Um blog do Ministério Fiel
A Covid-19 é uma grande oportunidade?
Alguns anos atrás, eu estava conversando com um amigo pastor e lhe perguntei sobre uma pessoa bem conhecida e comum que também está no ministério. Meu amigo respondeu: “Você sabe, a denominação de nossa igreja é muito severa para com homens que não são considerados um sucesso”.
Essa foi uma maneira rude de dizer o que muito poucas pessoas no ministério admitem: o ministério na igreja pode levar os pastores a serem apreciados, amados, se forem considerados bem-sucedidos pelos que estão ao seu redor. Num tempo de quarentena, distanciamento social e reuniões de igreja virtuais, pergunto-me quantos homens no ministério estão trabalhando principalmente para manter o status quo da igreja. Talvez pareçam estar trabalhando pelo bem-estar da igreja, quando, na realidade, podem estar trabalhando para preservar seus ministérios e igrejas. Essas igrejas podem até conseguir crescer em meio a esta pandemia, visto que alcançam outras pessoas que pertencem a outras igrejas que não têm os mesmos recursos, criatividade e dons.
Este confinamento internacional tem mostrado quão frágil a igreja e muitos ministérios podem ser e quanto do que é feito pelas igrejas e por ministérios é produto de marketing — um mentalidade coletiva que valoriza a habilidade de atrair pessoas. Infelizmente, a aparência de sucesso pode não ser necessariamente um resultado de o evangelho estar sendo oferecido como a solução para o pecado e a corrupção da humanidade; mas, em vez disso, pode ser que a igreja se tornou muito eficiente em criar uma imagem de sucesso.
Os pastores se sentem mais pressionados a desenvolver uma imagem que atrairá os bem-sucedidos, os ricos e os bonitos para a sua igreja, mesmo num tempo de crise mundial? Enquanto penso em minha jornada durante este tempo, tenho me perguntado quantos homens no ministério estão mais preocupados com seu próprio sucesso do que em cuidar bem de seus rebanhos. Quanto de todo o trabalho árduo de pastor, feito nas últimas semanas ou meses, pode ser fruto de uma corrida para superar outros ministérios, outros pastores, outras igrejas durante esta crise?
O perigo e o temor que as pessoas da igreja experimentam em face da pandemia expõem, também, quantas igrejas têm procurado competir com a Netflix e a Amazon Prime como entretenimento cristão. Esta crise é uma oportunidade para ajudar pessoas a sentirem-se melhores ou é uma oportunidade, um chamado de Deus, para nos arrependermos de nossos corações idólatras que se voltaram para tantas coisas que visam ao nosso conforto nesta vida?
Durante este tempo, os pastores têm falado aos membros de suas igreja sobre entendermos a morte como um julgamento de Deus — um resultado da Queda? Têm falado às suas congregações sobre como usar este tempo para procurarmos, identificarmos e nos arrependermos de nossos ídolos, as muitas coisas que amamos mais do que a Deus? Têm pregado sobre quão difícil é ser um cristão e achar em Jesus o nosso único conforto quando estamos cercados por tantas coisas boas?
Os pastores estão apenas ajudando seu povo a sobreviver com uma forma de “boas-novas” que não são realmente boas? Estão prometendo a seus membros que tudo ficará bem, que retornarão a seus antigos estilos de vida, logo que a situação acabar? É isso que queremos como pastores? Apenas retornar à maneira como as coisas eram alguns meses atrás?
No livro de Isaías há um chamado ao arrependimento que o profeta proclama aos judeus que viviam em Jerusalém no século VIII a.C.:
Ai dos que ajuntam casa a casa, reúnem campo a campo, até que não haja mais lugar, e ficam como únicos moradores no meio da terra! A meus ouvidos disse o Senhor dos Exércitos: Em verdade, muitas casas ficarão desertas, até as grandes e belas, sem moradores” (Is 5.8-9).
Vivemos num tempo em que a igreja local é um lugar formidável, cheio de pessoas excelentes. Temos ar-condicionado, música agradável, bons cantores, cadeiras confortáveis e pastores carismáticos que são inteligentes, educados e bem-sucedidos. A maioria das pessoas que frequenta as igrejas de classe alta têm todos os tipos de coisas para confortar seus corações, pois têm muito de tudo: música excelente, comida, bebida e amigos que alegram os corações delas. Não me entendam errado. Nem todas as coisas que menciono aqui são más. Entretanto, são más quando o ser humano acha alegria e consolo supremos nessas coisas. Pergunto-me se as palavras de Isaías não nos chamam a lamentar os muitos confortos que temos neste tempo. Se meditarmos nas palavras do profeta, devemos reconhecer como, em muitos casos, a igreja de nossos dias se tornou um lugar que ensina às pessoas como serem felizes consigo mesmas, como se sentirem grandes em relação a si mesmas, como usar coisas boas para sua própria honra e glória. Por exemplo durante o confinamento temos visto muitas igrejas distribuírem comida e ajudarem pessoas em necessidade, e isso é maravilhoso. Mas é possível que alguns estejam procurando gerar toda a publicidade que puderem apenas para mostrar às pessoas quão maravilhosas as suas igrejas e seus ministérios são?
Isaías prossegue com estas palavras de julgamento:
Ai dos que se levantam pela manhã e seguem a bebedice e continuam até alta noite, até que o vinho os esquenta! Liras e harpas, tamboris e flautas e vinho há nos seus banquetes; porém não consideram os feitos do Senhor, nem olham para as obras das suas mãos (Is 5.11-12).
Os judeus tinham liras, harpas e banquetes para evitar a monotonia. Quão diferentes somos em nossa luta contra o desespero? Sei que somos relutantes em identificar-nos com a audiência original de Isaías, mas, como cristãos em geral, não pensamos que podemos ser culpados da mesma idolatria e do mesmo apego à diversão dos quais os judeus eram culpados em seu próprio tempo? Pergunto-me como seria nossa vida dois meses depois do confinamento se não tivéssemos todas as coisas que aliviam a nossa alma — conforto, música, “banquetes” e videoconferência.
Eu oro que a igreja não perca esta oportunidade para ajudar as pessoas de nossas congregações a entender que este poderia ser um tempo muito oportuno de lamento e arrependimento, em vez de ser apenas outro tempo pelo qual esperávamos para desfrutar de mais banquetes e mais prazer. Esta é uma oportunidade de buscarmos o Senhor e nos arrependermos de nosso crer fácil e de nosso coração idólatra. Neste tempo, é provavelmente melhor lembrar ao nosso povo que a salvação não diz respeito a sermos livres para sair em caminhadas, restabelecer as nossas agendas cheias de compromissos ou visitar nossos amigos e família. Em vez disso, é uma oportunidade para lembrarmos ao nosso povo que eles têm comunhão com o nosso Pai celestial por meio de nossa fé em Cristo, que viveu a vida que não podemos viver e assumiu o nosso lugar na cruz, para que não sofrêssemos a morte que merecemos por nossos pecados.
No fim da crise, seremos pastores de sucesso por mantermos os frequentadores de nossas igrejas satisfeitos consigo mesmos? Ou aproveitaremos esta oportunidade para ensinar o nosso povo a lamentarmos o nosso pecado e nos arrependermos de nossos velhos caminhos idólatras?