou talvez seja melhor dizer seu ponto mais baixo – chega ao final de Juízes com o estupro coletivo da concubina, seguido pelo genocídio da tribo de Benjamin e o sequestro e estupro em massa das filhas de Siló.

Em suma, o livro de Juízes torna-se sem sentido se o autor afirma esse tratamento hediondo das mulheres por toda parte. Observe que quanto pior o tratamento das mulheres, mais homens fazem o que é certo aos seus próprios olhos e menos Deus parece estar presente.

4. A escuridão de Juízes destaca a beleza de Rute e a glória de Deus na redenção

Há uma questão sobre Rute. Com muita frequência, o livro de Rute é pregado isoladamente de Juízes, embora sua história ocorra “nos dias em que julgavam os juízes” (Rt 1.1). Se alguém lê os dois juntos, considerando, como eu considero, o contexto histórico dos escritos de Rute, então o relacionamento do livro de Rute com Juízes quase parece a nova resposta da criação de Deus para um mundo caótico. Em juízes, as relações entre mulheres e homens estão se deteriorando e Deus está visivelmente ausente. Em Rute, somos apresentados a Boaz e Rute como um novo casal ideal cuja história harmoniosa supera a de Acsa e Otniel de Juízes 1.

Muitos afirmam que as relações paradoxais entre homens e mulheres se baseiam no “Sitz im Leben” do autor de Juízes, seu contexto de vida. O autor dos juízes, dizem eles, exemplifica um ponto de vista abusivo e patriarcal. Eu argumentaria que o fundamento das relações paradoxais entre homens e mulheres se origina muito mais distante do que a era dos juízes – em Gênesis 1 e 2. Assim, à medida que Juízes se volta para o pecado, as relações entre os que foram o auge da criação de Deus se desvelam no caos. As mulheres são abusadas e a espiral descendente continua.

Mas então, na surpreendente e soberana graça de Deus, essa espiral é revertida no livro de Rute. Boaz resgata Rute – uma moabita estéril, viúva – e ele a busca feliz como seu parente resgatador. Boaz lhe deu um novo nome e, eventualmente, ela o deu a seus filhos de quem o rei Davi finalmente nasceria.

Deus é contra o abuso de mulheres – além disso, Deus promete restaurar as coisas quando parecer menos provável.

Comentários

Se você está procurando comentários úteis sobre Juízes, o Judges: Such a Great Salvation de Dale Ralph Davis, me ofereceu uma grande ajuda para pensar pastoralmente nesse livro.

O comentário de Daniel Block, Judges & Ruth Commentary da NAC series, também é útil para abordar as questões de um ângulo mais acadêmico, porém acessível.

Se você está procurando uma pesquisa ainda mais exaustiva dos principais temas e o envolvimento com outros comentaristas, consulte o volume da série Word Biblical Commentary, de Trent Butler. E, claro, o material realmente bom está nos periódicos acadêmicos.

Comentários recomendados em português


[1] S. Cyril Rodd, Glimpses of a Strange Land: Studies in Old Testament Ethics (Edinburgh: T&T CLark, 2001), 1-402.

[2] Phyllis Trible, Texts of Terror: Literary-Feminist Readings of Biblical Narrative (Philadelphia, PA: Fortress Press, 1984), 37-38.

[3] Daniel I. Block, Unspeakable Crimes: The Abuse of Women in the Book of Judges, SBJT 2/3 (Fall 1998), 49.

Goldsworthy examina a Bíblia, a Teologia Bíblica e a Pregação e demonstra como essas três disciplinas se relacionam na preparação de sermões cristocêntricos. Ele então aplica o método bíblico teológico aos vários tipos de literatura que se encontram na Bíblia, extraindo sua contribuição para a pregação expositiva e focada na pessoa e obra de Cristo.

CONFIRA

 

 

Por: Josh Vincent. © 9Marks. Website: 9marks.org. Traduzido com permissão. Fonte: 4 Reasons You Should Preach through Judges.

Original: 4 razões pelas quais você deve pregar através de Juízes. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Paulo Reiss Junior. Revisão: Filipe Castelo Branco.